A Rainha D. Leonor de Aviz (1458-1525) “mostra uma ousadia, inteligência, e vanguarda para a época”.
A 1a monarca da Casa de Bragança funda o Hospital Termal das Caldas da Rainha, o primeiro no mundo e génese da Santa Casa de Misericórdia, obra assistencialista de maior longevidade em Portugal e além-mar.
Para conhecer a história das misericórdias “é importante entender quem é esta extraordinária mulher Rainha D. Leonor, uma mulher com formação muito acima da média para a época”, admite Margarida Varela.
A Rainha “não inventou nada”, no lugar das Caldas da Rainha já existiam várias obras de assistencialismo aos peregrinos e indigentes, em 1222, eram ajudados pela ordem Rocamadour, muito séculos antes da vinda de D. Leonor. Esta congregação hospitalar do Santo-Amador, estendeu-se de França a Portugal e apoiava os peregrinos a caminho de Santiago de Compostela.
A Beata Sancha, filha de D. Sancho I, também já fazia obras de assistencialismo e mais tarde a Rainha D. Isabel de Aragão, faziam obras de misericórdias aos mais frágeis através das confrarias do Espírito Santo.
A Rainha D. Leonor a 1a monarca da casa de Bragança
Primeiramente, a Rainha D. Leonor veio para Óbidos, herda o Castelo de Óbidos e terras em redor, “na jurisdição da casa das senhoras rainhas todas as terras são extremamente férteis”, mas a Rainha tinha conhecimento de um local menos interessante: a zona das Caldas.
Segundo o biógrafo da Rainha, Frei Jorge de São Paulo, descreve este lugar como “inóspito sem interesse nenhum, onde apenas algumas águas fervilhavam do solo”, e alguns peregrinos vinham banhar-se, porque se dizia ”que as águas tinham poderes curativos”. De facto, este local já era do conhecimento no tempo dos romanos, que construíram balneários, antes da nacionalidade. Mas na época cristã caiu em desuso, devido ao culto espiritual em detrimento do culto do corpo.
A Rainha estava a par de tudo o que acontecia no reino. Ela “olha para o lugar do seu território com menos interesse não era inocente, sabia que existiam as águas e que acorriam peregrinos e indigentes à procura da cura do corpo”. Por isso, manda construir o hospital termal das Caldas em 1488, o primeiro do mundo. Vê nas águas “interesse de assistencialismo, mas também “olha para o lugar com interesse político”. Os monges de Cister em Alcobaça, tinham um poder muito grande e queriam aumentar o seu território, a monarca percebe isso e decide fazer “uma zona tampão em grande”, com a construção do maior hospital da Europa (mundo medieval).
Fernando Correia, biógrafo de D. Leonor de Aviz, defende que “a monarca lança o projeto piloto das Misericórdias com a fundação do Hospital Termal Nossa Senhora do Pópulo, é a génese da ideia das Misericórdias”, a obra assistencialista com maior duração em Portugal e além-mar, com aproveitamento do trabalho de benfeitoria realizado pelas várias confrarias.
“A Rainha mostra uma ousadia, inteligência e vanguarda na construção do Hospital, defende o conceito de que a cura do corpo faz-se por completo se a par também tratarmos o espírito”, explica Margarida Varela. A par do hospital termal D. Leonor manda construir a capela Nossa Senhora do Pópulo e o outro tripé é a plantação da mata Rainha D. Leonor, para proteger as nascentes de água termal que abastecem o Hospital Termal, a mata sofreu reforma no século XIX.
As águas penetram o solo na serra de Aire e Candeeiros, em Fátima, demoram cerca de 2000 anos a chegar aos olhos das águas das Caldas, as quais “têm uma maturação no interior da terra que preenche de características muito singulares, atualmente estamos a receber a água que infiltrou a serra dos candeeiros”. O conceito é explicado pela historiadora “a cura do corpo implicava a cura do espírito, o exercício físico e a contemplação da beleza, criada por Deus na mata, o homem na sua totalidade”. Um paralelismo do bem das águas e a obra deixada pela Rainha.
Capela Nossa Senhora do Pópulo
O Cardeal Alpedrinha, braço direito do Papa em Roma, pároco na igreja Nossa Senhora Del Populo, sugere este nome à Rainha para a capela do hospital termal. Pópulo primeiramente significa povo e também árvore cipreste com capacidade curativa. Vai unir o hospital à cura espiritual da capela.
Na época o ícone Salus Populi Romani, o mais famoso de toda a cristandade, estava na sua igreja em Roma. O ícone é de tal forma importante, para a cristandade, que ainda hoje o Papa Francisco reza sempre antes de sair de Roma. Ficou conhecido na tarde de 27 de março de 2020, quando o Papa atravessou a praça de S. Pedro, e perante este antigo ícone rezou para pedir o fim da pandemia.
Uma reprodução da imagem está em peregrinação nas dioceses portuguesas, no âmbito da preparação da JMJ23. Também existe uma pintura do ícone pintada por Josefa de Óbidos, da época barroca, que se encontra no Museu do Hospital, nas Caldas.
“Há muitas coisas particulares nas Caldas, porque a Rainha era uma mulher muito influente em toda a Europa, todas as grandes casas da Europa conheciam e admiravam a Rainha D. Leonor”, admite a investigadora.
“Dinastia de Aviz tem mulheres extraordinárias”
“A dinastia de Aviz tem mulheres extraordinárias com uma elevação cultural, de uma inteligente brilhante, eram mulheres muito cultas, e que iniciavam muito cedo a sua instrução”, explica a historiadora. Como é exemplo a mãe da Rainha D. Leonor, a infanta D. Beatriz de Bragança, (1440—1491) duquesa da casa Viseu-Beja. Casada com o primo D. Fernando, irmão do Rei Afonso V, tiveram 9 filhos, quando o marido, duque de Viseu-Beja morre, recebe a administração da ordem de São Tiago, tendo sido nomeada pelo Papa com o título de grão-mestre da ordem de cristo, a única mulher na história com este título.
“Uma mulher com um poder, que adquire pela sua inteligência, carácter e pela sua cultura, que passou aos seus filhos”. D. Leonor herda estas características, foi educada para ser Rainha, “sabia que ia casar com o primo aos 13 anos. Os monarcas são educados para servir o povo, legado que D. Leonor desenvolve ao longo da sua vida”. Foi considerada a mulher mais rica de toda a Europa, coloca as suas posses ao serviço do seu povo.
Rota Raynha das Águas
Margarida Varela inspirada pela história da Rainha D. Leonor, criou uma rota da Rainha, um itinerário na mata e na zona histórica da cidade, para dar a conhecer a história das Caldas da Rainha, que considera ser “uma história muito interessante, muito singular e que tem sido pouco ouvida, pouco trabalhada.”
D. João V, Lisboa, (1689 –1750), o 2º monarca que vai fazer uma renovação do hospital termal, chegoua fazer das Caldas “o epicentro do reino de Portugal , o Rei vinha com frequência, daqui despachava assuntos, toda a nobreza vinha com ele”, comenta a historiadora.
A gastronomia portuguesa recebeu muitas influências deste tempo quinhentista, a investigadora diz mesmo que “as nossas cozinhas serviram fine dinning, por exemplo o arroz de pato com passas tem origem aqui, assim como a torta arrelia, e as trouxas de ovos”.
Ao ter conhecimento destas descobertas, Margarida Varela, ficou com vontade de estudar a alimentação ao tempo de D. Leonor e de D. João V, criou por isso as ceias quinhentistas e seiscentistas para recordar os monarcas. O evento apresenta a história das Caldas com degustação do menu de época, a Câmara Municipal dispensa o salão nobre do hospital termal e aí são servidas as ceias de época.
A mulher portuguesa hoje
“Achamos que a mulher tem um lugar muito secundário na sociedade, mas é tudo uma questão de escolhas, de posicionamento. Não deve ter sido fácil para uma mulher da idade média como a infanta D. Beatriz escolher ser grão-mestre de uma ordem militar, escolher ser ela a dirigir a economia da sua casa Viseu-Beja. É uma opção, é uma escolha, é arregaçar as mangas. E foi aceite e respeitada pelos homens da sua época. A rainha D. Leonor tomou por três vezes a regência de Portugal, na ausência do seu marido e mais tarde na ausência do seu irmão, e as pessoas respeitavam-na”, conclui a investigadora.