A Comissão de Inquérito à TAP já terminou, mas o caso Galamba ecoa na memória dos portugueses como um desastre político, envolto em incerteza. A recuperação inusitada [ou não] de um computador do Estado com informação classificada por parte do principal serviço de contra-espionagem, pôs em xeque um adjunto, uma chefe de gabinete, um ministro, um ex-ministro, um secretário de Estado, e o próprio chefe de Governo, que afirmou não ter sido informado de “qualquer acção”. Independentemente de quem solicitou o Serviço de Informações de Segurança (SIS), a questão está relacionada com o facto de poder tratar-se de um procedimento policial, sob jurisdição da Polícia Judiciária.
Conselho de Fiscalização nega ilegalidade
Embora esta acção tenha sido amplamente criticada, inclusive por juristas e constitucionalistas, o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), um “órgão responsável pela fiscalização da actividade dos serviços”, considerou “não existirem indícios de uma actuação ilegal do SIS”. Num comunicado datado do dia 21 de Junho deste ano, o CFSIRP justificou que na noite de 26 de Abril, “o Director do SIS concluiu que se impunha desenvolver diligências tendentes a prevenir o risco de comprometimento de documentos classificados do Estado e a salvaguardar a sua confidencialidade”. “Para o efeito, o SIS não usou meios que lhe estivessem vedados. O Dr. Frederico Pinheiro manteve uma conversa telefónica com um funcionário do SIS e disponibilizou-se para lhe entregar voluntariamente o computador, na via pública, como o próprio afirmou em declarações públicas, nos dias 28 e 29 de Abril”, esclarece o comunicado. Não obstante, Frederico Pinheiro afirmou ter sido coagido e ameaçado por um oficial de informações para devolver o equipamento.
Para Jorge Bacelar Gouveia, jurista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), o órgão que coordena o SIS e o SIED, é clara: os funcionários ou agentes, civis ou militares, dos serviços de informações não podem exercer poderes, praticar actos ou desenvolver actividades do âmbito, ou competência específica dos tribunais, ou das entidades com funções policiais”. “Contra factos não há argumentos, se bem que alguns achem que os factos mudam conforme os argumentos”, escreveu no Twitter.
“Acção do SIS carece de bom senso”
Em declarações à TejoMag, Alexandre Guerreiro, ex-espião, especialista em Direito Internacional e comentador televisivo, vai mais longe e afirma que “o caso Galamba afecta tremendamente a reputação dos serviços”. “Desde logo, por revelar de forma grosseira a instrumentalização dos serviços de informações em favor de interesses políticos, pelo recurso a métodos à margem da lei e de uma maneira informal e banal que deixa transparecer que o SIS é um órgão ao serviço de qualquer membro do Governo que o pretenda explorar”, sublinha. De acordo com Alexandre Guerreiro, “há até um aproveitamento do poder político na condução, pelos serviços de informações, de acções protegidas por confidencialidade para usar os serviços de informações sem qualquer travão pela direcção destes serviços ou pelo próprio membro do Governo que os tutela”. E enfatiza: “Não há nenhuma base legal que habilite o SIS a fazer a recolha de equipamentos com matéria classificada ou a conduzir diligências em nome de qualquer membro do Governo e solicitado por mera vontade desse. Importa recordar que quem exerce a tutela sobre o SIS é o Primeiro-Ministro e não qualquer outro membro do Governo. E que quando há suspeitas de quebras de segurança, a Polícia Judiciária é o órgão competente para conduzir investigações próprias e comunicar essas irregularidades ou ilícitos ao Ministério Público”, salientou.
Questionado pelo semanário NOVO se vão ser os serviços a “pagar”, Jorge Silva Carvalho (JSC) ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) entre 2008 e 2010, disse que “houve um erro e uma precipitação porque quiseram agradar e ser rápidos”. “Só se compreenderia caso houvesse alguma informação que justificasse essa urgência na actuação”, sublinhou. Em declarações à CNN, Jorge Silva Carvalho explicou que a imagem das secretas sai prejudicada. Quando questionado se a atuação do SIS foi legal, JSC afirmou que sim, mas que “não deveria ter actuado daquela forma”. Segundo o próprio, “a acção do SIS carece de bom senso” e “poderia ter corrido mal”. Ou neste caso, pior. “A intervenção do Serviço de Informações de Segurança numa matéria que é, no mínimo, controvertida e altamente especulativa em termos políticos, parece-me desajustada”, avançou. Contra todas as expectativas, o ministro João Galamba não renunciou, deixando o país à espera de um desfecho que poderá nem sequer chegar.
De acordo com JSC, “nós pertencemos àquele grupo de sistemas em que, havendo um problema na área dos serviços de informações, cai o director e não o membro do governo”. Neste caso, nem um, nem outro. No dia 9 deste mês, Luís Montenegro escreveu uma carta a António Costa, na qual pediu a demissão da secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). Costa respondeu que o Serviço de Informações de Segurança agiram adequadamente “face à actual avaliação do quadro de ameaças sobre infra-estruturas críticas e perante o alerta de quebra de segurança de documentos classificados no Ministério das Infra-estruturas”. “Sendo esta a minha avaliação, obviamente não irei demitir a Secretária-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, Embaixadora Graça Mira Gomes”, reiterou.
Num artigo publicado no Diário de Notícias, Abílio Morgado, o anterior presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP, disse que a direcção do SIS foi alvo de “sugestão externa” e que “acabou por errar objectivamente, expondo o SIS à suspeição pública de servilismo ao poder e de um padrão de actuação de má memória e suspeição pública”. Ao podcast Soberania, desse jornal e do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), Morgado confessou que “as luzinhas vermelhas acenderam todas”. “Percebi que tínhamos uma situação com enorme potencial disruptivo relativamente à confiabilidade do SIS. Não conhecia ainda pormenores, mas o SIS, em democracia, é um serviço que só pode existir, subsistir e actuar se o contrato de confiança que entre ele e todos os cidadãos portugueses existir não for quebrado”, afirmou.
Estas posições contrastam com a de Paulo Vizeu, secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI). Em entrevista à Rádio Renascença, afirmou que “não ajuda à imagem, porque não corresponde sequer à realidade”. De acordo com Vizeu, os directores do SIS e do SIRP “nunca irão fazer nenhum jogo partidário, nem nenhum jogo de interesses”. “Têm a preocupação permanente do interesse comum. Esses são os dados que eu tenho. São serviços essenciais ao Estado, à nossa segurança, e espero que possam ser tratados enquanto tal”, explicou.
No geral, esta acção foi considerada injustificada e prejudicial à reputação dos serviços. Há oito meses, o director do SIS deu uma palestra na Universidade Lusíada, na qual mencionou as “surpresas estratégicas e falhas dos serviços”. Segundo Adélio Neiva da Cruz, estas podem ser evitadas se a relação do SIS com o seu destinatário basear-se em “equilíbrio”. O relacionamento, disse, depende também “da confiança que a sociedade civil tem nos serviços e da credibilidade que lhes atribui na sua actuação em defesa da democracia e da segurança dos cidadãos”. Para Neiva da Cruz, os portugueses são influenciados “pelos fracassos que vêm a público, enquanto os êxitos permanecem entre paredes e sem divulgação”. Mais recentemente, foi ouvido à porta fechada na comissão de Assuntos Constitucionais, onde assumiu toda a responsabilidade pela actuação do SIS na recuperação do computador do ex-adjunto do ministro das infraestruturas. A TejoMag procurou saber, junto do SIS, do SIED, do SIRP, do Instituto Nacional de Defesa e de alguns serviços de informações aliados [ingleses, italianos e alemães] de que forma é que o caso manchou [ou não], a imagem dos serviços de informações a nível nacional e internacional, mas até à hora de fecho desta edição, não obteve resposta.
NOTA – Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.