O Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) convocou uma greve que se estende por todo o mês de abril por culpa da “atitude autista e de desconsideração” da empresa. Além disso, até 30 de abril os sindicatos cumprem greve na IP e na CP a partir da oitava hora de serviço.
Por norma, as greves não são totais. No entanto, no passado 6 de abril, foi esse o caso. Quando tal acontece, o Tribunal Arbitral decreta serviços mínimos. Significa isto que, normalmente, apenas circulam cerca de 30% dos comboios previstos.
À TejoMag, a responsável de comunicação da CP, Sónia Rodrigues, garante que a empresa sofre bastante com as greves. “Quando ocorre uma greve total em dia útil, a CP enfrenta perdas significativas. O impacto direto em termos de rendimentos do transporte de passageiros é estimado em cerca de 500 mil euros. Além disso, há perdas adicionais nos dias adjacentes à greve, devido a constrangimentos operacionais que podem afetar o funcionamento normal do serviço”, assume.
Além disso, ressalva ser importante “considerar o impacto na notoriedade do serviço público e, em particular, na reputação da empresa, que pode estender-se por um período alargado após a greve.” Como tal, não tem dúvidas de que a imagem da CP é afetada pelas greves. “Greves frequentes e prolongadas resultam em interrupções no serviço de transporte, causando transtornos e insatisfação entre os passageiros. Isso leva a uma perceção negativa do serviço público (…) causando um impacto negativo na reputação da CP”.
As reivindicações dos trabalhadores
As principais reivindicações dos trabalhadores da CP e IP prendem-se com aumentos salariais. À TejoMag, o presidente do Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), Luís Bravo, explica que “a situação ocorre de um acumular de vários anos em que os trabalhadores têm vindo a perder muito poder de compra”. Acrescenta que “o maior golpe foi em 2022, ano em que a inflação média andou nos 7,8%, mas no que respeita aos produtos essenciais anda nos 20%”. Destaca que, no ano passado, os aumentos não chegaram a 1%. Para este ano era “expectável que os aumentos salariais fossem na ordem dos 7,8%.” Esta percentagem choca com a proposta apresentada pela administração da CP, que aponta para um aumento de 5,1%. Mas o problema é mais complexo. Isto porque necessita de vários pareceres positivos: do Ministério das Infraestruturas, que tutela as duas empresas, e do Ministério das Finanças, responsável pela parte financeira. No entanto, na CP surge outro problema: é que o aumento proposto já engloba aumentos devidos pela progressão de carreira.
“O que o governo nos aplicou unilateralmente foi um aumento que não chega a 4%. Mais uma vez abaixo da inflação, que se situa acima dos 8%. A juntar à perda salarial dos tempos da Troika, temos ordenados congelados entre 2010 e 2018″. Com tudo a aumentar, Luís Bravo sublinha que estão “numa situação em que os trabalhadores andam a contar o dinheiro até ao final do mês”. Ainda assim, destaca que o SFRCI “tem pautado a sua ação sindical em situações de luta que não têm passado pela greve, tem participado em manifestações e concentrações em movimentos que procuram reabrir as negociações”. Como tal, lembra que o Sindicato só fez uma greve: em 10 de fevereiro. Lamenta a ausência de interesse do Governo nesta pasta. “Não temos ainda nada agendado, quer do sr. primeiro-ministro, quer das tutelas. Continuamos a aguardar uma reunião”. Ainda assim, mostra-se otimista num acordo. “Acredito que sempre que haja negociação é possível um entendimento. Esta é a nossa forma de estar”.
António Salvado, do Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviários (SINFA), lamenta que na greve de março, a tutela não tenha feito qualquer tentativa de desconvocar a paralisação e de negociar com os trabalhadores. “Nós fizemos uma greve de quatro dias no sentido de que alguém nos oiça”, começa por explicar. Considera ser “inacreditável” não haver qualquer” reação por parte dos ministros das Infraestruturas e das Finanças. Não se percebe como é que não há um pequeno esforço das tutelas para chegar a um acordo”, disse em declarações à agência Lusa. “Não estamos a anos-luz de um acordo. Queremos negociar. Pedimos audiências antes da greve e nada.”
“A principal reivindicação dos sindicatos, um aumento salarial, não depende diretamente da CP, o que pode complicar o processo de negociação”, alerta Sónia Rodrigues. Para o ministro das Infraestruturas, João Galamba, “a questão salarial é um desafio”, mas assegurou que o Governo, em particular as Finanças, está empenhado “em dar maior autonomia às empresas”.
“A polícia não está a fazer o seu papel”
Mas não são apenas questões monetárias. Também a crescente insegurança é um motivo de grande preocupação. “O ambiente social nas grandes metrópoles, Lisboa e Porto, está a agravar-se”, começa por apontar. Recorda o episódio recente de extrema violência que teve lugar na praia de Carcavelos. “Todos aqueles grupos fazem-se deslocar para aquelas praias de comboio. Nós gostamos de dizer: ‘vem o verão, vem as férias escolares e vêm os problemas’. Aumenta a pequena criminalidade, o revisor vai ajudar e acaba agredido”, lamenta. “O número de trabalhadores agredidos tem aumentado de ano para ano sem que sejam tomadas medidas para minimizar estas situações.”, alerta.
Luís Bravo deixa ainda críticas à (não) atuação das autoridades. “A polícia não está a fazer o seu papel. Lamentamos que se gastem polícias a vigiar obras. Às vezes vemos dois e três. Aquilo que é a sua função nuclear que é a proteção pública não há. Dizem que não têm efetivos.” Uma das reivindicações passa exatamente pelo reforço de policiamento. “A CP, inclusive, paga gratificados em Lisboa, mas não deveria ser necessário porque são espaços onde se movimentam milhões de passageiros, milhões de cidadãos nacionais”.
Também a organização das escalas de serviço é um dos pontos em discussão. “Os operacionais podem trabalhar entre 6 e 9 horas. Dentro dessas horas, por vezes têm repouso fora da sede, em que ficam a dormir fora de casa e têm despesas suplementares com a alimentação. Temos um subsídio de alimentação de 8.32 euros. Não se come em lado nenhum com menos de 10 euros. De facto, é sempre a perder. Tudo isto acumulado, tem-nos levado a uma situação de maior conflitualidade na CP”, explica. Mas o dever com o cliente não é esquecido. “No dia a seguir a uma greve estamos ao lado dos clientes”, sublinha.
Para onde vai o dinheiro?
As injeções de capital na CP superam já os 3,8 mil milhões de euros desde 2016, incluindo os 1.815 milhões de euros previstos no Orçamento de Estado (OE) para 2023 e que aguardam luz verde de Bruxelas. No período entre 2016 e 2019, os reforços de capital ascenderam aos 1.800 milhões de euros. Ainda assim, sublinha o Observador, só metade resultou em entradas de dinheiro. Grande parte deste bolo serviu, essencialmente, para o pagamento de juros, amortizações e “outros custos”, acrescenta o mesmo órgão. Os restantes 900 milhões foram introduzidos através da conversão de créditos em capital social.
“Este valor foi aplicado principalmente em duas áreas. Primeiro, após a integração da CP no perímetro de consolidação do Orçamento de Estado em 2015, a empresa deixou de recorrer ao financiamento junto das instituições de crédito. As suas necessidades de financiamento passaram a ser colmatadas por empréstimos do Estado português, conforme estipulado na legislação em vigor para as Entidades Públicas Reclassificadas (EPR). Em segundo lugar, no período de 2015 a 2019, foram realizados diversos reforços do capital estatutário e atribuídas dotações para cobertura de prejuízos. Estes recursos foram destinados a suprir as necessidades decorrentes do serviço da dívida histórica (amortizações, juros e outros encargos) e dos investimentos necessários para a continuidade e melhoria das operações da empresa”, explica-nos Sónia Rodrigues.
Dívida histórica da CP
Os dados mais recentes do Conselho das Finanças Públicas (CFP) dão conta de que a CP fechou o ano de 2021 com capitais próprios negativos de perto de dois mil milhões de euros, mais concretamente 1.937 milhões. “Está relacionada com a subcompensação pelo Estado do serviço público prestado pela CP. Isso significa que o valor recebido pela CP em forma de indemnizações compensatórias ou reforços de capital não foi suficiente para cobrir os défices de exploração e investimento, assim como os encargos financeiros relacionados à dívida. Esta situação resultou no acumular de uma dívida ao longo do tempo. Importa recordar que, em 2014, este valor era de 4,1 mil milhões de euros, o que demonstra uma redução significativa da dívida ao longo dos anos”, sublinha.