Rajesh Kalra, homem de negócios, nasceu em Mumbai, Índia, há 56 anos. Chegou a Portugal em 1999 para mostrar a sua coleção de moda e aqui ficou. Lembra uma capital “em ruínas, como uma espécie de cidade fantasma”. Agora Lisboa é “Fénix renascida das cinzas”, um local atraente para investidores e famílias do estrangeiro. Atualmente, para além do seu trabalho de intermediário no setor imobiliário, trabalha no turismo.
Há quanto tempo o Rajesh trabalha no ramo imobiliário aqui em Portugal?
Há cerca de oito anos.
Como agente imobiliário?
Não. Eu sou um intermediário. Não tenho a licença como mediador imobiliário. Trabalho como freelancer. Trago clientes estrangeiros e coloco-os em contacto com os agentes imobiliários locais. Como intermediário, represento clientes do estrangeiro, enquanto que os agentes imobiliários, em Portugal, representam potenciais vendedores imobiliários.
Pode-nos explicar porque é que é necessário como intermediário e que tipo de clientes representa?
Tenho clientes empresariais que procuram comprar ou alugar apartamentos e escritórios, enquanto tentam mudar a sua empresa ou as suas sucursais para Portugal. Tenho clientes privados que ouviram falar muito do país e que foram atraídos pelo que ouviram nas redes sociais. Por isso, querem mudar-se para cá. Algumas pessoas estão dispostas a investir aqui, apenas por causa do próprio investimento dado que os preços dos imóveis em Portugal são neste momento muito mais baixos do que em França, Holanda, Bélgica, ou Alemanha.
Não é isso que os políticos dizem, eles dizem o oposto, que os preços estão demasiado altos.
Não, se tivermos em consideração que tipo de propriedades estão em causa. Bem, se tiver alguém que queira comprar um imóvel nos Champs-Elysées em Paris e lhes oferecemos um imóvel situado na Avenida da Liberdade, que para muitos portugueses representa o imóvel Top, há ainda uma grande diferença. Embora esse seja o melhor referencial em Lisboa, a diferença de preço é de pelo menos 40 por cento.
Existe mais pressão no mercado imobiliário nos últimos dois ou três anos, desde a pandemia da COVID-19?
Há um aumento da procura e um interesse geral no mercado imobiliário português. Inicialmente, este interesse foi gerado pelos esquemas de residência e nacionalidade de “vistos gold”.
Tem muito trabalho proveniente de pedidos desses clientes?
Sim. Também trago clientes que estão a investir na autorização de residência [através de] “vistos gold”.
Mas esses investidores são totalmente diferentes.
É um tema controverso em Portugal e o Governo acaba de anunciar que quer parar o programa. Pode explicar-nos mais sobre as motivações dos seus clientes de imóveis “vistos gold”?
Nos investimentos com “vistos gold” temos três tipos diferentes de investidores. Alguns não estão realmente muito interessados no visto de residência em si, estão interessados em investir na propriedade. Por isso dizem ok, vamos fazer isto, estamos a investir no visto de residência e conseguimos uma boa propriedade.
Para viverem lá posteriormente?
Não, mas para as remodelar e revender, ou talvez, arrendar. Atualmente, ao abrigo do esquema de “vistos gold”, não se pode vender o imóvel durante cinco anos. Existem também outro tipo de investidores que investem na obtenção de “vistos gold” porque o seu interesse principal é obter a residência portuguesa e um Passaporte para a União Europeia e terem flexibilidade.
E estas pessoas estão prontas a pagar qualquer tipo de quantia por uma propriedade?
De certa forma, sim. Se o principal objectivo é obter um passaporte português, não se importam se o imóvel custa 150.000, 200.000 ou 250.000 euros. É um negócio, onde os construtores ganham muito dinheiro com as propriedades.
Porquê?
Porque o imóvel que vendem pelo valor de 280.000 euros para um candidato ao “visto gold”, sem o programa provavelmente não seria vendido a esse preço.
Se o Governo parar agora com o regime de “vistos gold”, poderá, na sua opinião, levar a uma queda automática dos preços dos apartamentos?
Não.
Então, pensa que esta não é a solução correta para reduzir os preços de venda?
Os preços podem não descer realmente. Se o Governo português parar os “vistos gold” para fins residenciais e só ficarmos com os vistos D7, o que vai acontecer é que a atividade de construção vai sofrer, que foi alimentada pelo dinheiro que entrava de fora do país através de “vistos gold”. De futuro, as pessoas irão valorizar em detalhe cada compra, dependendo do valor de mercado. Se uma família, por exemplo, solicita um “visto gold” que lhe dá direitos de entrada na Europa, não se importa de pagar 50.000 euros a mais do que o preço real de mercado.
Está previsto que os investidores com “vistos gold” tenham de alugar o imóvel durante cinco anos ou assumi-lo como residência fiscal principal.
Sim. Antes, eles compravam uma propriedade, renovavam-na e alugavam-na como queriam. E como investidores, era suposto viverem em Portugal apenas durante um mínimo de 14 dias por ano de calendário. Se as novas regras os obrigarem a ficar, então o perfil dos investidores mudará drasticamente.
Para que tipo de perfil?
Difícil de dizer. Se o programa de “vistos gold” for completamente cancelado e as pessoas não conseguirem, após algum tempo, com o seu investimento, a nacionalidade portuguesa, se isso for retirado da equação, então apenas as pessoas que tiverem obtido dinheiro suficiente e quiserem investir em imóveis, irão comprar. Não para obter qualquer lucro, mas sim para cobrir o montante do seu investimento contra a inflação. Porque os bens imobiliários portugueses dar-lhes-ão um retorno de cerca de 5, 6 ou 7%. Essa é atualmente a taxa de inflação. Portanto, o perfil irá mudar drasticamente.
Segundo os dados do Confidencial Imobiliário, em Lisboa foram compradas, em 2022, 1.655 casas por proprietários de 78 nacionalidades – um investimento de 894,3 milhões de euros. Existe uma antecipação de procura por causa devido à ameaça do fim dos “vistos gold”?
Muitas pessoas da Ásia Oriental e dos EUA estão a chegar neste momento. Originalmente, muitos estavam a pensar no programa de “vistos gold”. Se acabar de facto, terão de calcular o seu investimento em termos económicos básicos. Se o investimento faz sentido economicamente para eles ou não. Irá o investimento gerar rendimentos suficientes para, pelo menos, compensar a inflação atual.
Então o fim dos “vistos gold” não traz alívio para a crise habitacional?
Não, continuará a existir. A chamada crise habitacional não é nova em Portugal, de alguma forma.
Que papel tem a guerra na Ucrânia que começou em fevereiro de 2022?
O problema não é bem esse. Em geral as propriedades em Lisboa estão a tornar-se cada vez mais caras. Embora os salários não estejam a aumentar. Portanto, a crise de habitação e os custos de vida não se devem diretamente ao programa de “vistos gold”. Simplesmente não existem propriedades suficientes no mercado. Falta construção nova.
Isso era diferente quando se mudou para Portugal em 2001?
Sim. Eu vim para Portugal há 22 anos. De certa forma, esta situação esteve sempre presente. Nessa altura, as famílias ainda podiam facilmente alugar um apartamento juntas. Agora, até mesmo três famílias, com esforços conjuntos, têm dificuldades em arrendar. Mas havia mais construção para habitação.

O novo programa diz que as famílias necessitadas, que têm de desembolsar mais de 35% dos seus rendimentos para o aluguer, receberão até 200 euros mensais como apoio. O que pensa sobre esta medida?
Muito bem, vamos fazer um cálculo real. Hoje em dia. O salário mínimo é de 760 euros após os descontos para a Segurança Social, o trabalhador tem cerca de 600 euros. Qualquer pessoa tem de gastar pelo menos 300 euros em serviços, transporte e outros, 100 euros, pelo menos, para alimentação por mês. Portanto, o valor restante é de 200 euros. Em toda a área metropolitana de Lisboa, não se pode alugar um quarto por 200 euros. Tem de se pagar pelo menos 350 a 400 euros.
Então o novo programa “Mais Habitação” é inútil?
Parece-me ser mais uma cirurgia cosmética. O número de casas disponíveis para arrendamento não aumentou drasticamente, pelo contrário. Mas o número de pessoas à procura de casas para alugar aumentou, como as estatísticas mostram claramente nos últimos anos. Com o programa Erasmus, temos cada vez mais estudantes a entrar. Depois temos a comunidade de trabalhadores à distância – os nómadas digitais. O Governo e todo o ecossistema português, está a promover Portugal como um óptimo lugar para vir trabalhar remotamente.
O lançamento da Web Summit em Lisboa teve algum efeito sobre isso?
Claro. Muitas empresas de tecnologia e startups estão agora também sediadas em Lisboa. As empresas de tecnologia estão a abrir escritórios e a contratar localmente ou a trazer pessoas do estrangeiro. Precisam também de alojamento. A questão é que estas três classes de pessoas têm muito mais poder financeiro do que um trabalhador português médio. Mesmo alguns dos estudantes Erasmus. Assim, a oferta de renda a preços baixos é procurada igualmente por estrangeiros. Muitos apartamentos foram divididos em vários quartos. Os proprietários obtêm muito mais rendimento alugando quartos – os tais “serviced-rooms” – por 500, 600 euros a, por exemplo, empreendedores da área de tecnologia.
Então, existe uma espécie de discriminação ao contrário dos habitantes locais no arrendamento?
Claro. Pela minha experiência, os proprietários preferem alugar casas a estrangeiros, e não a portugueses ou migrantes.
Fale-nos mais do seu trabalho: Como é que em concreto ajuda os requerentes de vistos D7? Quem são os candidatos típicos?
Tipicamente são pessoas que estão a obter um bom rendimento passivo de empresas, como acionistas, por exemplo, reformados ou como trabalhadores à distância. Uma condição do pedido de visto D7 é que, à parte da prova de rendimentos mensais suficientes, os candidatos têm de juntar ao seu pedido, no consulado ou no SEF, um contrato de arrendamento de 12 meses. Esta habitação que seria alugada localmente, digamos, por até 1.000 euros, é então alugada a preços mais elevados.
Parece ser um bom negócio para os proprietários, mas é também para o Estado português com o imposto de 28% atual sobre rendimentos de aluguer de habitação?
Sim. O SEF tem uma enorme quantidade de processos por examinar e, o processo de candidatura ao visto de residência de longa duração pode demorar de seis até oito meses. Assim, o apartamento está desocupado e bloqueado, por assim dizer, durante esse período, o que tem um impacto negativo sobre as rendas disponíveis para os habitantes locais.
Qual é a solução?
Se o Governo quiser aumentar o número de ofertas de arrendamento, tem de melhorar as condições da obtenção do visto. O melhor seria cancelar a obrigatoriedade de um contrato de arrendamento de 12 meses para solicitar um visto de longa duração. Talvez, encurtá-lo para seis meses.
Será esta uma nova regra para cumprir com os regulamentos da UE de Schengen?
Não, de modo algum. E a burocracia. Não faz sentido apresentar um contrato de aluguer de 12 meses com a candidatura e, a própria candidatura leva quatro meses. Portanto, basicamente o Governo português tem de reduzir a burocracia a um nível básico. Perceber quais são os verdadeiros problemas e depois conceber esquemas dos quais todos possam beneficiar.
Qual é o papel do SEF neste processo?
O SEF é lento, tem centenas e centenas de pedidos de vistos D7 de pessoas que não estão em Portugal. Atualmente, só eu, tenho seis clientes à espera de uma marcação no SEF, que estão no Dubai, Qatar, Kuwait e Índia. Frequentemente pagam adiantado durante vários meses as rendas porque não têm um fiador. Quando introduziram este visto D7 em 2017, criaram uma situação muito confortável, em particular para proprietários com uma vasta quantidade de propriedades. Eles têm a certeza de que os inquilinos não entram em incumprimento do aluguer por causa do pedido de visto pendente.
Acha que a medida anunciada pelo Governo de recorrer a casas devolutas de privados vai ajudar na meta de ter mais arrendamento acessível?
Nenhum proprietário vai aceitar entregar uma propriedade sem uma compensação justa. A administração pública terá de pagar o preço de mercado. Neste momento o preço de mercado para a reconstrução ronda os 2.000 euros por m2. Vai haver muito litígio nos tribunais.
E a opção de vender ao Estado o imóvel e ficar isento do pagamento das mais-valias?
Mesmo assim. A um preço justo, talvez. Existe sempre um custo de aquisição, que será de pelo menos 2.000 euros por m2. O Estado não pode alugar um T2 por menos de 15 a 20 euros se quiser cobrir os custos por m2.
Não é essa a ideia. O pacote completo tem um orçamento de 900 milhões de euros O Governo quer ter mais “Arrendamento Acessível”. Agora o preço médio de aluguer em Lisboa, segundo os últimos dados do INE, é de 14 euros por m2. Não acha 15 a 20 euros por m2 um pouco especulativo?
Só sei que se um Governo quer implementar esquemas sociais, necessita, para isso, capital. Alguém tem de ganhar dinheiro e, sim, existe uma especulação imobiliária há muito tempo.
Neste cenário de uma inflação elevada, altos preços de arrendamento e salários sem crescimento, existem vozes vindas de políticos populistas de direita que defendem que todos estes problemas derivam da imigração. Pensa que iremos ter mais confrontos diretos entre as faixas sociais do país?
O confronto acontece apenas durante a estação turística, mais no Verão. Penso que precisamos de mais migrantes aqui.
Ricos ou pobres?
Ambos. Só neste ano, Portugal vai precisar de pelo menos mais 120.000 trabalhadores adicionais para manter o país a funcionar. Muitos académicos portugueses, assim que se formam, vão para o estrangeiro. O número de reformados está a crescer todos os anos. O número de recém-nascidos está a diminuir todos os anos. Se não houver uma população jovem a pagar impostos, como irá o Governo português pagar as pensões? Amanhã, se todos os imigrantes decidirem, vamos deixar Portugal, o país vai chegar a um impasse e ir à falência.
Há também vozes que ligam a crise habitacional a um aumento da criminalidade. Os seus clientes vêm para Portugal porque sentem-se aqui mais seguros? Portugal está atualmente classificado no 6º lugar do “Índice de Paz Global“?
É o país mais seguro do mundo, porque não há nada para roubar. Só sei que os migrantes que vêm para Portugal não optam pela criminalidade. Para eles é o último recurso. Certamente não querem ser apanhados e enviados para os países de origem. Querem construir uma vida cá.
Estes migrantes não estão a ser explorados, igualmente na habitação?
A exploração está em todo o lado. Quando os portugueses emigraram para França durante Salazar, também foram explorados. Mais tarde, as pessoas irão lutar pela igualdade e pelos seus direitos.
Considera isso certo?
Quando os europeus, americanos, australianos ou as pessoas do Reino Unido emigram, são titulados de “expats”, ou seja expatriados. Quando pessoas emigram da Ásia do Sul ou de África são chamados de imigrantes. Mesmo as pessoas que vêm da Ásia para investir são consideradas imigrantes económicos. As leis são feitas em conformidade. Existe uma certa xenofobia.
Voltemos ao nosso tema habitação. Acha que a lei vai ser aprovada pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa?
Penso que haverá um conflito e, se as regras forem aprovadas, terá um efeito em cadeia sobre a indústria da construção, com muitas empresas a falirem.
Porquê? As leis não têm impacto nos projectos de novas edificações e no sector da construção ?
Não diretamente. Mas várias dessas empresas de construção têm vindo a construir para vender a investidores com “vistos gold”. Algumas destas empresas terão de amortizar empréstimos dentro de cinco anos. Muitos investidores que investiram hoje 230.000 euros, digamos, esperavam ganhar em cinco anos 280.000 euros.
A nova lei diz que os investidores têm de alugar por cinco anos. Isto não é uma solução?
Não existe um cash-flow suficiente. Digamos que uma empresa que investiu na construção de um projecto de habitação, 30 milhões de euros, para vender principalmente apartamentos em “vistos gold”, com parte dessas vendas, investiram em outros projectos de construção. Se isto parar agora, de repente, pode causar um efeito de cascata, com vendas mais lentas, e a situação dos financiamentos vencerem antes. Muitas empresas de construção, que estavam a apostar na continuação dos “vistos gold”, irão à falência.
Portanto, um efeito dominó que poderá baixar os preços de venda?
Sim, para cumprir os seus compromissos, alguns construtores poderão ter de vender esses imóveis com desconto.
Alugar os apartamentos de “vistos gold” não é uma opção?
Não, porque a maioria dos investidores que compram com “visto gold” não querem alugar e, na minha opinião, o Governo não pode forçar os compradores a alugar em geral. Imagine, pagou 500.000 euros por um imóvel: Quão elevado deve ser o aluguer para que eu obtenha um retorno de investimento de pelo menos 4%?
Também trabalhou durante algum tempo na gestão de alojamento local de vários imóveis em Lisboa? Qual é a situação atual nesse ramo?
Está óptimo, com os preços a subir para as estadias em AL. Eles devem estar satisfeitos.
Contudo houve um grande protesto contra a nova lei, que prevê rever as licenças em 2030 e o fecho a novas licenças em cidades com pressão demográfica. Compreende porquê?
Não, na verdade não, em 2030, ou seja, daqui a sete anos tenho dúvidas se este Governo ainda está no poder.
Para além do seu negócio imobiliário, o que espera no turismo?
Eu faço principalmente excursões com estrangeiros. Tours entre cidade, turismo vinícola, turismo rural, turismo de surf, turismo urbano, turismo nocturno.
Espera mais turistas este ano?
Sim, porque Portugal é ainda o destino turístico mais barato da Europa Ocidental.
Autora: Cristina Costa