Sem grandes aparatos, à torrente do sol e ao final da tarde do último domingo, três dezenas de pessoas reuniram-se na Praça dos Restauradores para manifestarem-se contra Putin. Timofey Bugaevsky, um dos organizadores do protesto, alinhado com a sombra do obelisco, de frente para o Rossio, proferia aos ouvintes os argumentos já conhecidos, que culminaram no nome da manifestação: “Putin é um assassino”.
O megafone na mão de Timofey pouco amplificava as suas palavras, que eram difíceis de ouvir até para os que estavam mais próximos. As tradicionais férias de verão do mês de agosto trocaram as voltas ao organizador, que esperava a presença pelo menos 200 pessoas no protesto. Além de Lisboa e Porto, outras cidades do mundo também se juntaram à campanha internacional contra Putin. Em Portugal, quem encabeçou os eventos foi a Associação de Russos Livres, ligada à comunidade Free Russians Global e à organização Comité Anti Guerra da Rússia.
Tal como Timofey Bugaevsky, a maioria dos presentes eram russos a residir em Portugal. Estes traziam pequenas bandeiras azuis e brancas, livres do vermelho bolchevique, símbolo adotado pela oposição à invasão da russa à Ucrânia. Mais afastados do local onde foram proferidos os discursos, viam-se dissidentes iranianos com bandeiras em honra da antiga monarquia. Apesar do principal alvo ser o presidente russo, outras figuras estavam em xeque, como é o caso do Líder Supremo do Irão, Ali Khameini. “Os regimes ditatoriais estão a aumentar esforços e a ajudar-se uns aos outros. Nós devemos também juntarmo-nos para lutar contra eles. Quando um deles cair, os outros cairão de seguida. As pessoas nesses países estão à espera de uma história com final feliz”, disse Timofey à TejoMag.
Cerca de 30 manifestantes reuniram-se este domingo na Praça dos Restauradores para condenar a guerra / DR
Enquanto em contexto de guerra os dois países se unem para fomentar o conflito através do fornecimento de armas por Teerão a Moscovo, a Ocidente os dois povos unem-se em prol da paz. Para os iranianos, Mahsa Amini é um símbolo de esperança, para os russos, a mudança reside em Alexei Navalny, o único opositor político a Putin. Foi a Fundação Anticorrupção (FBK), uma organização sem fins lucrativos que investiga e expõe casos de corrupção na Rússia, criada por Navalny em 2011, que iniciou o evento internacional a que se juntou Portugal, pela ligação à Associação de Russos Livres. Mas nem todas as atividades da Associação de Russos Livres são promovidas pela FBK. Timofey estabelece a diferença: “eles são políticos e nós somos ativistas”.
O dia da manifestação, 20 de agosto, foi escolhido exatamente por se tratar do terceiro aniversário do envenenamento de Navalny. Como referem os organizadores do evento na rede social Facebook, o objetivo foi “lembrar a existência dos detidos – Alexei Navalny e todos os prisioneiros políticos na Rússia”. No início do mês, o opositor russo que se encontrava a cumprir uma pena de 11 anos e meio de prisão, foi condenado a mais 19 anos de prisão pela justiça russa.
Tim Chernov, de 47 anos, saiu da Rússia cinco dias depois do começo da guerra. Teve de abandonar o seu país por apoiar a oposição. O manifestante conta que um dos seus melhores amigos foi preso apenas por ter partilhado uma publicação no Facebook sobre o que o exército russo fez em Bucha. “Mas eu não posso continuar calado se sou russo. Não posso dizer que não há guerra. Há guerra e Putin está a fazer coisas maléficas. Aqui posso falar e dizer Putin: tu és um ditador”. A descrição da cidade e da hospitalidade dos portugueses na obra Uma Noite em Lisboa, de Erich Maria Remarque fê-lo tomar a decisão de estabelecer-se cá.
Estar no protesto é uma das formas de ter voz. Se voltar para a Rússia pode ser preso ou obrigado a ir para a linha da frente. Ter abandonado o seu país não foi uma escolha fácil, diz Tim que continua a ver a família a cada três ou quatro meses, “quando têm dinheiro suficiente para os bilhetes”. Vir para Portugal foi uma escolha sem alternativa, da mesma maneira que apoiar Navalny também o é.
Na Rússia, Tim Chernov foi sempre a todos os protestos e até doava dinheiro à oposição. Mas admite que “se houvesse mais alguém para além de Navalny, talvez apoiasse outra pessoa”, prossegue. “Ele é o único líder da única oposição e tem as suas próprias ideias e imperfeições”. Para o russo, a falta de alternativas leva-o a questionar o rumo do país. “Se ele fosse o líder poderia ser um grande ditador; não sei… Ele tem muitos mais pontos positivos do que Putin. Agora é um tipo super simpático, mas se chegar ao poder ninguém sabe como será.”
Navalny quer “tornar a Rússia livre e por causa disso está na prisão. Está a abrir o regime através das suas fraquezas, com os seus programas, vídeos e pesquisas.”, reconhece Tim Chernov, justificando os motivos que o levam a defendê-lo. Segundo ele, haverá uma revolução. “Lenin era um homem muito zangado e motivado. Era um assassino em massa. Matou milhões e milhões de pessoas. Não acho que Navalny faria isso, mas é um revolucionário e isso é muito bom. É um magnata da revolução. Pode iniciar a revolução”. Porém, “não há nenhuma possibilidade que se faça como no 25 de abril. Não haverá flores. Tem de ser algo muito forte contra Putin, porque ele é muito poderoso”.
Manifestantes russos e iranianos uniram-se contra regimes ditatoriais / DR
Aos iranianos e russos, pelo menos quatro portugueses juntaram-se ao protesto. Todos com mais de 60 anos, como é o caso de Irene Guerreiro, de 78 anos e Christine, de 74, uma cidadã francesa a residir em Portugal há 50 décadas. Quando a pequena multidão estava a desmobilizar, as duas senhoras foram trocar dois dedos de conversa com os organizadores. Após ver as imagens do ataque de Moscovo a Cherniv na televisão e a informação de que um protesto ocorreria na Praça dos Restauradores, Irene nem pensou duas vezes. “Vim de propósito”, exclama. Descontente com o reduzido número de pessoas ali presentes, desabafa com os protestantes russos que os primeiros protestos tiveram muito mais impacto e amplitude. Relembra as iniciativas em frente a Embaixada da Federação da Rússia e da juventude a gritar “abaixo a guerra”. “Agora não há tanta pressão, mas devia de haver, porque a guerra está a intensificar-se”.
Christine, veterana em manifestações contra guerra, inclusive contra a Guerra do Vietname, reforça a necessidade de se chegar a mais pessoas:“faz-me confusão ver tão pouca gente. A divulgação é muito importante junto dos sindicatos, nas escolas, no metro, na rua”. Terminada a conversa, Irene Guerreiro não deixa de comentar: “Vou triste. Gostava de ver mais entusiasmo contra Putin”.