Os efeitos associados ao ‘burnout’ já dizem respeito a mais de metade dos trabalhadores portugueses e revelam que o ambiente em contexto de trabalho mostra sinais de profundo desgaste. Um estudo divulgado pelo Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis conclui que 80% dos trabalhadores manifesta, pelo menos, um sintoma ligado ao desgaste físico e emocional e mais de 60% admite ter já três sintomas associados ao ‘burnout’.
Os profissionais ligados à psicologia estão preocupados com os números, resultantes de vários inquéritos e entrevistas realizados pelo Laboratório com uma amostra de 1829 trabalhadores com idades entre os 18 e os 72 anos. Dizem que é necessário implementar medidas para melhorar o desempenho no trabalho, mas também no contexto da vida pessoal fora dele.
A TejoMag falou com o psicólogo Luís Carlos Batista, que traça alguns dos sinais de ‘burnout’, possíveis causas e, também, pequenas formas de lidar com o problema, de forma a resolvê-lo.
Causas e efeitos
“O ‘burnout’ é caracterizado por um cansaço excessivo. Ou seja, a pessoa sente-se grande parte do tempo exausta e com dificuldade em envolver-se em tarefas que lhe possam dar alguma satisfação. Uma pessoa em ‘burnout’ tem, geralmente, tendência a pensar muito no trabalho ou a sonhar com ele. Pode chegar ao ponto de ir para o trabalho e já sentir uma repulsa ao ponto de não querer ou conseguir ir”, explica Luís Carlos Batista.
É importante estar atento aos sinais. As manifestações de ‘burnout’ podem surgir das mais variadas formas. Avaliar a linguagem verbal e não-verbal pode ser determinante para descodificar o problema. Geralmente, além do cansaço, o isolamento, a agressividade, a dificuldade de concentração, a irritabilidade e a tristeza são indicadores de que algo pode não estar bem.
Luís Carlos Batista destaca ainda o impacto do ‘burnout’ na qualidade do sono e na forma como dormir bem afeta, mais do que se imagina, as relações emocionais com os outros, até mesmo em contexto de trabalho.
Uma liderança positiva nas empresas
“Cada vez mais, os casos que recebo em consultório com situações de ‘burnout’ surgem muito com a sensação de não-reconhecimento no local de trabalho. As pessoas não são percepcionadas no sentido das suas necessidades. Sentem que não há empatia e que apenas lhes é exigido, exigido, exigido”.
É preciso uma liderança mais positiva nas empresas, explica o psicólogo. “É importante que tenhamos chefes ou líderes capazes de estabelecer uma comunicação que consiga motivar e reconhecer o valor dos profissionais com quem trabalham”.
Torna-se importante observar que, em tempos de crise ou de maiores dificuldades financeiras, tendem a crescer os casos de pessoas que exercem funções de que não gostam ou com as quais não têm qualquer empatia. O trabalho por necessidade urgente em contexto de crise pode também representar um perigo de entrada em situação de ‘burnout’. No limite está uma situação que requer sempre acompanhamento profissional.
“A pessoa até pode não gostar muito do que faz, mas se houver um bom ambiente, uma boa equipa, uma boa liderança dentro da empresa, o trabalho desenvolvido é facilitado. Alguém que valorize vai promover de alguma forma a saúde mental e o bem-estar no local de trabalho”, acrescenta.
Viver para trabalhar ou trabalhar para viver?
Tudo na vida requer equilíbrio. Luís Carlos Batista concorda com a afirmação. “Para estarmos bem precisamos de sentir e retirar prazer das coisas mínimas, seja apanhar ar quando acordamos, seja ver o dia nascer, seja ouvir uma música. É, por isso, necessário encontrar estratégias e formas para que estas pessoas possam voltar a sentir algum prazer pela vida.”
Profissões desgastantes sempre existiram, bem como aquelas que ocupam mais tempo aos trabalhadores. No entanto, cada vez mais portugueses experienciam o modelo de dois empregos, seja por necessidade ou para atingir objetivos pessoais.
“O trabalho tem um papel cada vez mais relevante. Ocupa muito mais tempo de vida do que a própria vida. Mas devia ser ao contrário. O trabalho deve ser o meio, através do qual nós tiramos prazer, mas onde vamos buscar os recursos financeiros para podermos viver a nossa vida. A partir do momento em que o trabalho ocupa a maior parte do nosso tempo de vida, estamos a viver para trabalhar. Isso é já é um fator que nos pode predispor a situações de burnout”, reforça Luís Carlos Batista.
Teletrabalho, semana de quatro dia e apoio nas empresas
O estudo do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis aponta ainda uma série de recomendações que vão ao encontro das necessidades dos trabalhadores no sentido de lhes ser proporcionada mais qualidade de vida no trabalho e fora dele.
O regime híbrido (teletrabalho), a redução do tempo de serviço para quatro dias semanais (com vencimento inalterado) e a criação de mecanismos de apoio psicológico nas empresas podem ser algumas soluções que, a curto e longo prazo, podem fazer a diferença.
“O apoio psicológico nas empresas tem sido cada vez mais uma aposta. É algo que já acontece muito lá fora. Quase todas têm um psicólogo ou serviços de psicologia em parceria a quem os profissionais podem recorrer quando precisam de ajuda. Os psicólogos, em conjunto com as direções das empresas, podem ajudar a mitigar os efeitos negativos que conduzem ao burnout”, conclui Luís Carlos Batista.
Quanto ao regime de quatro dias de trabalho semanais, há cada vez mais empresas em Portugal a querer experimentá-lo. Nos últimos meses foram implementados uma série de projetos-piloto de teste e alguns trabalhadores dizem preferir trabalhar quatro dias por semana, tendo a oportunidade de folgar outros três.