Embora tenham passado relativamente despercebidas, as palavras de Zelensky durante uma conferência de imprensa conjunta com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, lançaram um alarme assustador: “Prestem atenção aos Balcãs. Acreditem em mim. Estamos a receber informação”. Um mês após um tiroteio entre a polícia albanesa e três atacantes sérvios no norte do Kosovo, Zelensky alerta que a desestabilização dos territórios da antiga Jugoslávia faz parte dos planos de Vladimir Putin para desviar as atenções da guerra na Ucrânia e enfraquecer a Europa. Durante 20 anos, Portugal integrou uma missão da NATO para ajudar a manter a paz e suspender as hostilidades no território. Se as previsões do presidente ucraniano estiverem certas, os esforços dessa operação podem ter sido em vão.
Neste braço de ferro, ambas as partes descrevem Portugal como um aliado importante na preservação da paz política internacional. Este mês, em visita oficial a Portugal, a presidente do Kosovo, Vjosa Osmani, afirmou que existe “potencial para aprofundar” as relações entre os dois países, uma ideia partilhada pelo representante oficial do país em Lisboa, Ylber Kryeziu. Em entrevista ao Diário de Notícias, o embaixador destacou a existência de um “interesse crescente na intensificação da cooperação bilateral em todas as áreas”. “Consideramos que Portugal tem uma voz importante nas organizações regionais e internacionais, bem como nos fortes laços políticos e económicos com muitos países”, sublinhou.
“Hoje, Portugal continua a ser uma importante voz de apoio e de interesse pelos processos democráticos e de reforma do nosso país na via da integração euro-atlântica, da liberalização de vistos e do reforço da posição do Kosovo no quadro das relações multilaterais e da plena integração no sistema internacional”, lê-se no site oficial da República do Kosovo.
Do outro lado da barricada, os sérvios também veem Portugal como um elemento apaziguador, pelo qual estão muito “gratos”. Este reconhecimento deve-se, em parte, à vontade de integrar a União Europeia, onde Portugal conseguiu construir a sua reputação como um país sensato e moderado.
“Infelizmente”, diz a embaixadora sérvia Ana Ilic, “as atividades (da UE) estão reduzidas a acalmar as tensões e a prevenir a violência causada pelas ações unilaterais de Pristina, em vez de resolver problemas essenciais”. Num artigo de opinião publicado este ano pelo Diário de Notícias, a embaixadora da Sérvia em Portugal acusou Pristina de manter a minoria sérvia “sob pressão constante” e numa “atmosfera de medo e incerteza”.
Ao reconhecer a independência do Kosovo em 2008 e apoiar a aspiração da Sérvia em integrar a União Europeia, levanta-se a questão: estará Portugal sujeito a acusações de ambiguidade política em caso de um conflito regional? A TejoMag tentou obter uma posição oficial, contactando o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas não obteve qualquer resposta. A situação atual exige de Portugal, e por extensão da União Europeia, uma gestão diplomática cuidadosa, com o objetivo de manter a harmonia nas relações internacionais e evitar qualquer mal-estar entre as partes envolvidas.
Vizinho bom, vizinho mau
Há cerca de um ano, António Costa afirmou que o “reforço da relação entre a União Europeia (UE) e o conjunto dos países Balcãs Ocidentais é de extrema importância”. Embora Portugal já não atue militarmente, participa num programa de atribuição de fundos para enfrentar a crise energética, uma deficiência criada pela invasão russa da Ucrânia. Deste grupo de países, apenas a Sérvia e a Bósnia não aplicaram sanções à Federação Russa.
Frequentemente apontado como um barril de pólvora, o Kosovo é considerado por vários especialistas como o calcanhar de Aquiles da Europa. Segundo a revista National Interest, foi precisamente a presença da força conjunta KFOR (da qual Portugal fez parte), que salvaguardou a integridade da maioria albanesa e impediu a Sérvia de perseguir os seus interesses no território. “Como candidata à União Europeia desde 2012, e parte do programa Parceria para a Paz da OTAN desde 2006, a Sérvia sabe que iniciar uma luta com a KFOR seria extremamente imprudente”, afirma a publicação. A mesma fonte levanta a possibilidade de uma aproximação dos EUA à Sérvia para esvaziar a influência russa no território, o que poderia deixar o povo do Kosovo à deriva, sem apoio.
Embora esteja longe de ser consensual, uma parte significativa dos relatórios e análises internacionais aponta a Rússia como o principal instigador do conflito. De acordo com o Conselho Europeu de Relações Internacionais, a estratégia usada pela Sérvia assemelha-se muito à usada pela Federação Russa na Ucrânia, especialmente no que diz respeito à exaltação de um discurso revisionista. Este discurso é apoiado na ideia de um “mundo sérvio”, uma das principais correntes nacionalistas que pretende anexar os territórios da Croácia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Kosovo.
Após dois anos de guerra (1998-1999) e oito anos de negociações (2011-2018), não há qualquer resolução à vista. Segundo a revista Foreign Policy, o impasse entre Pristina e Belgrado expôs a fragilidade da UE. Ao longo deste ano, a Comissão Europeia tentou normalizar a relação entre os dois países, mas sem sucesso. A “intransigência” de ambos os lados, segundo a revista norte-americana, “deveria preocupar a UE por uma série de razões”, começando pela falta de autoridade, que certamente beneficiará a Rússia.
O Kosovo, uma região que a Sérvia reivindica como o berço da sua nacionalidade, proibiu a minoria sérvia que vive no norte do país de votar nas eleições sérvias que se realizarão no dia 17 de Dezembro. Esta posição mereceu a reprovação da Comissão Europeia para os Negócios Estrangeiros, que afirmou que a decisão “não está em conformidade com o espírito do diálogo” e com “o princípio de proteger os direitos das comunidades minoritárias”. Esta posição reflete a animosidade entre as partes e deixa em aberto uma ferida que a Europa parece não conseguir sanar.