O tema dos migrantes climáticos gera um enorme debate que tem origem logo no próprio termo a adotar. “A polémica surge também numa tentativa de compreender quem é que são estas pessoas”, começa por explicar Maria Fernandes-Jesus, investigadora no ISCTE e professora auxiliar na York St. John University. Dúvidas à parte, o consenso é geral quando se fala em movimentos migratórios provocados pelas alterações climáticas, e este prende-se com o número cada vez maior de pessoas que são, e continuarão a ser, obrigadas a abandonar os seus lares.
Segundo o Banco Mundial, se não forem tomadas medidas, até 2050 existirão mais de 143 milhões de pessoas a migrar. A esta projeção junta-se a da Organização Internacional para as Migrações, cuja estimativa ascende a 200 milhões. “Talvez se esteja a ser otimista”, acrescenta. As principais causas prendem-se com a constante subida da temperatura média global, a subida do nível das águas, as tempestades tropicais, a desertificação, as secas e as temperaturas extremas.
O relatório do Internal Displacement Monitoring Center (IDMC) dá conta de que em 2022 mais de 22 milhões de pessoas tiveram de se deslocar por culpa de desastres climáticos. Este valor está em média com aquilo que tem sido registado nos últimos 15 anos, assinala o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). No entanto, Fernandes-Jesus alerta para o facto de estes dados não incluírem “pessoas que, por exemplo, vivem em contextos rurais e que deixaram de conseguir produzir alimentos devido a secas extremas”. Destaca que “o migrante climático não inclui só aquele que teve de sair de sua casa porque houve uma cheia ou um furacão. É também aquele que deixou de poder sobreviver devido aos impactos das alterações climáticas ao longo de vários anos. Por vezes várias décadas”.
Refugiado ou migrante?
É na década de 1970 que o termo refugiado climático/ambiental surge pela mão de Lester Brown, do World Watch Institute. Posteriormente, em 1985, é recuperado por Essam El-Hinnawi, especialista da agência da ONU para o Ambiente, que o descreve num relatório da organização como aquele que é “forçado a deixar o seu local de residência, temporária ou permanentemente, por culpa de uma crise ambiental (natural e/ou desencadeada por pessoas) que pôs em causa a sua existência e/ou afetou consideravelmente a sua qualidade de vida”.
Ana Rita Gil, professora auxiliar na Faculdade de Direito de Lisboa, começa por explicar que “não há uma noção de refugiado climático porque não é reconhecido pelo direito Internacional”. Porém, destaca que quando este termo é utilizado, é com uma finalidade política que tem o intuito de mostrar que estas pessoas deveriam beneficiar da categoria de refugiado. “Sendo refugiado significa que estas pessoas vão ter um direito humano de não poderem ser devolvidas aos seus países de origem. Já se forem simples migrantes, caem naquilo que é a categoria geral dos migrantes voluntários, relativamente aos quais os Estados são totalmente livres de decidir se aceitam, se protegem ou se devolvem”, alerta. Também Maria Fernandes-Jesus é da opinião de que se deveria “falar de migrantes climáticos e não de refugiados climáticos, exatamente para evitar excluir muita gente que é afetada pelas alterações climáticas e obrigada a migrar por esses motivos”, salienta. “É mais inclusivo”.
O conceito de refugiado, que ainda se mantém e foi adotado pela larga maioria dos países, deriva da Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951. É considerado refugiado quem é “perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha a sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele”, pode ler-se. Assim, “os migrantes climáticos não cumprem este pressuposto porque ser perseguido significa uma ação voluntária que tem determinado grupo como alvo e os migrantes climáticos saem dos seus países por questões objetivas e não porque há alguém que está a persegui-los”, salienta a autora de várias publicações sobre esta temática.
Há solução para esta crise?
As projeções do Banco Mundial apontam para que, em poucos anos, as migrações climáticas se tornem na principal causa de migrações massivas. De acordo com o mais recente Relatório Mundial sobre Deslocamento Interno, este fenómeno já é responsável pela migração de três vezes mais pessoas por comparação com situações de conflitos políticos. Nesse sentido, Ana Rita Gil aponta para a urgência de encontrar mecanismos legais. Um deles passaria pela criação de “um instrumento – idealmente no âmbito das Nações Unidas – destinado a proteger especificamente os migrantes climáticos”, que considera ser o desejável. Um outro seria a possibilidade de as pessoas que fogem por motivos climáticos poderem invocar um direito humano, que já é reconhecido, “e que é a proibição de devolver quando as pessoas no país de origem vão ser sujeitas a uma situação de tratamentos desumanos e degradantes”. Até já há uma decisão do Tribunal Europeu nesse sentido, tal como do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Perante “um sítio de origem que fique completamente imprestável – tudo destruído, alagado, etc – para uma pessoa viver, devolver essas pessoas pode ser sujeitá-las a condições humanas degradantes”.
Maria Fernandes-Jesus lamenta a exclusão dos migrantes “de todos os processos de participação em relação às alterações climáticas em países europeus. Não há uma tentativa eficaz de os envolver num desenho de políticas públicas ligadas ao clima”. Uma das soluções passa por “aumentar o financiamento para os países do Sul global para políticas de adaptação às alterações climáticas”, sugere. Noutro âmbito, sublinha a necessidade de continuar a reduzir as emissões e investir em energia limpa, que “não é o gás”.
O que esperar para Portugal?
Embora África, Ásia e América do Sul sejam as regiões mais afetadas pelas alterações climáticas e, naturalmente, com mais migrantes deste tipo, desengane-se quem pensar que este é um fenómeno alheio ao continente europeu. “A Europa não é imune e isso é bem visível, sobretudo nos países da Europa do Sul que vão ser mais afetados do que os da Europa do Norte”. As investigadoras concordam que os efeitos das alterações climáticas já são visíveis na Europa e também em Portugal. “As projeções do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) são para que Portugal, Espanha e Grécia – países da Europa do Sul – sejam dos mais afetados. Secas, temperaturas extremas, mas também cheias sazonais, como até já vimos em Lisboa”, alerta Maria Fernandes-Jesus. Não obstante, o cenário tende a agravar-se se nada for feito. “Baseado em projeções do IPCC, Portugal, de facto, vai sofrer muito com secas. Podemos esperar verões muito mais longos e muito mais quentes. Já se vê muita desertificação; basta ir ao Alentejo”, sublinha. Ana Rita Gil também não tem dúvidas sobre a possibilidade de nos tornarmos migrantes. “A subida do nível das águas do mar está a afetar a costa portuguesa”.