Segundo o PorData, em 2021, estavam matriculados no ensino superior mais de 335 mil alunos e quase 69 mil jovens estavam hospedados em pousadas de juventude.
Para perceber a realidade dos jovens que vivenciam esta situação em específico, falámos com cinco estudantes de uma pós-graduação em jornalismo, que vieram, de diferentes partes do país, estudar em Lisboa.
Ana Fernandes tem 21 anos e nasceu em Guimarães, onde viveu toda a sua vida até ter entrado numa licenciatura no Porto. Foi aí que teve o primeiro contacto com a vida fora da casa dos pais. No final de 2022, mudou-se para Lisboa para fazer a pós-graduação.
Como soube relativamente em cima do acontecimento que tinha entrado no curso, o tempo para arranjar casa ou quarto já era escasso. “Soube que entrei no curso quando faltava menos de um mês para as aulas começarem. Nos primeiros três dias de aulas fiquei alojada num hotel, porque não conseguimos mesmo arranjar casa ou quarto.”
Esta procura incessante por alojamento mostrou ser um desafio maior do que Ana esperava: “Foi muito difícil encontrar um sítio para ficar, principalmente pelo facto de a pós-graduação ser só de um ano. A maioria dos locais não me queriam por ficar pouco tempo, isto porque os arrendatários queriam contratos de maior duração.”
“Agora estou numa casa a pagar a renda, a alimentação, os transportes e as propinas. Os meus pais dizem sempre que, no que toca à educação, investem o que for preciso. No que diz respeito ao alojamento, quando chegámos à parte da escolha de casa, em setembro e outubro tive de procurar com alguma pressa, mas na altura do natal muita gente vai de erasmus e os que estão cá vão para casa. Por isso, houve muita opção de escolha nessa altura”, contou Ana.
Raquel Almeida tem 21 anos e é de Viseu. É o quarto ano que está a viver em Lisboa. Veio a primeira vez em 2019 para fazer a licenciatura no ISCSP e, agora, a pós-graduação. Contudo, para Raquel, o processo acabou por ser mais fácil do que o de Ana Fernandes.
Bárbara Galego, Raquel Almeida, Ana Fernandes, Ana Leão e Ana Rita Cunha, como muitos outros jovens portugueses, contam com o apoio da família para concluir os estudos no ensino superior.
“Como já tinha alguma certeza de que ia entrar em Lisboa, eu e as minhas colegas de Viseu começámos a procurar casas com antecedência. Acabámos por encontrar a casa onde estamos até agora. Tiramos um dia inteiro para ir a Lisboa com calma ver as casas, comparar os preços e ver as condições. Logo nesse dia decidimos que seria aquela a casa, tivemos a sorte de encontrar uma que nos agradou imenso mas sei que não é toda a gente que tem essa sorte”, comentou Raquel.
Como Raquel está na mesma casa há quatro anos, a inflação não se fez sentir no valor da renda. No entanto, não deixa de sentir uma certa pressão financeira noutras questões: “Cada vez é mais difícil. A prestação das propinas este ano é mais alta do que a dos anos anteriores e a questão da inflação no país em relação a alimentos e deslocações não ajuda. Esta fase foi muito pensada pelos meus pais. Sei que começaram a juntar dinheiro que seria dedicado exclusivamente aos meus estudos, o que acaba por ajudar bastante tendo em conta que não existe nenhuma ajuda exterior.”
Mas o facto de ter um irmão mais novo que está prestes a entrar na faculdade, acaba por apertar mais a nível de gastos. “A despesa não pode ser toda comigo mas, para já, com muito esforço, que eu sei que existe da parte dos meus pais, temo-nos conseguido manter firmes em relação a isso. Este será o último ano de esforço, com a esperança de que, brevemente, eu consiga minimamente dar alguma ajuda com as despesas.”
Bárbara Galego, de 21 anos, estuda em Lisboa há quatro, tal como Raquel. Ao contrário da amiga, Bárbara não esteve no processo de procura de casa até ao terceiro ano da licenciatura. Viveu os dois primeiros anos em casa dos avós, na Ramada.
Quando teve de sair, por motivos de saúde, a estudante conta que “a inflação já se fazia sentir, mas não tanto como agora”. Bárbara sentiu que precisava de ganhar algum dinheiro para acrescentar à ajuda que os pais davam: “Faço pequenos trabalhos mas nada recorrente e trabalhei no verão passado. Eu tenho uma mesada que inclui deslocações, alimentação e despesas pessoais do dia a dia que possam surgir… O dinheiro fica mesmo contado, sobra muito pouco para as minhas coisas.”
Ana Rita Cunha tem 22 anos e é de Lousada. Fez a licenciatura em Coimbra e este é o primeiro ano a estudar em Lisboa, tal como Ana Fernandes. Ana Rita conta que conseguiu a casa através de uma amiga que já morava nela. “Eu sabia que ela ia sair e entrei no lugar dela. Estive a ver muitas casas na internet a preços absurdos, muito longe e nada daquilo que encontrei se encaixava no meu orçamento. Em julho já tinha casa e as aulas começaram em outubro.”
Ana Rita percebeu que tinha de ajudar os pais com os gastos, por isso, decidiu fazer trabalhos pontuais ao fim de semana para conseguir algum dinheiro extra. “É muito complicado conciliar todas as despesas. Eu tenho a sorte de ter pais que ajudam muito, mas,já mesmo quando estava em Coimbra senti que tinha de começar a trabalhar para não sobrecarregar os meus pais. Eles têm outra filha que vai entrar para a faculdade e que também vai precisar de tudo o que eu preciso. Por isso, decidi fazer alguns trabalhos que dão para conciliar com a Universidade.”
Ana Leão é do Porto, tem 21 anos e tirou a licenciatura em Coimbra, juntamente com Ana Rita Cunha. Vieram as duas para a mesma pós-graduação mas não ficaram na mesma casa. “Comecei a procurar alojamento por volta do mês de agosto/setembro, quando soube que tinha entrado na pós-graduação. O processo foi feito através da internet. Agendei visitas a duas casas e tirei um dia para ir a Lisboa com o meu namorado vê-las. Acabei por ficar com a segunda que vi, que é aquela onde estou agora.”
Durante a licenciatura, Ana Leão foi trabalhadora-estudante. Ia a casa todos os fins de semana e trabalhava num supermercado onde fazia nove horas por dia. Aos domingos apanhava um autocarro para Coimbra e mal conseguia estar com os pais. “Quando vim para Lisboa, optei por sair do trabalho porque não conseguia ir e vir todos os fins de semana. Agora, faço trabalhos pontuais. O tempo e o dinheiro que gasto a ir a casa não compensa, então há meses em que vou de três em três semanas”, comentou Ana. “Os meus pais pagam as propinas, a casa, os transportes em Lisboa e eu pago as viagens de regresso a casa e a volta para Lisboa.”
“Ando sempre a pensar em dinheiro e sempre a fazer contas”
A quantidade de gastos existentes já parecem suficientes para estas jovens. Entre propinas, alojamento, alimentação e transportes dentro da cidade, acrescenta-se ainda as deslocações de regresso a casa e eventuais saídas sociais, como por exemplo, jantares ou almoços de aniversário, idas ao café com amigos e até mesmo compras mais pessoais. O que une as cinco jovens, é o pensamento de que há escolhas que têm de ser feitas.
Raquel Almeida refere que não é uma pessoa que gasta muito, contudo afirma que as viagens para Viseu sempre foram uma prioridade: “Sempre preferi optar por não sair à noite ou não comprar determinadas coisas para poder ir a casa.”
Para Ana Fernandes, o mais difícil é mesmo ceder à vontade de ir para um café com os amigos. “Ainda por cima não sendo de Lisboa dá mais vontade de fazer estas coisas, mas acabo por não me permitir ter esses mimos todos porque tenho de me consciencializar de que tenho outras contas a pagar que são mais importantes. No primeiro semestre trabalhei na residência porque estava incluído e ajudou-me imenso porque era um extra para o que fosse preciso.”
Ao contrário das amigas, Bárbara Galego prefere jantar sopa todos os dias e ir aos aniversários a que for convidada para poder socializar. “Não vou estar a pedir mais dinheiro aos meus pais por coisas supérfluas, então oriento-me assim. Tento gastar tudo o que tenho em casa para evitar ir ao supermercado tantas vezes e faço comidas mais básicas para poder socializar mais.”
Ana Rita Cunha menciona que sente uma certa pressão financeira, mesmo tendo ajuda dos pais e trabalhando aos fins de semana. “Eu sinto que tenho de ficar em casa e não sair tantas vezes para não gastar o dinheiro que me esforço tanto a juntar para a vida em Lisboa. Ando sempre a pensar em dinheiro e sempre a fazer contas.”
Ana Leão diz sentir que tem de ajudar os pais com os gastos, mas que não é fácil por não ter um ordenado fixo ao fim do mês: “Ganho pouco mas tento ajudar no que posso. Quando vou ao supermercado não compro o que me apetece, compro só o que é mesmo preciso.”
“Existem muitas burlas. Encontrávamos um alojamento que era perfeito mas acabava por ser falso”
O processo de procura de casa em Lisboa é, para muitos, assustador e desafiante. As palavras de ordem da descrição desta fase são, maioritariamente, “assustador”, “caótico” e “stressante”. Foi assim que as jovens descreveram aqueles meses das suas vidas.
“O receio de não conseguir algo bom, mais a pressão de pensar que tenho de ter uma casa senão não tenho onde ficar, é muito grande. No meu caso não foi bem assim porque agimos com antecedência. Mas acaba por ser muito assustador e coloca muita pressão sobre nós”, afirmou Raquel.
“Dá muita ansiedade. No ano passado foi tão difícil que passávamos dias inteiros a pesquisar e a ligar, mas depois não nos respondiam.” Bárbara Galego passou por uma situação que afeta jovens por todo o país. “Existem muitas burlas, encontrávamos um alojamento que era perfeito mas, depois, acabava por ser falso.”
Este tema das burlas não é de agora. Todos os anos existem notícias sobre os diversos tipos de burlas. Por isso, ao pesquisar por uma casa ou quarto, os jovens acabam por ter um cuidado extra para ter a certeza de que não vão ser enganados e para que este processo, que já mostrou ser desafiante, não se torne ainda mais difícil.
Ana Rita Cunha conta que não pensava em mais nada até conseguir casa: “Soube que tinha entrado na pós-graduação em maio/junho e, a partir daí, não descansei enquanto não arranjei casa. Foi muito stressante.
“As pessoas de fora não vão ter um lugar em Lisboa.”
A pensar no futuro que querem fazer em Lisboa, o que mais preocupa os jovens é o dinheiro e como vão conseguir sustentar uma casa e pagar as despesas básicas. O ordenado mínimo em Portugal, atualmente, é de 760€. Ao pesquisar o site da agência Idealista, conseguiu observar-se que a grande maioria dos quartos disponíveis na Grande Lisboa rondam os 600 euros por mês. Isto, para um jovem que vive sozinho, num quarto considerado pequeno e onde a casa é partilhada com mais pessoas. Ou seja, dos 760€ do ordenado mínimo, sobram cerca de 160€ para a alimentação, higiene básica, deslocações e vida social.
E para uma vida em casal? Se um quarto numa casa partilhada custa quase o ordenado mínimo, será que dois ordenados mínimos pagam a renda de uma casa na zona de Lisboa? No mesmo site, fomos ver a quanto ficava um apartamento. No Campo Pequeno, um T2 custa 3.300€ por mês. No Alto de Santo Amaro, em Alcântara, um T1 fica a 1.200€. Já na zona da Lapa, um T1 fica a 1.350€. Ou seja, um casal que ganhe 1.520€ no final do mês e que paga uma renda à volta de mil e duzentos euros por mês, fica com 320€ para as restantes despesas. Aqui, entra a questão: e os filhos?
Bárbara Galego prevê não conseguir morar sozinha em Lisboa no futuro: “nunca o vou conseguir, nem mesmo nos primeiros anos de trabalhadora. É isso que me deixa ansiosa. Com 25 anos não quero estar, ainda, num quarto de estudantes, quero ter a minha casa.”
Ana Leão chega mesmo a afirmar que “é impossível viver em Lisboa”. “Todos os dias vemos as notícias onde mostram os créditos à habitação a aumentar e um quarto a custar de 600 a 700 euros. Mesmo que eu queira ficar a viver em Lisboa, que é algo que quero imenso no futuro, pergunto-me como vou conseguir. Se eu ganhar mil euros por mês e o meu companheiro ganhar outros mil, metade é para uma renda de uma casa! O que vamos fazer com o que sobra? Para a alimentação, para outras despesas ou até mesmo se quisermos ter filhos, acaba por ser uma missão impossível. A menos que tenham familiares ou já tenham casa própria, acho que as pessoas de fora não vão ter um lugar em Lisboa.”
A situação é precária entre os jovens estudantes e os jovens trabalhadores. Bárbara acaba mesmo por contar que “há pessoas que deixam de estudar por não terem possibilidades de pagar alojamento e todas as outras despesas. Não conheço nenhum caso em particular, mas já ouvi pessoas a contar essas histórias sobre conhecidos. E é muito triste que assim seja”.