Escrever sobre a primeira-ministra neozelandesa Jacinda Ardern parece uma coisa tentadora, quase inevitável, para uma mãe que se dedica em exclusivo à sua família. É deveras tentador procurar acolhimento das nossas escolhas junto de pessoas importantes. Só que mais relevante do que esse conforto, para mim, é este discurso articulado e surpreendente de alguém que sente que já deu o seu melhor à tarefa e que, agora, precisa de parar.
Talvez todo este assombro se prenda, não com o facto de uma mulher não conseguir continuar a conciliar família e trabalho, como desejava e como fez até agora, mas o que arrebate é que alguém tenha estado no poder e não se tenha viciado nele, não ambicione altos voos, não queira ter assento numa qualquer organização internacional e prefira acompanhar a filha no regresso à escola e casar com o seu companheiro. E mesmo que esta saída seja para evitar uma derrota do seu partido nas eleições, também para isso é preciso uma certa dose de clareza, aferindo que há momentos em que já não estamos a conseguir ser úteis aos propósitos estabelecidos e que não somos os melhores do mundo, imparáveis e insubstituíveis.
Para uma mulher, mãe, a conciliação entre o trabalho e a família é quase sempre um “desporto radical”, porque os trabalhos são exigentes, uns a nível físico, outros pelos horários e turnos, outros porque exigem deslocações e viagens e outros porque implicam trazer trabalho para casa. Para já não falar das exigências orçamentais (sejam para o básico, sejam para o mais supérfluo) que levam a trabalhos extra, a dar tudo para conseguir uma posição melhor, mais remuneração.
Já houve tempos em que a sociedade pedia à mulher que levasse por diante o seu trabalho, que fosse uma boa mãe e uma boa esposa. Nos últimos tempos, parece que já se dá isso de barato e procura-se fomentar o sucesso, que pague as contas dos miúdos, e com o marido, pois logo se vê o que dá. Daí que seja tão estranho, assistir a uma mulher jovem e vigorosa, inteligente e de sucesso, renunciar a um cargo político, sem que haja um escândalo que o provoque, sem que haja pressão política que o precipite e sem que vá para um posto de maior “ranking”.
Para além disso, tal como aconteceu com o saudoso Papa Bento XVI, estamos perante alguém que assume que não tem mais as forças necessárias para levar a função por diante. No caso desta senhora neozelandesa, o mais normal seria que tomasse vitaminas ou contratasse mais empregadas, mas renunciar a um cargo para levar a filha à escola não parece muito entendível. Assim como, assumir fraqueza, debilidade, sem que isso traga proveitos imediatos, também não lembra ninguém.
Um dos ganhos dos anos da pandemia foi ter trazido para a realidade dos dias a possibilidade de assumirmos um ritmo de vida mais slow, mais compassado, mais natural, mais conectado com as coisas simples, como escrever um texto num pedaço de papel, com um lápis de carvão, enquanto o mais novo brinca com os legos deitado no chão da cozinha e tirar disso um prazer imensurável e energias para ser mais e melhor.
Talvez fosse mais interessante que este texto exigisse à sociedade estratégias para que a mulher não tivesse de abandonar cargos de liderança. Ou talvez, arriscando mais, fosse pertinente suscitar, quiçá, a hipótese da sociedade valorizar mais a importância da maternidade plena e exclusiva (dava-me imenso jeito!). Mas, no final das contas, este texto seria sempre sobre a necessidade que todos temos de encontrar a nossa missão, a cada momento, e de perceber onde é que a nossa presença e intervenção são mais benéficas. Porque certamente não estamos cá só para ver passar os comboios.