O “favorito” que caiu em desgraça

Questionado pelos jornalistas sobre as eleições internas no Partido Socialista, o Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, deixou bem claro quem é o seu preferido: António Costa.

Num volte face inesperado, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que preferia que António Costa “tivesse ficado”. Após uma legislatura a ameaçar utilizar a “bomba atómica”, o Presidente colocou o ónus no primeiro-ministro demissionário. “Quem tomou a decisão foi António Costa, não fui eu. Ele é que decidiu sair, não fui eu. Ele é que me comunicou que se ia embora”, assinalou.

A resposta de Marcelo, disfarçada de elogio, surge após as recentes declarações de António Costa à CNN. Numa entrevista ao canal televisivo, o primeiro-ministro considerou que a crise política era evitável e acusou Marcelo de fazer uma “avaliação errada” e de contribuir para a instabilidade política.

À margem dos problemas reais, a tensão entre as duas principais figuras do Estado foi reprovada pela maioria dos quadrantes políticos, que consideram a deterioração das relações entre Belém e São Bento um obstáculo à reputação e funcionalidade do país.

Nem bom vento, nem bom casamento

Esta picardia institucional não é de agora. O mal-estar começou em 2021, durante a pandemia da Covid-19. Na sequência de um cansaço coletivo, o Presidente da República antecipou-se a António Costa e descartou a possibilidade de retrocesso no desconfinamento. No auge do verão, Marcelo assegurou ser necessário confiar na vacinação, mesmo com o aumento do número de infetados.

“Virámos a página, já não voltamos atrás”, disse Marcelo aos jornalistas. Visivelmente incomodado, Costa retorquiu que ninguém, incluindo o Presidente, podia “garantir que não se voltava atrás” no desconfinamento. Questionado sobre este jogo de poder, Marcelo foi direto, afirmando que, “por definição, o Presidente nunca é desautorizado pelo Primeiro-ministro”.

A relação azedou após a divulgação da lista de ministros do último Governo. Indagado pelos jornalistas sobre se esta divulgação poderia ter prejudicado a relação entre São Bento e Belém, Costa foi taxativo ao responder que não. “A fuga não veio de mim, não veio do meu gabinete, não veio de ninguém que dependa de mim”, reiterou. A partir daí, a relação deteriorou-se significativamente.

Embora inesperada, a maioria absoluta do Partido Socialista prometia estabilidade e reformas. No entanto, este ciclo político ficou marcado desde o início por um aviso público que, em retrospetiva, parece premonitório.

Durante a tomada de posse do XXII Governo Constitucional, o Presidente da República colocou Costa entre a espada e a parede. Em tom de reprimenda, Marcelo dirigiu-se diretamente ao seu antigo aluno: “deram a maioria absoluta a um partido, mas também a um homem, vossa excelência, senhor primeiro-ministro, um homem que, aliás, fez questão de personalizar o voto, ao falar de duas pessoas para a chefia do Governo”.

“Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que vossa excelência sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho”, sublinhou. Costa discursou logo a seguir, mas optou por não responder à provocação. Todos os partidos da direita ecoaram a mensagem.

O intervalo de tempo entre a declaração do Presidente e a queda do Governo é exatamente de um ano e 8 meses. Este período, marcado por uma série de controvérsias envolvendo os governantes, alcançou o seu ponto mais crítico quando António Costa recusou a demissão de João Galamba, contrariando a vontade presidencial.

No final, nem o voto popular, nem a mão firme de Marcelo foram capazes de impedir a demissão de Costa, dando razão aos mais pessimistas. Com o apoio do próprio Presidente, especula-se sobre uma possível ida de Costa para a Europa. No final de contas, o favorito sai, mas com um “brilhozinho nos olhos”.

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