No Centro Cultural de Belém, o ano começou com o fim de um museu e o surgimento de um novo no seu lugar.
Na verdade, o que mudou em termos práticos foi apenas o nome mas, o que está planeado é muito mais do que a substituição de um museu por outro.
Com a extinção da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, o Ministério da Cultura aproveitou o momento para criar no Centro Cultural de Belém um novo museu, o Museu de Arte Contemporânea – Centro Cultural de Belém utilizando como base a Coleção Berardo, arrestada pelo Estado na sequência do processo judicial instaurado a Joe Berardo, mas também a Coleção da Fundação Elipse, já propriedade do Estado na sequência do processo judicial encetado a João Rendeiro.
Desta forma, o ministério tutelado por Pedro Adão e Silva, pretende criar um museu de arte moderna contemporânea de renome mundial no território português.
Segundo o ministro da cultura por enquanto, apenas se altera o nome, visto que o espaço expositivo vai manter-se igual, prevendo-se que as adaptações e reformulações programáticas e expositivas ocorram durante o presente ano.
Deste modo, o governo português esboça uma política museológica coerente e racional.
Não é que o Museu Coleção Berardo, não fosse já um museu de renome internacional devido à qualidade e importância da sua coleção, sendo já um dos museus mais visitados em Portugal atingindo mais de 1 milhão de visitantes nos anos pré-pandemia.
No entanto ao juntar à Coleção Berardo, centrada no século XX (e que aumentou gradualmente no número de obras ascendendo já a mais de mil), a coleção elipse com um acervo de 860 obras, que não se sobrepõe antes complementa, ao reunir trabalhos dos últimos quarenta anos mostrando a realidade artística nas transição do século XX para o XXI, criam-se condições para o surgimento do mais importante museu de arte contemporânea da Península Ibérica como afirma o historiador de arte Pedro Lapa.
É verdade que este processo está longe de ser pacífico e ficar concluído, já que a Coleção Berardo está ainda envolta num processo judicial complexo até que se saiba quem será o proprietário final da mesma.
Também a planificação da nova instituição museal é completamente diferente dos cânones da museologia. O novo Museu existe já desde o passado dia 3 sem que nada para além do nome tenha mudado. De resto, o próprio Centro Cultural de Belém é dúbio na informação que fornece no seu website, ao escrever que o museu continua em funcionamento, já não é Museu Coleção Berardo, mas também ainda não é o Museu de Arte Contemporânea, prevendo até uma inauguração futura para este novo museu.
Estamos, portanto, na presença de um museu que surge herdando a política expositiva e a programação museológica de uma instituição já extinta e que terá de adaptar a sua identidade museal sem deixar de estar visitável ao público.
Em todo o caso, o Ministério da Cultura, que tanto tem sido acusado de inércia, tendo estado na anterior legislatura, envolvido em polémicas como a que abordava o desconhecimento do paradeiro de algumas obras da coleção de arte contemporânea, a CACE, parece usar este momento para empreender uma política museológica correcta.
Como se sabe os museus são hoje uma referência no panorama cultural, e os museus de arte sobretudo os de arte contemporânea são um grande atrativo cultural, mas também turístico.
Criar um novo museu com um acervo que apresenta uma qualidade superior ao do Museu Coleção Berardo é exponenciar esse atrativo cultural e turístico
É evidente que nos tempos que correm falar em atrativo turístico é algo que acarreta, muitas vezes, uma conotação negativa. Em todo o caso, os museus sendo instituições culturais com fins pedagógicos pautando o seu trabalho pela investigação, educação e cultura, são ótimos espaços para fomentar um turismo de qualidade, atraindo o visitante local e o turista para um espaço com coleções que devem ser estudadas, expostas e interpretadas. Um espaço, que auxilia uma política de desenvolvimento sustentável, onde a economia não estrangula a qualidade de vida e contribui para a criação de uma sociedade mais culta, conhecedora e esclarecida. Desta forma contraria-se o crescente e preocupante crescimento de locais interativos, cheios de tecnologia que apenas procuram entreter e pouco ensinar ou educar e que ajudam cidades como Lisboa a transformarem-se paulatinamente em grandes parques de diversão. Não é que não existam centros interpretativos com qualidade, onde a investigação e a educação sejam pilares fortalecedores. No entanto, sabemos como é voraz a tentação para criar espaços de puro entretenimento, rápido e escasso em informação relevante, utilizando o fantástico mundo tecnológico para atrair visitantes.
Ao mesmo tempo que todo este processo se desenvolve, o ministro da cultura anuncia as obras de ampliação do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado. Desta forma, surge uma dicotomia entre duas instituições museológicas públicas que embora não se distingam pelo tema, distinguem-se pela geografia dos autores das obras.
O Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, mais dedicado à arte contemporânea nacional e o Museu de Arte Contemporânea – CCB para a arte contemporânea internacional. Deve aqui fazer-se referência ao facto do MAC – CCB incluir também as obras de artistas nacionais presentes tanto na coleção Berardo, como na Coleção Ellipse. Além do mais o MAC – CCB deverá receber todas as obras de artistas portugueses de renome internacional como é o caso da mais recente obra adquirida pelo Estado da autoria de Paula Rego.
Esta opção política pode ser criticável, no sentido de remeter o MNAC – Museu do Chiado para um plano secundário, apenas caseiro, mas tendo em conta as circunstâncias torna-se uma opção bastante atendível e acertada.
Também acertada é a opção de transitar a equipa do antigo Museu da Coleção Berardo, até agora, funcionários da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo para o corpo de funcionários da Fundação Centro Cultural de Belém.
É uma forma de manter os postos de trabalho de quem há muito tempo trabalha com a coleção Berardo, evitando sobressaltos laborais que inclusivamente afetariam a estabilidade programática do novo museu.