Estado da Nação: António Costa acusa oposição de não fazer propostas

O debate arrancou com o Primeiro-Ministro a contextualizar o parlamento acerca das adversidades que esta legislatura enfrenta, como “o contexto de pós-pandemia”, o “impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia”, a “crise energética”, a “rutura das cadeias de abastecimento”, as “subidas inopinadas das taxas de juro” e a “maior inflação dos últimos trinta anos”. “Perante esta realidade, com humildade, o governo optou pela responsabilidade face ao alarmismo e pela acção contra o fatalismo”, avançou António Costa, que acusou a oposição de fazer “discursos catastrofistas”. Quase um ano após ter ido a votos, diz que o país não “estagnou, não entrou em recessão” e nem “regressou à estagflação”. Antecipando os golpes da oposição, explicou que no primeiro trimestre, Portugal teve “o 3 maior crescimento da União Europeia” e que o “emprego está em máximos históricos”. E enfatizou: “a inflação tem vindo a descer”. “Portugal não foi o país que as oposições previam, que empenhadamente anunciavam que ia ser e que, sejamos claros, alguns anseiam desde 2015 que, finalmente, seja mesmo”, rematou. Estes resultados, explicou, “não são um acaso ou obra de uma mão invisível”, mas “fruto do trabalho dos portugueses, da iniciativa das empresas e das medidas de política do governo”. Ao contrário do que disse na semana passada, quando desvalorizou o tema da corrupção, Costa admite que “os problemas do país são reais e não meras figuras de retórica”.

Num tom apaziguador, o primeiro-ministro tentou agradar a gregos e a troianos, fazendo referência à “valorização da escola pública”, uma bandeira da esquerda, e às “condições de trabalho das forças de segurança”, um ponto sensível para a direita. Durante a sua primeira intervenção, bombardeou a oposição, acusando-a de inércia. “As oposições só têm uma prioridade: o combate ao governo e às soluções que apresenta. E por isso nada propõem e tudo criticam”, apontou. Por essas razões, concluiu que “os portugueses estão melhor” e o “país está a melhorar”. Nomeadamente na economia, que afirmou ser mais “qualificada”, “produtiva”, “competitiva”, “diversificada” e “aberta” que em 2015. Nesse ano, a economia portuguesa cresceu 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB), menos seis pontos percentuais do que os previstos para este ano (1,8%). Numa altura em que as sondagens dão vantagem ao PSD, Costa falou para os eleitores e carregou em cima da bancada laranja. No seu discurso, reiterou que a maioria absoluta é essencial para a “estabilidade”, uma palavra valorizada tanto pelo primeiro-ministro como pelo próprio presidente da República. Esta maioria, estilhaçada pelo acumular de casos em forma de demissões, assemelha-se a um leão solitário, rodeado por hienas ou “abutres”, como lhes chamou Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda [ver abaixo].

PSD diz que governo “têm a marca do empobrecimento”

Foi precisamente a sondagem feita pela Universidade Católica para a RTP, Antena 1 e PÚBLICO, que permitiu ao PSD ir para o debate com a confiança reforçada. De acordo com Joaquim Sarmento Matos – contestado pelo grupo parlamentar que preside – António Costa está em “negação”. Segundo o líder parlamentar, este governo “têm a marca do empobrecimento”. Na sua primeira intervenção, lembrou que o seu partido redigiu uma série de propostas relacionadas com a perda de compra dos pensionistas, com o crédito à habitação, com a actualização dos salários e com a redução dos impostos, mas que foram todas chumbadas pelo PS. Criticado na CNN por não se saber expressar de forma carismática, Sarmento Matos focou-se nos impostos, acusando os governos liderados por António Costa de subir a carga fiscal. “Em 2022, o seu governo cobrou mais 11 mil milhões de euros de impostos. A carga fiscal atingiu o recorde máximo de 36,4% do PIB. E este ano, até Maio, em apenas cinco meses, o aumento da cobrança de impostos já ultrapassou as previsões para o ano inteiro”, constatou. De acordo com Sarmento Matos, em oito anos de governação socialista, os serviços públicos como a “saúde, a habitação, a educação, os transportes, a segurança, a justiça e até a defesa” estão hoje em pior estado do que há quase uma década. O PSD, também a braços com a justiça por suspeitas de corrupção, lamentou a sucessão de “casos e casinhos” e disse que o que se passou na semana passada foi “uma inversão daquilo que devem ser os papéis entre a justiça e a política”. “Várias pessoas de vários quadrantes políticos já se colocaram na primeira linha desse combate. Falta uma pessoa, que é vossa excelência Sr. primeiro-ministro”, rematou.

A “maior casa de alterne da Europa”?

Num artigo assinado por Pedro Pinto no Diário de Notícias, o presidente da bancada parlamentar do Chega comentou as polémicas que Costa teima em chutar para canto. Durante a tarde de quinta-feira, o Chega aproveitou a ocasião para descredibilizar o executivo socialista. E foi num tom sarcástico e provocatório, que usou da palavra para “felicitar” António Costa quanto à redacção do relatório preliminar da comissão de inquérito à TAP. Segundo um comunicado publicado no dia 5 deste mês, “o Chega vai propor uma alteração profunda” ao documento, para repor o que foi dito e “identificar responsáveis”. Naquela que foi a intervenção mais explosiva da tarde, André Ventura responsabilizou António Costa de querer desviar as atenções para assuntos mais periféricos, como a “transformação energética” e a “luta contra as alterações climáticas”. “A luta que nós temos de travar é contra este governo e contra a enorme degradação do espaço público nos últimos meses”, constatou. Ainda que munido de papéis, incluindo um gráfico com os salários dos trabalhadores na Europa, estudou mal a lição e incluiu Malta e Chipre na lista de países da ex-União Soviética que oferecem salários mais altos que Portugal. Ventura levou também a questão da imigração ilegal e afirmou que António Costa “quer fazer deste país a maior casa de alterne da Europa”. A sala ficou em choque e o deputado foi vaiado pelas restantes bancadas parlamentares, incrédulas com o uso dessa expressão.

“Degradação” dos serviços públicos

Depois da intervenção de AV, foi a vez de Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal. Já passaram sete meses desde que António Costa chamou aos deputados liberais “queques que guincham”. Desde então, a relação da IL com o governo deteriorou-se. E isso sente-se. Na altura, Carla Castro condenou aquilo que considera terem sido “declarações infelizes” e aconselhou-o a preocupar-se com o “estado do país”. No debate da passada quinta-feira, o presidente do partido acusou o PM de falhar enquanto “presidente do sindicato dos portugueses” e “garante de estabilidade”. Bem como no “combate à corrupção”. E pediu uma menor carga fiscal: “aquilo que eu lhe peço é que deixe os portugueses trabalhar Sr. ministro. Deixe que os portugueses levem para casa a justa compensação pelo seu esforço e pelo seu trabalho!”. Costa respondeu a números com números, explicando que a taxa de desemprego desceu 6% desde 2015 e que, com a nova tabela de retenção, o impacto nos bolsos dos portugueses será menor. Em vez dos 63 euros referidos pela IL, o Estado passará a reter 11 euros em sede de IRS e outros 11 para a Segurança Social.

Comunistas e bloquistas criticam falta de condições laborais

Mais à esquerda, os comunistas apontaram o contraste “entre as estatísticas risonhas e as dificuldades da vida de todos os dias”. Para Paula Santos, líder da bancada parlamentar, a verdade é “intolerável”: “mais desigualdades, injustiças e exploração, ataque aos direitos laborais e sindicais, degradação dos serviços públicos, baixo nível de investimento público, fragilização do aparelho produtivo, novas privatizações”. “Esta é a realidade que o governo, por mais que tente, não consegue esconder”, assinalou. Vão longe os tempos da geringonça em que as conquistas do governo também eram as conquistas do PCP. Hoje, os comunistas condenam o executivo por “falta de vontade política” para “elevar as condições de vida e garantir os direitos”. Costa virou o feitiço contra o feiticeiro e usou uma obra de Lenine para refutar as acusações. Para garantir o “interesse geral do país”, o governo não pode dar um “passo maior do que a perna”, arriscando andar “dois passos atrás”, sublinhou. Quando chegou a vez de ouvir o Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua chamou “coro” ao PS e “abutres” à direita, que espera, pacientemente, pelo último sopro do moribundo. Os bloquistas focaram-se na luta contra a “concentração da riqueza”, na “corrupção”, na precariedade e no fracasso do programa Mais Habitação, temas caros ao partido.

O “mundo cor-de-rosa do PS” e a oposição controlada

“Ao contrário daquilo que já foi dito aqui hoje, os portugueses não vivem no mundo cor-de-rosa do PS”, defendeu Inês Sousa Real. A deputada única destacou que o aumento do custo de vida não pode ser ignorado” e confrontou o executivo com o aumento das rendas e dos preços dos alimentos, alertando também para a necessidade de “cuidados para os animais de companhia”. Relativamente ao partido Livre, o deputado Rui Tavares lembrou que uma maioria absoluta não significa “governar sozinho” e acusou Costa de esquecer a existência da “oposição democrática”. Os projectos de lei apresentados pelo Livre e aprovados pelo PS, incluem o passe ferroviário e os apoios para a remodelação de portas e janelas das casas. “A única coisa que eu tenho a lamentar é que os outros partidos da oposição não tenham a mesma postura construtiva”, ironizou Costa.

NOTA – Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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