Identitários e conservadores portugueses abraçam nacionalismo galego

A história de Portugal e da Galiza está intrinsecamente ligada. Após a separação entre o Condado Portucalence e o Reino da Galiza, os dois países seguiram caminhos diferentes. No entanto, os laços identitários e culturais estão tão presentes como dantes. Primeiro com Primo de Rivera, depois com Francisco Franco, a extrema-direita espanhola nunca soube lidar com o nacionalismo galego, rejeitando-o por completo. Ao longo do regime do caudilho Franco, o galeguismo, um movimento político e cultural que promove a identidade galega, foi refreado e desencorajado. Passados 87 anos, a extrema-direita na Galiza não colhe a simpatia dos locais. Há dois meses, nas eleições regionais, o Vox de Santiago Abascal só conseguiu 1,4% do total de votos, sendo o único parlamento em Espanha sem presença dos populistas. Contudo, isso não significa que a Galiza seja imune a fenómenos mais radicais.

A capital dos neonazis

Em 2001, Xosé Carlos Ríos Camacho, um professor de ensino secundário, fundou o Movimento Resistência Ariana (M.R.A). Um ano depois, foi acusado por alguns dos seus alunos após “elogiar Hitler”. Na altura, os estudantes disseram ao jornal La Voz de Galicia que as suas ideias eram disruptivas e que “não aprendiam com ele”. O M.R.A era um grupo assumidamente nazi, que repudiava o franquismo e defendia a “dissolução dos Estados actuais” em prol de uma “Europa de nações soberanas, unidas por laços de sangue e cultura”. Numa publicação intitulada “Portugal é Gallaecia“, Camacho rejeita por completo a ideia de Portugal como uma nação separada e defende que a verdadeira identidade do país baseia-se numa extensão territorial que engloba o norte de Portugal, as Astúrias e Leão. O M.R.A pretendia, acima de tudo, voltar à divisão geográfica que os romanos desenharam, onde se incluía o convento bracarense. A capital dessa entidade administrativa era Bracara Augusta, actualmente conhecida como Braga.

Aniversário de Hitler  (Fonte: Blogue M.R.A)

De acordo com a VICE Espanha, “o M.R.A foi associado ao Identidade Galega”, um partido que se assume como identitário e antiliberal. Segundo a mesma fonte, alguns membros migraram para o Movimento Social Republicano (M.S.R), um partido de ultra direita espanhola com ligações ao Partido Nacional Renovador (PNR), actual Ergue-te. Quanto aos activistas do M.R.A, apostaram na presença online em fóruns como o Stormfront, de cariz nacionalista, mas sem sucesso. Um dos seus seguidores era… um português. Carlos Carrasco foi do CDS, presidente da Assembleia do Movimento de Oposição Nacional, nº4 da lista do PNR à Câmara Municipal do Barreiro em 2017 e antigo Vice-Presidente da Distrital de Setúbal pelo Chega. Segundo foi possível apurar, a lista de seguidores do M.R.A era composta por mais cinco portugueses. Ele e mais duas pessoas seguiam um blogue chamado Acção Social Portuguesa, um movimento que juntava democratas cristãos, monárquicos e nacionalistas. A 3 de Maio de 2010, o grupo publicou o seu manifesto, identificando-se como a “tendência da direita nacionalista no CDS-PP”. Apesar de tudo, o grupo negava qualquer inclinação racista. “Ao contrário de outros movimentos nacionalistas, nós optamos por não apoiar a violência entre diferentes raças”, escreveram. A TejoMag contactou o CDS, mas até à hora de fecho desta edição, não obteve qualquer resposta.

Finisterra a Vladivostok

Actualmente, os nacionalistas galegos mantêm viva a memória da organização juvenil Ultreia, fundada na década de 1930 por Álvaro Casas. Com quase 300 membros, esta iniciativa tinha tudo: a estética fascista, a iconografia celta e o fervor patriótico. Os uniformes brancos com o trisquel vermelho (símbolo celta), os calções pretos, as meias altas e o sapato bicudo, moldaram o imaginário de uma geração presa a um passado que não viveu. Um dos seus sucessores adoptou o nome e o ideário. O movimento Nova Ultreia nasceu em Novembro de 2020 e está na linha da frente na luta contra o Estado central espanhol, contra a “miscigenação” e contra a “globalização.

De acordo com a sua página oficial, os identitários galegos são contra a chamada “Nova Ordem Mundial”. Adoptado pelos negacionistas, este termo pressupõe a existência de uma elite governativa que pretende implementar um governo totalitário mundial. Segundo a TejoMag apurou, o Nova Ultreia sonha com um “imperium” que se estende da Finisterra a Vladivostock. Este ano, Dmitry Medvedev, o antigo presidente da Rússia, expressou uma visão semelhante: “o objectivo é a paz das futuras gerações dos próprios ucranianos e a oportunidade de finalmente construir uma Eurásia aberta de Lisboa a Vladivostock“. Em ambos os casos, a conquista do Velho Continente começa na Galiza e em Portugal respectivamente. A TejoMag quis saber se, tal como o M.R.A, o Nova Ultreia rejeita a ideia de nação portuguesa, mas não obteve qualquer resposta.

Grafitti do movimento Nova Ultreia. (Fonte: Telegram)

Entre 22 de Março de 2022 e 21 de Julho de 2023, a palavra Portugal aparece em 146 publicações. Dessas, 52 são retiradas de canais de Telegram portugueses, como o Invictus Portucale, Ciência Racial, Propaganda Anti-Branco, Perspectiva Identitária, Vanguarda, Bom Europeu e Bitaites Fascistas. A maioria expressa ódio em relação às comunidades africana, brasileira, LGBTI+ e judaica. À semelhança de outras organizações, como o Escudo Identitário – que a Europol reconheceu ser próximo de grupos neonazis – o movimento Nova Ultreia pronuncia-se a favor da “unificação europeia” e teme que a comunidade autóctone seja substituída por imigrantes.

Segundo um estudo publicado pela Comissão Europeia, a pedido do Comité LIBE, encarregado de proteger as liberdades civis e direitos humanos, o fenómeno da extrema-direita “não está a diminuir, mas sim a aumentar a sua importância, quer pelo aumento do número de pessoas e grupos considerados extremistas de direita, quer pelo impacto crescente que têm na sociedade”. Como já aqui foi referido, a maioria da população galega e portuguesa rejeita o extremismo e valoriza a diversidade, a coexistência pacífica e o respeito pelos direitos humanos. A questão que se impõe é: até quando?

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