Movimento pró-palestiniano apoia organizações suspeitas de terrorismo

Criado em 2005 por Omar Barghouti, o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) luta pela retirada de Israel dos Territórios Ocupados, pelo desmantelamento do muro na Cisjordânia e pelos direitos fundamentais dos palestinianos a residir em Israel e na Autoridade Palestiniana. No entanto, o governo israelita acusa o grupo de incitar à violência contra o Estado e os seus cidadãos.

De acordo com o Ministério dos Assuntos Estratégicos (MAE), o BDS conta com o apoio de 170 organizações, entre as quais o Conselho das Forças Nacionais e Islâmicas na Palestina, que engloba o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) e a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), ambos considerados terroristas pela União Europeia.

O gabinete ministerial alega que o Comité Nacional do BDS branqueia o passado dos seus apoiantes, retratando-os como estudantes, empresários e activistas. “A ocultação de laços com organizações terroristas levou, muitas vezes, as autoridades ocidentais, especialmente na Europa, a considerar os antigos e actuais operacionais e as ONG de que fazem parte, como actores legítimos da sociedade civil”, sublinha.

Em 2014, surgiu a página de Facebook da sucursal portuguesa. Até então, a campanha de boicote estava a cargo de organizações como o Comité de Solidariedade com a Palestina e o Movimento Pelos Direitos do Povo Palestiniano e pela Paz no Médio Oriente (MPPM). Desde a sua criação, o BDS Portugal já organizou vinte eventos, incluindo manifestações e conferências. Estas duas organizações não responderam às questões da TejoMag até à hora de fecho desta edição.

A lista negra do MAE

Em 2011, o antigo presidente Jorge Sampaio, então Alto Representante para a Aliança das Civilizações das Nações Unidas (UNAOC) e Jorge Lobo de Mesquita, Representante de Portugal junto da Autoridade Palestiniana (AP), visitaram a sede da organização Al-Haq e o seu líder Shawan Jabarin. O objectivo dessa visita era “discutir os obstáculos à cooperação cultural nos Territórios Ocupados”.

O trabalho da Al-Haq consiste em documentar as “violações dos direitos individuais e colectivos dos palestinianos”. Recentemente, alargou a sua esfera de ação para incluir colaborações com entidades locais, regionais e internacionais, bem como para promover iniciativas de boicote contra Israel. Jabarin desempenha a função de Diretor-Geral da Al-Haq desde 2006, tendo cumprido várias penas de prisão por, alegadamente, pertencer à FPLP.

Em 2007, o Supremo Tribunal israelita comparou-o ao Dr Jekyll e Mr. Hyde, uma referência à personagem do famoso romance de Robert Louis Stevenson. “Uma parte do seu tempo é dedicada à liderança de uma organização de direitos humanos, outra é passada como operacional numa organização que não tem absolutamente nenhuma ligação com direitos. Pelo contrário, rejeita o mais fundamental de todos, sem o qual não existem outros. Ou seja, o direito à vida”, assinalou o juiz.

Questionado sobre a pertinência desta visita e se sabia que Jabarin tinha sido condenado, Jorge Lobo Mesquita explicou que não poderia comentar, pois já não ocupava o cargo de Representante de Portugal junto da Autoridade Palestiniana (AP).

Soldados israelitas apreendem equipamento informático e ficheiros de clientes durante uma rusga aos escritórios da Defense for Children International - Palestina, em Al-Bireh, Cisjordânia, uma das organizações que consta no relatório do MAE 29 de julho de 2021 (Fonte:Soldados israelitas apreendem equipamento informático e ficheiros de clientes durante uma rusga aos escritórios da Defense for Children International – Palestina, em Al-Bireh, Cisjordânia, uma das organizações que consta no relatório do MAE 29 de julho de 2021 (Fonte: Al Haq)

A Al-Haq é uma das seis organizações não-governamentais que há dois anos foram alvo de buscas pelas forças israelitas e encerradas por alegadas “razões de segurança”. O mesmo aconteceu com a Addameer Prisioners Support and Human Rights Association, uma instituição civil que oferece assistência jurídica gratuita a presos políticos palestinianos. Segundo a página oficial do BDS, a Addameer subscreveu um apelo para exercer pressão sobre a comunidade internacional, com o intuito de impor embargos e sanções contra Israel. Numa publicação datada do dia 18 de Agosto de 2022, a filial portuguesa da BDS disse apoiar “inequivocamente” estas duas organizações.

Em entrevista à revista +972, Hisham Sharbati, um colaborador da Al-Haq, contestou as acusações, dizendo que a supervisão é “apertada” e que toda a gente sabe para aonde vai cada shekel”. Sahar Francis, dirigente da Addameer, também sublinhou a importância do seu trabalho dentro de um contexto mais abrangente: “há anos que somos visados por uma razão. Estamos a conseguir mudar o paradigma global, ao não só abordar a ocupação, mas também o apartheid, e estamos a disponibilizar informação para Haia”.

Questionado se considera o BDS um movimento pacífico e legítimo de resistência, o Ministério dos Negócios Estrangeiros respondeu que “não se pronuncia sobre instituições ou organizações de cariz privado, nem sobre as actividades que levam a cabo”. “O posicionamento oficial do Governo Português nesta matéria é público e reiterado, alicerçando-se há muito nos princípios de defesa de uma solução de dois Estados soberanos vivendo pacificamente lado a lado e de condenação de actos unilaterais que possam comprometer uma solução para uma paz justa e duradoura”, escreveu.

“Não morras senão no meio de uma chuva de balas”

Em 2015, Khalida Jarrar, ex-directora da Addameer (1993-2006), enfrentou julgamento perante o Tribunal Militar de Israel, acusada de uma série de crimes contra a segurança do Estado. Segundo o tribunal, Jarrar era “membro e activista de alto escalão da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP)”, um grupo armado responsável por mais de nove atentados terroristas. 

Jarrar representou a FPLP no Conselho Legislativo Palestino, do qual também era membro. Uma das acusações que enfrentou, e que continua a negar, é a de ter supostamente incentivado o “sequestro de soldados israelitas para negociar a libertação de prisioneiros palestinos”. Naquele ano, Jarrar entregou à mãe de Muataz Washaha, um agente da FPLP morto pelas forças de segurança israelitas, uma placa honorária com uma citação do líder do grupo: “Cuidado com a morte natural; não morras senão no meio de uma chuva de balas.” Desde então, Jarrar cumpriu mais três penas pelos mesmos motivos.

Fadi e o seu primo Muataz Washha envolveram-se num tiroteio no dia 25 de fevereiro de 2014. Fadi admitiu o acontecimento e chegou mesmo a entregar a arma utilizada durante o incidente. Para mais informações, consulte o comunicado da Agência de Segurança de Israel em https://shabak.gov.il/publications/Pages/240314NewItem.aspx.Fadi e o seu irmão Muataz Washha envolveram-se num tiroteio no dia 25 de fevereiro de 2014. Fadi admitiu o acontecimento e chegou mesmo a entregar a arma utilizada durante o incidente. Para mais informações, consulte o comunicado da Agência de Segurança de Israel. (Fonte: DigFind)

Após a morte do jovem palestiniano, o Movimento de Solidariedade para a Palestina Livre apelou à comunidade internacional para acabar com a “impunidade contra o terrorismo de Israel” e aderir à “campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS)”. Fadi Washha, o irmão mais novo, foi morto em 2021 durante um protesto que se dizia pacífico. De acordo com um relatório do Ministério dos Assuntos Estratégicos de Israel, os irmãos “estiveram envolvidos num tiroteio contra as autoridades”.

No dia 8 de Abril de 2015, o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM), uma organização portuguesa que apoia a campanha BDS, emitiu uma declaração pedindo a “libertação imediata” de Khalida Jarrar. Num documento ao qual a TejoMag teve acesso, o MPPM instou o governo português a “retirar todas as consequências do reiterado incumprimento por parte de Israel destas normas jurídicas”, nas suas relações com Israel e em conformidade com as “disposições de direito internacional a que Portugal aderiu”.

Terrorista recebida no Parlamento Europeu

No 41º aniversário do Dia do Preso Palestiniano, o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) e a União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) expressaram solidariedade com a “luta do povo palestiniano e, em particular, com os patriotas palestinianos presos nas prisões” em Israel. De acordo com um comunicado da organização Samidoun, uma das principais promotoras do BDS nos EUA, estas organizações manifestaram disponibilidade para trabalhar “em prol da solidariedade com a luta do povo palestiniano contra a ocupação”.

Entre os afectados pelo sistema judicial estava Bilal Kayed. Detido em 2002, Kayed foi condenado a 14 anos e meio de prisão por pertencer às Brigadas Abu Mustafa, o ramo militar da FPLP, e por “tentativa de homicídio” contra soldados israelitas. Segundo o relatório do Ministério dos Assuntos Estratégicos (MAE), “as suas acções são profundamente militaristas”. O relatório sublinha que “se não fosse pela detenção do arguido, ele estaria livre para completar estes actos de terror”. Um dos seus contactos mais próximos era Mustapha Awad, um libanês treinado pelo Hezbollah. O mesmo relatório revelou que Awad “transferiu fundos para a Bélgica e representou a Samidoun no Campo de Refugiados de Shatila no âmbito da campanha para libertar Bilal Kayed”.

Fonte: Samidoun- Leila Khaled, ícone da resistência palestiniana e líder política, juntou-se a representantes da Rede de Solidariedade com os Prisioneiros Palestinianos Samidoun, à Coordenação Europeia dos Comités e Associações para a Palestina e à Organização da Juventude Palestiniana da Europa para uma série de reuniões no Parlamento Europeu, em Bruxelas, no dia 8 de fevereiro.Leila Khaled, ícone da resistência palestiniana e líder política, juntou-se a representantes da Rede de Solidariedade com os Prisioneiros Palestinianos Samidoun, à Coordenação Europeia dos Comités e Associações para a Palestina e à Organização da Juventude Palestiniana da Europa para uma série de reuniões no Parlamento Europeu, em Bruxelas, no dia 8 de fevereiro. (Fonte: Samidoun)

Em Fevereiro de 2016, Mustapha Awad acompanhou uma delegação liderada por Leila Khaled ao Parlamento Europeu. Foram recebidos por Ana Gomes, então deputada do Partido Socialista, e Martina Anderson, do Sinn Féin. O objectivo dessa visita era pressionar os deputados europeus a pedir a libertação de Khalida Jarrar e do Secretário-Geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), Ahmad Saadat. Saadat foi um dos organizadores do atentado mortal contra o ministro do Turismo israelita Rehavam Ze`evi em 2001.

Nascida em 1944, Leila Khaled é uma figura importante no movimento de resistência palestiniano. Nas décadas de 60 e 70, esteve envolvida no sequestro e desvio de dois aviões para chamar a atenção do público para a causa palestiniana. Segundo o relatório, Khaled “continua a manter laços activos com terroristas”. De acordo com fontes abertas, é uma das principais impulsionadoras do grupo BDS na África do Sul. Apesar dos esforços da TejoMag, não foi possível obter um comentário de Ana Gomes.

Durante uma visita à Alemanha em 2016, Leila Khaled afirmou que “as negociações só serão feitas com facas e armas”. Dois anos depois, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, solicitou à Missão Palestiniana na Alemanha que removesse uma publicação de Khaled que dizia: “Resistência não é terrorismo”. Um dos seus apoiantes é Joe Catron, representante do BDS nos EUA. No dia 28 de Janeiro de 2015, Catron publicou um tweet solicitando ao líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, que atacasse Telavive. O jornal tentou obter a posição oficial do representante da Palestina em Portugal, Ahmad Abuznaid, bem como a do embaixador de Israel, Dor Shapira. No entanto, até ao fecho desta edição, não recebeu qualquer resposta.

Nota: A TejoMag reuniu um conjunto de capturas de ecrã das páginas de Facebook de defensores da plataforma BDS, que disponibilizamos. Estas imagens contrariam a alegação de que os apoiantes do BDS não manifestam atitudes antissemitas. Embora os comentários não sejam oficialmente endossados pela página, nem provenham dos próprios organizadores, a sua persistência sugere uma colaboração de natureza questionável. Como se costuma dizer, “quem cala, consente”. As capturas de ecrã podem ser encontradas no Google Drive (link fornecido).

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