“O desenho foi sempre delegado para 2º plano. O que está antes, o que não se vê. O que quis fazer foi o encontro. Aquilo que o espectador percebe é que existe um encontro e que esse encontro pode ser diverso: amigável, ou tenso.”, explica Rita de Sá sobre a as últimas obras.
No encontro do desenho e da pintura pretende marcar uma posição: a pesquisa do desenho na história da pintura. A artista plástica trabalha entre as Caldas da Rainha, onde tem atelier no hub criativo da Ceres, e Londres.
Durante muitos anos fez trabalho a preto e branco, quando estudava gravura o trabalho era monocromático, as professoras da ESAD- Caldas da Rainha disseram-lhe que a sua arte seria pintura e não gravura, pela relação e o estudo da cor. “Passados 20 anos faz muito sentido essa descoberta”.
Os trabalhos que começou a desenvolver em Londres vêm da relação do encontro do desenho com a pintura. A série After Turner inspirado no pintor britânico William Turner conhecido pela sua obsessão pelas paisagens perfeitas e pela captação da cor e da luz da paisagem, famoso por quebrar paradigmas na própria pintura.
Rita de Sá passou muito tempo na sala do Turner na Tate Britain só a olhar a pintura. “Esta série consiste em desenhos em papel, em que existe um encontro do desenho com a pintura. A parte de cor é feita em tinta de óleo, normalmente usada na pintura clássica e não é usada no suporte de papel”, teve de encontrar um papel e tinta especial, utiliza tinta de óleo em barra.
Não há pincel, mas há o gesto da mão, tal como o lápis, usa a mão para pintar. O gesto que se vê na pintura é o mesmo gesto que existe no desenho, relação direta com o papel.
Exposição na Galeria Cisterna
Na série After You existe “só uma relação da pintura e a mancha encontro de 2 elementos/ objectos. Daí a pressão, enquanto na pintura existe ligação, diálogo, o próprio fundo branco cria uma tensão, mais aberta e mais livre mais condensada. “
As séries de pinturas com fundos brancos After You deram nome à última exposição individual na Galeria Cisterna, com a exposição de 4 séries: After You, After After Turner, Run e Looking After You Too.
As obras After After turner, e Looking After You Too apresentam desenhos de lápis de grafite em papel – pequenos e grandes.
Partem de um estudo sobre a paisagem inspirado no pintor britânico William Turner. “São objetos, são corpos manifestação física de um gesto da memória, aquilo que quero imprimir nesta representação ou abstração é imprimir um sentimento, que obviamente está relacionada com as nossas memórias.” Seja memória pessoal durante todo o processo de trabalho, ou no próprio gesto ou na escolha cromática e na memória coletiva das pessoas quando olham e tentam ter referências.
Na inauguração desta exposição chegaram a identificar luto nas suas pinturas devido ao fundo negro de onde surge as machas. Mas admite que “todos criam um significado para as manchas”.
Para a artista a “memória é algo que deixou de existir, e fica uma marca, um gesto, um cheiro, algo que gostamos tanto, é a única coisa que preserva algo que aconteceu e que já não existe.
Arte do ensino artístico
Rita de Sá preocupa-se muito com a relação das crianças com o desenho, quer saber “como é que funciona neurologicamente” o nosso desenvolvimento na relação com o desenho. “Uma parte que as marca dramaticamente é quando aprendem a ler e escrever, a relação com o desenho muda completamente”.
Pergunto se ter sido mãe desencadeou em si esse interesse, mas revela que o seu estudo sobre o desenvolvimento do desenho na criança começou antes de ser mãe. Uma das cadeiras de mestrado em Ensino das Artes visuais é a didática do desenho, onde explorou todas as didáticas que existiram ao longo dos séculos da aprendizagem do desenho. No mestrado ganhou consciência de como funciona o cérebro nas várias fases do desenvolvimento da criança e do ser humano.
Iniciou a fase curricular do mestrado em Belas-Artes em Lisboa, mas é em Londres que escreve a parte de tese. Onde encontrou uma nova dimensão sobre a arte, diz-me que “há toda uma posição e consciencialização da Arte um pouco diferente.”
Reino Unido muito diferente de Portugal?
“No Reino Unido há muitos apoios para a cultura, o mundo da arte é muito diverso, com muitos nichos. Em Portugal há menos nichos e menos apoios. As coisas tendem mudar em Portugal, cada vez há mais apoios, mas ainda existe o sentimento de não ser apoiado. Também é um processo de construção, desconstrução ao longo da vida.”, comenta a artista plástica.
Em Londres continua o pensamento da arte, terminou o mestrado, não deu aulas no ensino regular, preferiu dar aulas particulares, descobriu “um universo grande” de familias em homeshooling, ou familias que queriam dar aulas de artes visuais aos filhos em casa. “Trabalhava com familias em que uma criança estava a ter aula de piano e eu dava aulas de pintura ou desenho”. Conheceu muitas familias com crianças em homeshooling que gostavam de ter apoio ou tutoria em artes visuais, para a preparação de exames, construção de portfolios de artes visuais para serem avaliados pela escola. Foi nessa altura que começou a pensar em homeshooling para os filhos, e nas possibilidades que se podem desenvolver com as crianças no ensino artístico. Considera ter sido “uma surpresa”, que adotou para os seus filhos.
Está neste momento a produzir a série com fundo preto After You Too onde explora como funciona a pressão com outro tipo de intensidade de cor, “completamente diferente do fundo branco”.
Rita de Sá prepara uma mostra de obras de pintura para este ano, tem o objetivo de fazer a exposição que “ainda não aconteceu” na cidade das Caldas da Rainha.