O preço da Fé: os milhões gastos na Jornada Mundial da Juventude

 A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) teve início em 1984, durante o pontificado do Papa João Paulo II. A ideia surgiu como uma resposta ao desejo do Sumo Pontífice de estabelecer um encontro regular com os jovens, onde se pudessem reunir num ambiente de oração, reflexão e partilha da fé. Desde então, a JMJ tornou-se num dos maiores eventos religiosos do mundo, contando com a participação de milhões de jovens de vários países. Acontece a cada dois ou três anos e realiza-se num país à escolha do Papa, sendo que, este ano, terá lugar em Lisboa entre 1 e 6 de agosto. 

Com a expectativa de contar com mais de um milhão de pessoas, naquele que é descrito como um dos maiores eventos alguma vez realizados em Portugal, a organização de uma JMJ envolve despesas consideráveis.

Custos

Estão a ser feitos investimentos significativos na construção, reabilitação, adaptação ou melhoria de infraestruturas, nomeadamente de palcos, e áreas de culto. No que toca à logística, o investimento é feito no plano de mobilidade, na segurança, nos serviços de emergência, na comunicação, na acomodação e na alimentação. Já os recursos humanos pressupõem a contratação de uma grande equipa de profissionais necessários para garantir o bom funcionamento do evento, como polícias, meios de socorro, entre outros. Finalmente, somam-se os custos associados à promoção e divulgação de um evento desta magnitude. Destacam-se as despesas com marketing, publicidade e divulgação para atrair participantes quer a nível nacional, como internacional.

O custo total está previsto rondar os 160 milhões euros, metade dos quais dizem respeito a dinheiros públicos. Se este valor já era conhecido, a verdade é que com o aproximar do evento, começam a ser descortinados, com mais ou menos pormenor, a alocação destes milhões.

Lisboa

A Câmara Municipal de Lisboa orçamentou em 35 milhões o valor que tem previsto gastar no evento, tendo detalhado que 21,5 milhões foram destinados para a área do parque urbano do Tejo-Trancão e os restantes 13,5 milhões serão investidos noutros locais da cidade, como o Parque Eduardo VII e o Terreiro do Paço.

É precisamente a cargo da autarquia liderada por Carlos Moedas que está a obra mais cara: a reabilitação do antigo Aterro Sanitário de Beirolas que será o recinto principal da Jornada Mundial da Juventude. Custou 7 milhões e foi adjudicada à empresa Oliveiras, S.A – Engenharia e Construção em concurso público. 

Segue-se o polémico altar-palco, agora com um custo de 2,98 milhões. Porém, este valor foi significativamente revisto em baixa (4,2 milhões) após muitas críticas, inclusive de Marcelo Rebelo de Sousa. A obra foi adjudicada pela SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana à Mota-Engil, a empresa que o autarca de Lisboa garante que “fazia mais barato”.

Além disso, o município gastou 6,6 milhões para reforçar os recursos do Regimento de Sapadores Bombeiros, da Proteção Civil e da Polícia Municipal. Exemplo disso mesmo são os dois contratos de ajuste direto celebrados com a CERTOMA e que ascendem a 1,57 milhões. O primeiro, de 1,15 milhões, prende-se com a “aquisição de seis viaturas do tipo varredoura da marca RAVO Iseries”, qualquer coisa como 191 mil euros por viatura. O segundo, de 427 mil euros, diz respeito a uma “viatura de saneamento modelo TGS 18.4304X2 BL CH Euro 6”.

Soma-se, ainda, um contrato de 1,5 milhões com a MEO para a instalação de pontos multimédia e aluguer de equipamentos técnicos no Parque Eduardo VII. É ainda possível constatar um contrato de 39 mil euros com a Naipe D’Agosto para a “aquisição de serviços de soluções de comunicação e promoção – outdoors – para informação alusiva à Jornada Mundial da Juventude”.

Carlos Moedas reitera que “até 25 milhões de euros ficarão na nossa cidade”, explicando que muitas das infraestruturas terão uso para além deste evento. Feitas as contas, assinala um “investimento líquido no evento de 10 milhões de euros”.

 

O polémico altar-palco foi adjudicado por ajuste direto à Mota-Engil, no valor de 2,98 milhões de euros. / MARTA RAÑA

 

Chorudo contrato de assessoria com treinador de futebol

O antigo jornalista da TVI, João Maia Abreu, foi contratado em dezembro de 2022 para coordenar as atividades de comunicação e relação com a imprensa. O contrato, de nove meses, ascende aos 37,5 mil euros, o que se traduz num salário mensal superior a quatro mil euros. Também Tiago Abreu, ex-assessor do CDS-PP na Câmara Municipal de Lisboa, assinou um contratoio na mesma altura e com a mesma duração. Neste caso, assumiu funções como membro da Unidade de Missão do Município de Lisboa. O salário fixa-se nos 2,7 mil euros mensais, totalizando 24,7 mil euros. 

O maior contrato de assessoria foi celebrado com um treinador de futebol. Francisco Guimarães foi designado em agosto de 2021 como assessor da vereadora Laurinda Alves. Menos de um ano depois, em julho de 2022, renunciou ao cargo. Auferia 3,8 mil euros por mês. Se cumprisse os dois anos, teria amealhado mais de 91 mil euros.

Loures

A Câmara Municipal de Loures, sob a liderança de Ricardo Leão, prevê desembolsar dez milhões. O encargo mais significativo, no valor de 4,2 milhões de euros, destina-se aos trabalhos de preparação dos terrenos na zona ribeirinha da Bobadela e foi atribuído à empresa Alves Ribeiro

A autarquia celebrou também um contrato de quase 29 mil euros com a Vista Alegre para a aquisição de 94 peças de cerâmica da escultura “Visitação”, do autor José Pedro. Contas feitas, cada peça, que se crê ser para oferta, representa um custo superior a 308 euros.

Governo

Já o Executivo, após uma previsão que apontava para os 36,5 milhões de euros, decidiu rever em baixa e fixar o orçamento nos 30 milhões. 

Uma vez que a Equipa de Projeto para a JMJ não tem número de identificação fiscal próprio, as compras são feitas através da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros. Assim, no espaço de quatro meses, foram celebrados 15 contratos no total de 8,93 milhões de euros. 

O mais avultado diz respeito aos 5,9 milhões pagos à Pixel Light para “serviços de fornecimento, montagem e operacionalização de sistemas de áudio e vídeo, iluminação ambiente e respetivo abastecimento de energia” para o Parque Tejo-Trancão.

Em relação às instalações sanitárias, o custo final supera aquele que havia sido anunciado em março: 1,15 milhões. A verdade é que o governo adjudicou um contrato com a Avistacidade de 1,15 milhões de euros para a instalação de “141 blocos modulares” de casas de banho, para o Parque Tejo-Trancão, valor que tinha sido anunciado em concurso público um mês antes. 

Porém, dois dias antes, também em concurso público, foi assinado um contrato com a Vendap para a “aquisição de serviços de fornecimento de equipamentos sanitários autónomos e respetivas manutenções/limpezas” do Parque Tejo-Trancão no valor de 1,28 milhões. No total, são 2,43 milhões de euros investidos em instalações sanitárias.

Mais recentemente, em 29 de junho, foi adjudicado um contrato por ajuste direto para a “aquisição de serviços de gestão de plantas halófitas na margem do rio Trancão” no valor de 111,8 mil euros. Uma rápida pesquisa permite perceber que se trata de plantas cujas raízes estão em contacto com água salgada ou que vivem em solos com grandes quantidades de sal. 

Já nesta segunda-feira, 3 de julho, foi celebrado um contrato por ajuste direto de 22,4 mil euros com a empresa FCiências.ID  para “serviços de monitorização da ação de restauro da vegetação de sapal na frente ribeirinha”. 

 

No parque Edurado VII encontra-se em construção um outro altar-palco, orçamentado em 450 mil euros, que irá ser suportado pela Diocese de Lisboa. /  MARTA RAÑA

 

Plano de Mobilidade 

A menos de um mês do arranque, ainda não é conhecido o plano de mobilidade e transportes, o que tem originado preocupação e críticas de várias fações políticas. A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, assegurou que será conhecido nos próximos dias e anunciou um reforço de 11%. O que já é certo é que a elaboração deste plano custou 89 mil euros. O contrato, celebrado no final de 2022 e por ajuste direto com a VTM, prevê várias soluções consoante o número de peregrinos que, por agora, é ainda incerto. 

Diocese de Lisboa

Finalmente, a Igreja estima desembolsar um valor em torno dos 80 milhões, conforme avançou o bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar. Desses, 30 milhões estão destinados para os milhões de refeições que serão servidas aos peregrinos. Além disso, também o altar-palco – da autoria do arquiteto João Matos, que terá 40 metros de largura e 24 metros de altura, que já começou a ser instalado no Parque Eduardo VII – que tem um custo de 450 mil euros, ficou a cargo desta entidade. 

 

Qual é o retorno? 

No entanto, apesar dos custos envolvidos, a JMJ também traz um alargado leque de benefícios. Desde logo, promove o turismo religioso e cultural, gerando receitas para o setor de hotelaria, restauração e comércio local. Para além dos impactos financeiros, nomeadamente com o milhão de peregrinos que são esperados, um evento desta magnitude tem tudo para catapultar ainda mais a visibilidade do país, estimulando o turismo a longo prazo e promovendo a imagem de Portugal como um destino acolhedor.

Em Novembro, o coordenador nomeado pelo Governo para a JMJ, José Sá Fernandes, assumiu que o retorno deveria rondar os 350 milhões de euros, tendo como exemplo o caso de Madrid.

Um estudo da PwC, com o apoio técnico do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) estima que cada peregrino vai gastar, em média, por dia, entre 30 a 36 euros. Já no caso dos peregrinos não inscritos, o valor deverá ficar entre 67 a 81 euros. No final, são apontados ganhos entre 411 a 564 milhões, com um impacto na economia que poderá superar os mil milhões.

Para Carlos Moedas, prognósticos só no fim do jogo. No entanto, o autarca sublinha que se cada um destes peregrinos gastar 40 euros por dia em Portugal, ao longo de sete dias, “estamos a falar de 300 milhões de euros. Estamos a falar não de dezenas, mas sim de centenas de milhões”.     

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