Mark Prensky explica que os nativos digitais são crianças que nascem e crescem num ambiente dominado pelas novas tecnologias e, como tal, dispõem de uma facilidade inata no seu uso. Assim sendo, é-lhes impossível fugir a esta tendência; o uso de assistentes digitais e acessórios inteligentes faz parte da sua rotina do dia-a-dia, é quase tão natural como respirar. Destacam-se pela maior independência e facilidade em esclarecer dúvidas sem necessitarem de recorrer a terceiros. O Google é, normalmente, o eleito para tal função.
Os Millennials, que nasceram entre 1980 e 2000, são agora responsáveis por duas novas gerações, a Geração Z, nascida entre 1995 e 2009, e a Geração Alpha, nascida após 2010. Esta última caracteriza-se por possuir uma só identidade, não estabelecendo qualquer distinção entre o online e o offline, a identidade virtual da real. Para estes jovens, o mundo virtual funciona quase como uma extensão do mundo real e isso acontece porque grande parte das suas vidas são passadas no ciberespaço, seja através de interações nas redes sociais ou em videojogos. É nestes espaços virtuais que socializam e onde partilham informação e conhecimento.
Quem é a Geração Alpha?
Como explica Sofia Verdasca, mestre em Ciências da Educação, esta é “a primeira geração que nasce totalmente ligada às tecnologias. Já nascem com o TikTok, com os vídeos curtos, com toda uma interatividade que as gerações anteriores não têm e isso altera a forma como interagem uns com os outros no dia-a-dia”. Esta familiaridade e extrema dependência do mundo digital tem aspetos positivos e negativos. Se por um lado capacita estes jovens para desenvolverem um conjunto de competências que lhes permite serem mais autónomos e livres, por outro, resulta em défices de concentração, atenção, criatividade e imaginação.
“Estão habituados a ter uma resposta imediata a tudo o que querem. Agarram no telefone, no tablet, pesquisam qualquer coisa. Aquilo que notamos é que são muito mais impacientes, têm muita dificuldade em esperar pela sua vez, em pôr o dedo no ar e esperar pelo professor”. Ana Verdasca, licenciada em Psicologia e pós-graduada em Necessidades Educativas Especiais, revela que é notória a facilidade com que “se fartam e se desligam seja do que for”. É também aqui que a Academia Geração Alpha, um espaço lúdico-pedagógico, ajuda as crianças a trabalhar estas lacunas através de um conjunto de atividades.
“Todas as semanas trabalhamos as competências cognitivas, emocionais e sociais. Notamos que quando são atividades em que estamos a falar com elas e queremos que falem connosco a atividade não corre assim tão bem. Mas se a atividade consistir em mostrar-lhes um vídeo no YouTube é completamente diferente”, aponta Sofia Verdasca.
Os impactos da pandemia
A pandemia da covid-19 veio agravar este isolamento social. “Tiveram mais contato com os computadores e estiveram mais isolados. Temos crianças que começaram a escola já em pandemia e aquilo que conhecem da escola foi através destes dispositivos. Os amigos que fizeram foi através dos telemóveis. Há cada vez mais miúdos a isolarem-se”, alerta. Muitas vezes os pais não sabem como lidar com várias situações e procuram cada vez mais “apoio psicológico” para perceberem as suas limitações e como lidar da melhor forma com as dificuldades dos filhos.
“Outra coisa que é transversal a praticamente todas as crianças é a dificuldade em comunicar, em expressar aquilo que querem, aquilo que sentem. A maioria isola-se porque não sabe lidar com as emoções. Temos crianças que com os pares, pessoalmente, não conseguem manter uma conversa, não se conseguem expressar. Mas se calhar esta mesma criança numa rede social é extremamente sociável e comunica super bem”, assinala. “As competências sociais e emocionais estão comprometidas”, considera. Tudo isto levou a um inevitável aumento de casos de crianças com ataques de ansiedade e depressões. “Está tudo interligado”, adverte.
Também conhecida como Geração Floco de Neve no meio académico, estes jovens, especialmente após a pandemia, mostram maior vulnerabilidade, maior fragilidade e maior propensão a terem dificuldades de aprendizagem. São jovens que não sabem lidar com frustrações e problemas.
Ensino obsoleto
Este fosso geracional entre nativos digitais e imigrantes digitais – termo usado por Mark Prensky para descrever todos aqueles que não estão familiarizados com o uso de ferramentas digitais – é o grande desafio da educação. Entende que cabe aos professores alterar as suas estratégias com o objetivo de cativar a atenção e o interesse dos alunos.
Sofia Verdasca defende que a “escola tem um papel que começa a ser urgente e diz respeito à alteração das metodologias de ensino. Já não é produtivo ter crianças sentadas durante 1h30 a ouvir o professor. Passado 30 minutos já não ‘estão’ lá”. Sublinha ainda que o “papel dos educadores também é transformar a tarefa escolar mais apetecível, utilizando mais as tecnologias, ensinando de outra forma com mais estímulos”.
Defendem ser mais proveitoso para as crianças passarem curtos períodos de tempo “realmente concentrados naquela tarefa e de seguida poderem fazer outras coisas” do que as longas aulas que continuam a ser lecionadas. Além disso, destacam a questão dos trabalhos de casa que “são feitos por fazer”.
Como lidar com esta geração?
A melhor maneira de lidar com esta realidade é perceber que o contacto com a tecnologia veio para ficar. Ao invés de proibir, deve-se sim fomentar o seu uso de forma segura e equilibrada, impondo limites. As educadoras não têm dúvidas de que é fundamental haver regras de utilização das tecnologias. “À medida que vão crescendo, vai aumentado o tempo de permanência”.
- Até aos dois anos: o uso de qualquer aparelho digital não é aconselhado e deve ser evitado,
- Entre os dois e os cinco anos: limitado a uma hora por dia acompanhado de um adulto;
- Dos seis aos 10 anos: no máximo duas horas por dia com supervisão de um adulto.
Além disso, os pais devem incentivar e ser parte ativa nas brincadeiras e jogos fora de casa, ao ar livre. No entanto, muitas vezes, não há espaço para tal, seja por falta de tempo ou por falta de paciência. “Chega-se a casa cansado do trabalho, com o jantar para fazer, com roupa para tratar… É muito apetecível ter o miúdo quieto à frente do tablet ou da televisão”, explica Sofia Verdasca.
Os pais têm um “papel um bocadinho ingrato”, aponta. “Por um lado, dão-lhes o telemóvel e dão-lhes a tecnologia porque ela existe e porque também querem poder telefonar a qualquer momento e saber como é que o filho está. Mas, por outro lado, tem o senão de não lhes conseguirem tirar o telemóvel”, confessa.
Para ajudar os pais a lidar com esta dependência da tecnologia, Ana e Sofia Verdasca enviam as atividades que foram feitas durante o dia na Academia e explicam como correu e qual o objetivo. “São ideias que podem adotar em casa”. É importante utilizar a tecnologia de uma forma positiva, nomeadamente ao envolver os filhos nas atividades “e não os deixar isolados nos quartos”, aponta Ana Verdasca.
“É importante que os pais demonstrem que estão presentes. Envolvê-los nas conversas de casa, perguntar como é que correu o dia”, sublinha Sofia Verdasca. Para tal, podem ser feitos alguns jogos para tornar o momento mais lúdico. Um exemplo prático consiste em perguntar-lhe quais as três melhores e as três piores coisas que aconteceram hoje no dia. Isto vai levar as crianças a pensar sobre o que fizeram no dia e também vão perceber que os pais estão interessados, que se interessam por eles, que não estão sozinhos e que os problemas podem ser partilhados”, acrescenta.
Principais preocupações
Esta é também uma geração mais atenta e preocupada com o que o futuro lhes reserva. Como tal, à semelhança do que aconteceu com os Millenials, vão priorizar a carreira ao invés de constituir família. Não só por questões de ordem financeira, mas também por questões ambientais. Isto porque estão bem cientes das consequências das alterações climáticas.
A preocupação em preservar o planeta surge bem cedo. “Temos crianças com seis anos que já sabem o que é a reciclagem, sabem o que é que têm que pôr naquele sítio. Sabem também que a água tem que ser reaproveitada e quando deixamos a luz da sala acesa dizem-nos ‘não te esqueças de apagar a luz’. Já são eles que ralham”, explicam as educadoras.
No entanto, as redes sociais também promovem padrões de beleza irreais. O relatório do Projeto Dove pela Autoestima dá conta de que 9 em 10 crianças são expostas a conteúdos de beleza tóxicos nestas plataformas. Metade refere que tal teve impacto na sua saúde mental. “Temos aqui crianças de seis e sete anos que dizem que estão gordas”, alertam as profissionais da Academia Geração Alpha.