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Teste da chávena de café é o novo truque utilizado nas entrevistas de emprego

Se a entrevista de emprego é, por norma, um momento que implica algum nervosismo, também é verdade que existem coisas tão simples que passam despercebidas aos entrevistado. No entanto, podem ser tão ou mais importante do que as respostas dadas. O teste da chavena de café é precisamente um desses exemplos e é algo que os recrutadores dão cada vez mais importância. 

Trent Innes, antigo diretor-geral da Xero Austrália, explicou como se recusa a contratar alguém que não devolva uma chávena vazia à cozinha no final da entrevista.

Teste da chávena de café é decisivo

“Levo-os sempre a passear por uma das nossas cozinhas. E, de alguma forma, acabam por sair de lá com uma bebida”, começa por explicar em entrevista ao podcast The Venture. “Faço a entrevista e uma das coisas que tento perceber no final é o que a pessoa irá fazer com o copo vazio. Irá levá-lo de volta para a cozinha?”, acrescenta.

Para o CEO, os candidatos que levam as chávenas usadas de volta para a cozinha demonstram ter um forte espírito de equipa e mostram consideração pelas outras pessoas que trabalham no mesmo local. Por outro lado, considera preocupante quando os candidatos terminam a entrevista e deixam o copo vazio em cima da mesa.

“Podem desenvolver habilidades, podem ganhar conhecimento e experiência, mas tudo se resume à atitude. E a atitude de que falamos muito é o conceito de ‘lavar a sua chávena de café'”, termina.

Des(Emprego) Des(Encanto)

Em Portugal, o emprego tem um impacto significativo na qualidade de vida das pessoas. Quando se verifica uma taxa alta de emprego, a estabilidade financeira associada, gera naturalmente uma sensação de segurança. A estabilidade financeira advinda do emprego estável abre novas possibilidades de progressão nas carreiras profissionais através do investimento em formação e desenvolvimento de novas competências e consequentemente mais oportunidades de emprego.

Pelo contrário, quando há altas taxas de desemprego, os impactos na vida das pessoas e das famílias é exatamente o oposto.

Após meses de alguma indefinição nos sinais dados pelo mercado de trabalho, tendo em conta a guerra e a subida dos juros, o retrato do final do ano, a coincidir com a quase estagnação económica do 4º trimestre, sugere já uma reviravolta nos indicadores de desemprego e emprego.

Em janeiro, a taxa de desemprego subiu para 7,1%. Estas são as estimativas provisórias do INE que destacam este valor como sendo o mais elevado desde novembro de 2020, quando nos encontrávamos em plena pandemia e o valor era de 7,3%. São quase 375 mil o número de desempregados em Portugal, mais 68,3 mil do que em igual mês de 2022. Ainda há muitas pessoas que não têm emprego ou que trabalham em empregos precários.

Já a população ativa aumentou 0,8% para um total de 5.267,5 mil indivíduos, mais 43,6 mil pessoas do que em dezembro. Também a população empregada cresceu, embora a uma cadência menor: eram 4.892,7 mil pessoas em janeiro, mais 0,5% do que em dezembro. São mais 24 mil empregados comparativamente a dezembro.

Assim sendo, a população inativa diminuiu 0,4% em relação a dezembro. Atualmente são 2.424,7 mil pessoas, menos 10,3 mil do que em dezembro. É importante relevar que é o valor mais baixo desde fevereiro de 1998.

O desemprego em Portugal tem sido um problema persistente nos últimos anos. Embora as taxas de desemprego tenham diminuído nos últimos anos, ainda há muitas pessoas que não têm emprego ou que trabalham em empregos precários.

O desemprego para além dos efeitos na economia do país impacta em múltiplos aspetos ao nível da qualidade de vida, como a saúde mental e a autoestima. Pessoas desempregadas tendem a sentir-se desvalorizadas e com falta de propósito, o que pode levar a problemas como ansiedade, depressão e isolamento social.

O Primeiro-Ministro António Costa, em dezembro último, destacou a aposta do Governo na educação, na habitação acessível e numa agenda de trabalho digno, como políticas basilares para que o país retenha as suas novas gerações e para que os jovens se possam realizar plenamente em Portugal.

Mencionou ainda que: “A nova geração nos oferece o maior ativo que um país pode ter: cidadãos mais qualificados. Temos por isso a obrigação de assegurar que estes jovens podem escolher Portugal para trabalhar”, avisa.

No entanto, de nada adianta ter potencial se nada é feito para aproveitá-lo a nível máximo. Assistimos com frequência às queixas justificadas dos jovens relativamente à dificuldade em conseguirem emprego e consequentemente experiência profissional significativa nas respetivas áreas de estudo. A saída de casa dos pais resulta no aluguer de um quarto a preços equivalentes ao de uma casa.  O acesso aos estágios profissionais – remunerados ou não – são hoje mais uma dificuldade. Um estudante após ter investido pelo menos cinco anos da própria vida a realizar uma Licenciatura e um Mestrado, sai da universidade com uma certeza – sabe que não irá ganhar muito mais do que mil euros por mês.

“A agenda do trabalho digno é absolutamente fundamental”, referiu ainda o Primeiro-Ministro defendendo a necessidade de combater a precariedade e garantir a conciliação da vida profissional e familiar, algo que atualmente é muito valorizado. Contudo, verifica-se um desfasamento entre as intenções destas políticas e a concretização das expectativas dos jovens e as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho, que impacta a satisfação e realização pessoal com o emprego.

Muitos jovens começam o seu projeto de vida a ponderar seriamente emigrar, transferindo o seu talento, competências e força de trabalho para outro país.

É urgente reverter esta situação. Vejo com esperança este novo olhar do Governo quanto às recentes alterações legislativas. A agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho é um conjunto de medidas que tem como objetivo melhorar as condições de trabalho e a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.

Das principais medidas de alteração às Leis do Trabalho destacam-se as seguintes:
•    a duração dos contratos temporários passa a ter limites máximos, quando esteja a ser desempenhada a mesma função, ainda que a entidade empregadora seja diferente;
•    os estágios profissionais passam a ser remunerados no mínimo por 80% do Salário Mínimo Nacional;
•    as bolsas de estágio IEFP para licenciados são aumentadas para 960€.

Das medidas de apoio à Família destacam-se:
•    a licença de parentalidade exclusiva do pai passa para 28 dias consecutivos;
•    criação da licença por luto gestacional, que pode ir até aos três dias;
•    a licença por falecimento do cônjuge passa para 20 dias;
•    o direito ao teletrabalho, sem necessidade de acordo, é alargado aos pais com crianças com deficiência, doença crónica ou doença oncológica;
•    são alargadas as dispensas e as licenças a quem quer adotar ou ser família de acolhimento.

Uma sociedade responsável é medida pela forma como trata os “seus”, assim as medidas apresentadas anteriormente relativamente à Família e a medida relativa aos cuidadores informais não principais que passam a ter uma licença de cinco dias e o direito a 15 dias de faltas justificadas, refletem essa mesma consciencialização.

Estas medidas de alteração das Leis do Trabalho constituíram e constituem uma das principais bandeiras do CDS-PP contribuindo para a esperança e o encanto que a ação política responsável socialmente, ainda nos acalenta.

Patrícia Rapazote

Saída em liberdade: “o importante é a sociedade não nos virar as costas”

Um tema tabu?

A prisão continua a ser um assunto tabu. A falta de interesse por parte do público geral acaba por exigir menos informação, sendo que “há muita coisa que não está a ser medida e muita coisa que não está a ser comunicada” diz-nos Inês Tavares, coordenadora do projeto Reshape Ceramics.

Em 2015 nasceu a Associação Reshape com o objetivo de tornar os Estabelecimentos Prisionais (EP) em Casas de Detenção focadas na reintegração dos reclusos. Inês Tavares acrescenta que estes estabelecimentos alternativos procuram ser “de pequena escala, de tratamento diferenciado e junto da comunidade”. A coordenadora do projeto de reintegração de reclusos avança que umas das propostas legislativas apresentadas pela Reshape é, precisamente, “permitir que casas de detenção existam para pessoas que estejam a cumprir o final da pena”.

Saída em liberdade

Por norma, em Portugal, os condenados não cumprem a pena completa, saindo, no caso de bom comportamento, aos dois terços. No entanto, são muitas as coisas que têm de reaprender a fazer, como por exemplo todas as obrigações burocráticas “que estiveram em pausa durante aquele tempo”. Por outro lado, é provável que “a situação familiar e de amigos” tenha mudado, o que implica uma adaptação à nova realidade, afirma Inês Tavares no atelier da Reshape Ceramics em Lisboa.

Na Casa de Saída, a educadora social da associação Confiar, Cátia Correia, aponta para uma falha na gestão dos documentos de identificação: “têm de sair de forma legal, e saem com uma ilegalidade cometida por eles, que é o cartão de cidadão fora de validade. Não é que eles sejam ilegais, porque eles têm o documento, mas está fora de validade, não serve para nada.” Alberto Borges, monitor voluntário também na Associação Confiar, acrescenta outros casos concretos como “o  IRS por fazer durante anos (…), multas acumuladas no site das finanças, não fecham atividade” conclui que existe um “abandono total daquilo que é a realidade.” Por outro lado, para preparar a saída, seria importante ajudar o recluso a “inscrever-se no centro de emprego, se não arranjar emprego no início, pelo menos ir para uma formação profissional.”

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Atelier da Reshape Ceramics em Arroios onde se produzem peças de cerâmica únicas.

O primeiro trabalho

São várias as dificuldades em conseguir o primeiro emprego, como diz Inês Tavares, trata-se de um público que “em geral vem de uma classe social mais baixa, que não tiveram as mesmas oportunidades, que saíram da escola muito cedo, que o tempo de reclusão também as afetou a nível psicológico e físico”, mais ainda, “muitos deles nunca sequer tiveram trabalhos formais antes de entrar numa prisão, nunca foram a uma entrevista de trabalho ou nunca fizeram um CV.” Para além disso, o vazio que fica num curriculum vitae é difícil de explicar numa entrevista de emprego, “mentir não funciona” e, por isso, incentivam sempre a que cada um conte “a sua história” e aquilo que de facto estiveram a fazer, sendo que muitos “aproveitam o tempo que estão lá dentro para terminar o 9º ou o 12º ano”. Por outro lado,“há empresas que percebem que para terem pessoas a trabalhar têm de ignorar este fator que não tem nada a ver com a capacidade das pessoas de trabalhar.”

Com o lema “um trabalho, um trabalho melhor, uma carreira”, a Reshape Ceramics localiza esforços na formação e no emprego de todos aqueles que procuram ajuda adaptando, à priori, as expectativas. O primeiro trabalho não tem de ser para sempre, mas será essencial para uma progressão na carreira.

Com vista a prestar apoio na reinserção efetiva dos reclusos, a Reshape Ceramics foi criada pela associação, em novembro de 2020.  Tirou partido de um atelier de cerâmica inteiramente montado no Estabelecimento Prisional de Caxias para dar formação e criar postos de trabalho. Mais tarde, abriu o atelier em Arroios onde contrata ex-reclusos. Ali encontramos o Jaime, de 44 anos, que aprendeu a arte da cerâmica no EP de Caxias, em 2019. Quando saiu em liberdade condicional, foi convidado para trabalhar no atelier de Lisboa onde está desde setembro de 2022. Neste momento mora com o pai o que lhe permite ir juntando o dinheiro que ganha. Confessa-nos que a Reshape “tem dado imenso apoio psicológico e financeiro.” O Jaime é o terceiro colaborador remunerado do projeto.

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Francisco, um dos utentes da associação Confiar, no seu quarto na Casa de Saída.

A Casa de Saída

Em 2018 é criada a Casa de Saída da associação Confiar com o objetivo, não só, de alojar ex-reclusos, mas principalmente, de garantir “um acompanhamento de proximidade dos utentes no processo de transição para a liberdade”, conforme nos conta Carolina Viana, presidente da associação. Acrescenta ainda que a ideia da Casa é que este público consiga “ integrar o mercado de trabalho e poupar algum dinheiro com vista à sua autonomização” uma vez que não têm qualquer despesa com renda, água, luz, comunicações e alimentação. Os 3 quartos da casa são destinados a pessoas “em cumprimento de pena em liberdade ou que já cumpriram a pena em reclusão e se encontram em situação de maior vulnerabilidade e exclusão social. Têm de estar aptos a ingressar no mercado de trabalho, não podem ter consumos ativos nem sofrer de nenhuma patologia psiquiátrica grave.” Até ao momento, não existe nenhum utente que tenha passado pela Casa que tenha reincidido.

Localizada no bairro de Alcoitão, Cascais, a Casa acolhe neste momento quatro inquilinos que procuram recomeçar as suas vidas. De forma a preservar a identidade de cada um, serão utilizados nomes fictícios – o Raúl, o Mário, o José, e o Francisco.

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A Casa de Saída é partilhada por quatro ex-reclusos.

O Raúl preparou a sua saída com a Confiar. Dentro da Casa vai-se adaptando às novas rotinas, como ir à Reefod buscar comida, as visita regulares de um cozinheiro que lhes ensina a gerir os alimentos e a cozinhar e, durante o fim de semana, limpar a casa. Depois de um ano e seis meses em prisão preventiva quer “arranjar um trabalho e voltar para Mem Martins”.

O Mário esteve preso duas vezes, aproveitou o tempo para tirar o 6º ano e um curso de jardinagem. A pouco tempo de sair, a sua técnica de reinserção falou-lhe da Confiar e foi assim que conseguiu um quarto na Casa de Saída. Agora quando pensa no futuro confidencia-nos que quer “arranjar um trabalho.”

O José é jardineiro na Câmara Municipal de Cascais, é aqui que está a tentar que o Raúl e o Mário comecem também a trabalhar. O espírito de entreajuda impera na casa, conhecem bem as dificuldades de recomeçar do zero.

O Francisco é o membro que está na Casa há mais tempo, fez em dezembro um ano. É açoreano. Passou grande parte da sua vida emigrado nos Estados Unidos. De regresso à ilha, é condenado e enviado para Pinheiro da Cruz. Quando a sua pena estava a chegar ao fim, conta-nos, “não sabia o que fazer (…) não sabia com quem podia falar” até que a Confiar o contactou. Com este apoio conseguiu solicitar o Rendimento Social de Inserção e, mais importante, uma casa onde ficar.

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O Mário procura conforto no livro da Bíblia.

Carlos Barbosa, um caso de sucesso

Carlos Barbosa, tem 45 anos e é natural da Reboleira. Esteve preso duas vezes, a primeira, quando tinha apenas 19 anos. Ao todo foram dezoito anos em privação de liberdade. Atualmente vive com a sua companheira e tem dois filhos, o Lucas, do primeiro casamento, e o Santiago.

Em conversa com a TejoMag, lembra-se do momento em que decidiu que aquele não seria mais o seu caminho: “perdi a minha mãe em 2005, e não me deixaram ir ao velório. Foi um momento difícil (…) mas aí bateu o clic, decidi mudar, ser uma pessoa melhor.” A partir de então Carlos Barbosa agarrou as rédeas da sua vida e, tal como tinha aprendido numa aula de ética ministrada pelo Professor Luís Graça, anterior presidente da associação Confiar, começou a “alimentar o cão bom” que havia dentro dele, depois de ter alimentado “o mau durante muitos anos.”

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Carlos Barbosa à porta da sede da associação Confiar no Linhó.

Aproveitou o tempo no EP para fazer um programa de desintoxicação cujo sucesso se deveu ao apoio das psicólogas. “Não parar” foi fundamental para cumprir os 12 anos de reclusão da segunda condena – “estar sempre a trabalhar, sempre a querer aprender coisas novas, era pedreiro, era faxina, depois fui para barbeiro, depois para ajudante de cozinheiro, nunca parei”.

A Confiar estendeu-lhe a mão neste processo e, quando saiu em liberdade, foi convidado para ser o responsável da Casa de Saída, no bairro de Alcoitão: “Estive lá quatro anos, correu bem, gostei da experiência, mas tive de seguir com a minha vida”. Hoje tem outros objetivos e, após ter aproveitado as oportunidades que lhe deram, conseguindo concluir o 9º ano e o curso de cabeleireiro profissional oferecido pela Escola de Alcabideche, está a iniciar novo projeto: a Barbearia do Bairro.

Carlos Barbosa vai remodelar o interior de uma carrinha e transformá-la numa barbearia ambulante com vista a oferecer este serviço nos bairros mais desfavorecidos: “Vou cortar o cabelo, vou andar de bairro em bairro (…) onde as pessoas não têm condições para cortar cabelo.” A grande recompensa diz ser a gratidão que lhe dá ajudar os outros: “Ajudaram-me bastante porque é que eu não hei-de ajudar as outras pessoas que precisam de mim?”

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Carlos Barbosa vai adaptar a carrinha para colocar em marcha o seu novo projeto, a Barbearia do Bairro. Ao fundo, o Estabelecimento Prisional do Linhó.

Carlos contou sempre com o apoio da família – das quatro irmãs e dos pais – mas a Confiar foi “um porto seguro”. Da sua experiência conta-nos que no momento de saída em liberdade o “importante é a sociedade não nos virar as costas, não nos fechar as portas.”

A história de Carlos Barbosa é um caso de sucesso que pode contribuir para alargar os horizontes dos jovens mais vulneráveis, tal como fez Johnson Semedo, uma referência para Carlos: “ele tirou várias crianças do mundo do crime e eu também gostava de fazer isso, com a minha história de vida  tentar mostrar que aquele não é o caminho certo, o caminho certo é estudar trabalhar, focar nas coisas boas que eles querem, não essa vida de criminalidade, vender droga, roubar. Esse caminho só nos leva ali [aponta para a prisão do Linhó]. Ou ali, ou ao cemitério.

Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

“A emergência da Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de criar efeitos disruptivos nos sistemas de emprego em todo o mundo. A futura implantação de algoritmos de largo espectro […] pode levar a mudanças consideráveis nos atuais padrões de trabalho, originar rapidamente muitos desempregados em todo o mundo e desestabilizar profundamente as relações laborais”, pode ler-se na descrição do projeto.

Começo por lhe perguntar o que é a Inteligência Artificial?

É o recurso a programação e algoritmos que permitem aos seres humanos obter informação mais facilmente sistematizada. Normalmente é aliada à tomada de decisão ou a processos de tomada de decisão. É o recurso a técnicas de computação para ajudar os seres humanos. 

Quais os objetivos desta investigação?

O Projeto InteliArt nasce de uma equipa multidisciplinar que encara os últimos desenvolvimentos na IA como podendo vir a ser problemáticos para o emprego, para o trabalho e para a organização em torno destes que existem nas sociedades, particularmente as mais industrializadas. É uma problemática que já há muitos anos estudamos, mas que agora se revela um bocadinho mais acutilante porque existe a aplicação de vários algoritmos considerados de largo espectro, isto é, que poderão ter efeitos em vários sistemas ao mesmo tempo que podem, de um momento para o outro, causar grandes danos nas estruturas económicas e de emprego. Este grupo tem vindo a trabalhar desde janeiro de 2021 e já ganhou vários prémios, como o Prémio Santander e do Ministério da Economia e do Mar em colaboração com a Google.

O projeto pretende analisar três setores em Portugal: o automóvel – porque tem impactos sobre muitas estruturas produtivas e muitas estruturas de trabalho nas sociedades mais industrializadas; o da banca e da logística. Nós temos trabalhado nestes últimos dois anos mais à volta do setor automóvel. Temos já vários artigos publicados sobre essa matéria que resumem um poucos os resultados que temos vindo a alcançar numa perspetiva de compreender qual é a capacidade que a IA tem de realmente ser aplicada às empresas portuguesas dado o elevado contraste na indústria automóvel entre empresas extremamente desenvolvidas e abertas ao mercado Internacional e empresas que simplesmente vivem para o mercado nacional. De facto, a aplicação da IA requer, do ponto de vista da gestão, que exista um conjunto de capacidades instaladas já na empresa, nomeadamente ao nível dos recursos humanos, para que se possa introduzir mais essa camada de tecnologia dentro das empresas. Nem todas as empresas estão capacitadas para receberem IA a sério. 

profnunoboavida_11 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

“Não é tanto um perigo de despedimento. Não seria por introdução de mais automação e IA que as pessoas perderiam o seu emprego, mas veriam o seu trabalho reafetado”

O primeiro passo foi perceber qual era a taxa de penetração que estes novos algoritmos podem ter na indústria portuguesa e nos serviços associados. Conseguimos perceber que há dois tipos de empresas diferentes: aquelas tecnologicamente mais avançadas que podem de facto receber algoritmos de apoio à produção ou de apoio à gestão. E aí pode haver mudanças nas estruturas do trabalho bastante significativas, embora no setor automóvel as alterações na estrutura do trabalho sejam mais ao nível da organização do trabalho e não tanto ligadas ao despedimento. Ou então à realocação de trabalhadores para outras atividades da mesma empresa. Não é tanto um perigo de despedimento. Não seria por introdução de mais automação e IA que as pessoas perderiam o seu emprego, mas veriam o seu trabalho reafetado. Por exemplo, na produção automóvel a aplicação de IA para a distribuição da cola nos vidros, deixou de ser o operador a pôr a cola e passou a ser um robô a aplicá-la, a analisá-la com IA. O operador passou para trás de um computador e só intervém em caso de défice ou de excesso de cola. Normalmente, são funções mais leves, mais de controlo ou de coordenação.

Está a ser dada formação adequada em Portugal?

Temos visto que as pessoas estão a sair formadas para mecatrónica automóvel, mas não lhes são dados conhecimentos de eletricidade que lhes permitam, por exemplo, agarrar a manutenção dos carros elétricos. Continuam com uma formação antiga para a manutenção de carros a diesel ou a gasolina, mas não saem com qualificações suficientes para poderem lidar com carros elétricos. Meter as mãos num carro elétrico, a pessoa habilita-se a morrer. Torna-se quase um imperativo formar as pessoas com o mínimo para que assegurem a sua segurança. Essa formação mecatrónica automóvel não está a ser dada e estamos preocupados com isso.

profnunoboavida_5 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados” 

“A Volkswagen queria instalar uma fábrica de baterias em Portugal, França ou Espanha e fugiu para Espanha. Passou completamente ao lado das autoridades portuguesas”

Por último, o projeto tem permitido também termos um contato mais aprofundado com as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores da indústria. Temos feito várias reuniões com sindicatos e comissões de trabalhadores das grandes empresas da indústria automóvel em Portugal para percebermos até que ponto é que estes representantes estão preparados para as transformações que vão ocorrer. Não só do carro elétrico, mas também da microeletrónica que é introduzida dentro dos carros, da preparação para o hidrogénio como alternativa aos carros elétricos. No fundo, a nossa preocupação é perceber qual é o nível de formação e qual é a capacidade que eles têm de também pressionarem as entidades portuguesas para captar investimento direto estrangeiro. 

A Volkswagen queria instalar uma fábrica de baterias em Portugal, França ou Espanha e fugiu para Espanha. Representaria em Portugal um brutal investimento, mas também uma capacidade de projetar a indústria e os serviços nacionais em torno de uma fábrica de baterias. Passou completamente ao lado das autoridades portuguesas. Não vamos conseguir dar o salto para a eletrificação do setor em Portugal.

Medidas para mitigar o impacto da IA no trabalho e emprego

Sabemos de estudos anteriores que existe alguma capacidade de introdução da IA no tecido económico português, mas esse será sempre nas empresas que são mais desenvolvidas ou que têm maior capacidade para se inovar e introduzir estes sistemas. Sabemos que os efeitos no emprego também têm muito que ver com a sensibilização de quem toma essas decisões para acautelar a introdução dessa tecnologia de várias formas. Primeiro, em diálogo com quem, de alguma forma, possa ajudar a pensar e mitigar os efeitos negativos que a IA pode causar. Como é o caso das comissões de trabalhadores e dos delegados sindicais. Por um lado, quem prepara a introdução da IA deve falar com quem vai trabalhar ou com quem representa as pessoas que vão trabalhar de forma a interiorizar essa nova organização do trabalho e ser produtivo. Caso contrário esbarram nos medos da tecnologia, na má vontade, na alienação. Na banca, assim como na logística, poderia ter-se ido muito mais além em termos de introdução de IA. Não se foi por razões de paz social. Se, por má vontade, se quisesse introduzir tudo o que se poderia introduzir, isto levaria a despedimentos, em particular, no setor dos serviços.

profnunoboavida_4 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

Fala-se em despedimentos e promoções com base em algoritmos. Faz sentido?

Já existe, sejamos claros. Poderão não estar disseminados em todos os setores de atividade económica ou em todas as empresas, mas qualquer empresa de média ou grande dimensão já os tem [algoritmos] a funcionar. Outro lado da mesma moeda é que o recrutamento de novos empregados é feito com IA. A questão é, se no final, quem recebe uma lista de pessoas a despedir tem um juízo a fazer sobre elas, uma monitorização da decisão e capacidade de voltar atrás na decisão ou não. 

“Todos aqueles fatores de discriminação que já existem na sociedade podem ser amplificados com a inteligência artificial”

Quais são os principais riscos da inclusão da IA no trabalho e emprego?

Há vários riscos associados. Uma máquina não é um ser humano pensante com capacidade reflexiva e com capacidade crítica. Não há um ser humano, uma entidade com vida por trás da máquina. Os riscos são também gerados pelas pessoas que criam, mantêm e implementam estes sistemas. Por exemplo: a não informação aos trabalhadores que estão a ser avaliados por IA cria suspeitas, mau ambiente que depois são muito difíceis de contornar. Pode levar à exclusão (sistémica). No fundo, todos aqueles fatores de discriminação que já existem na sociedade podem ser amplificados com a IA. Um erro feito por um ser humano pode ser corrigido; um erro feito por IA muitas vezes é uma caixa negra sobre o qual não se consegue refletir porque não se sabe o que é que se passa lá dentro. Só quem a criou é que consegue explicar. 

O ChatGPT tem despertado enorme fascínio, mas também receios sobre a dissolução de certas profissões. Estamos assim tão perto de ser substituídos por ‘máquinas’?

Em tom de brincadeira, a profissão de jornalista é talvez a mais debatida (risos). Primeiro, do ponto de vista de quem analisa isto há alguns anos, do ponto de vista histórico, não há um salto revolucionário. Quando fizemos a nossa investigação do ChatGPT fizemos uma pergunta sobre a qual somos especialistas e o ChatGPT dá uma resposta que não faz sentido para um especialista. Na melhor das hipóteses, diz umas generalidades. Na pior das hipóteses, diz umas enormidades que não fazem sentido algum. Aparecer – hipoteticamente – um algoritmo de IA que nos vai permitir dar um salto na sociedade da informação, não é verdade. Há de facto alguns desenvolvimentos, em particular do ponto de vista da comunicação, mas não há capacidade de agregar e sistematizar informação. O que há é cada vez mais informação não validada na Internet. Não sou dos que alinha que já há uma revolução em marcha. Claro que pode haver algumas áreas onde isso aconteça. Para já, ainda não aconteceu. Tem havido uma transição natural para a nova economia. Há um adaptar das novas tecnologias, onde o saldo entre os postos de trabalho, que desaparecem, e os novos, que são criados, é igual ou perto de zero.

Filipe Leonardo: “Nunca foi tão fácil arranjar um primeiro emprego como agora”

Em entrevista com Filipe Leonardo, é debatida a importância da preparação para uma entrevista de emprego, seja ela psicologicamente ou fisicamente. Filipe dá também alguns conselhos para quem vai iniciar o seu trajeto no mercado de trabalho e para aqueles que pretendem mudar de área profissional. 

Para conhecermos um pouco mais sobre si, pergunto-lhe como foi a sua trajetória até chegar a Associate Partner na Deloitte?

Na realidade, faz este ano 15 anos que ingressei na vida profissional. Tirei o curso de engenharia eletrotécnica do Instituto Superior Técnico, com especialização em telecomunicações e sistemas de decisão em controlo, há quinze anos. Desde aí que tenho trabalhado em tecnologia e em consultoria tecnológica. Quando terminei o Técnico quis ingressar em consultoria porque via como sendo uma extensão da faculdade, ou seja, a perspectiva de poder trabalhar em múltiplos clientes, múltiplas geografias e desafios profissionais. Era algo que me atraía bastante e foi por isso que apontei sempre para poder fazer parte de uma grande consultora tecnológica. Na altura estive em dois processos de recrutamento, um na Deloitte, onde me encontro neste momento, e outro numa empresa boutique de consultoria mais focada em telecomunicações na Maksen, que foi um spinoff da Deloitte em 2003. Consegui a vaga na Deloitte e, curiosamente, em 2015 foi feita uma aquisição dessa mesma empresa pela Deloitte. Tenho evoluído muito profissionalmente nos vários “degraus da pirâmide” de consultoria, até onde me encontro hoje como Associate Partner. 

Algo que os jovens nos dias de hoje afirmam sentir e viver bastante é a dificuldade em arranjar emprego, principalmente o primeiro. Considera que é mais difícil, atualmente, arranjar trabalho?

Eu tenho uma visão muito positiva em relação a esse assunto. Acho que nunca foi tão fácil arranjar um primeiro emprego como agora. Claro que eu tenho as “lentes” da tecnologia pois é essa a minha área de especialização e onde trabalho, mas, na prática, existe uma grande mudança no trabalho e na forma como o executamos. Com o impacto que a Covid-19 trouxe à nossa sociedade, é normal que existam trabalhos remotos, portanto, em Portugal, posso estar no interior a trabalhar para grandes empresas internacionais e estar a trabalhar para fora. Desta maneira, tenho uma base de empresas “alvo” muito mais alargada do que tinha há uns anos. Tenho muitos amigos nessas circunstâncias e que estão em empresas internacionais a trabalhar de Portugal para fora que, por acaso, é algo que acontece no meu departamento, em que 80% dos nossos serviços são prestados a clientes fora de Portugal. Depois temos também a atratividade do país, ou seja, nos últimos anos Portugal está muito “na moda” principalmente nas áreas tecnológicas e tem existido um conjunto de empresas internacionais que têm trazido os seus centros de inovação e centros de excelência para Portugal, o que tem alargado as oportunidades nas áreas tecnológicas.

Ao contratar alguém, quais são os critérios que utiliza?

Na prática, classifico em duas componentes: uma de soft skills e outra de hard skills. Pela área que represento, da engenharia de telecomunicações, é basilar a existência de um conjunto de competências tecnológicas. Portanto, essas são as hard skills que têm de estar lá e que são fundamentais. Por outro lado, temos as soft skills que são fundamentais num negócio de consultoria, ou seja, o facto de eu conseguir comunicar de forma efetiva com os meus clientes, conseguir compreender as suas necessidades, os seus pain points, como construir soluções adequadas aos seus desafios e, para isso, preciso de conseguir aferir se os candidatos têm essas soft skills que são fundamentais para a execução das suas atividades. 

filipeleonardo2023 Filipe Leonardo: “Nunca foi tão fácil arranjar um primeiro emprego como agora”

Nesse processo de entrevista, existe a necessidade de analisar não só o conhecimento, como também a forma como os candidatos se apresentam?

Sem dúvida. Essa é uma componente das soft skills que é um conjunto de princípios que são basilares, como por exemplo o profissionalismo, a postura, a forma como comunicam, a forma extrovertida como se apresentam por vezes… acabam por ser características de que estamos à procura. O foco não passa pela aparência física. Dos cinco mil funcionários que temos, existem muitos que gostam de adotar uma postura mais descontraída, inclusive na indumentária. Mas damos mais valor à postura da pessoa, aos princípios de profissionalismo e de ética que acabam por não ser negociáveis.

Considera que a primeira impressão importa num contexto de entrevista?

Sim. É algo fundamental e nato à natureza humana. Eu diria que qualquer um de nós, quando conhece alguém, nos primeiros dez segundos acaba por criar logo uma imagem mental dessa mesma pessoa e no mundo profissional é igual. Portanto, essa capacidade de conseguir encher a sala e de conseguir mostrar alguns aspetos das características até mesmo pessoais e da sua personalidade é fundamental.

Ainda são algumas as pessoas que optam por mudar de área a determinada altura da sua vida. No seu ponto de vista, é benéfico mudar?

É e enriquece muito aquilo que é a nossa empresa. Dou-lhe dois exemplos de medidas que implementámos na Deloitte: Um dos programas, inclusive uma marca registada da Deloitte, é o programa Brightstart que, na prática, tem o objetivo de desenvolver cursos profissionais e cursos universitários, em parceria com Institutos Politécnicos. Neste momento, temos mais de cinco programas desta matriz a acontecer em Portugal, com o objetivo de não só conseguir capturar o talento certo, mas também promover o desenvolvimento académico e profissional dos alunos. Um segundo programa que temos é o UPskill, que tem como objetivo recrutar algumas pessoas que decidem “dar uma volta de 180 graus” na sua vida profissional. Temos o exemplo de um membro da nossa equipa que ingressou no ano passado e que era da área da biologia marinha e que tirou uma formação em tecnologias cloud. É o exemplo de alguém que já vinha com uma experiência de dez anos, que trazia experiência numa área muito específica e que deu esta volta na sua carreira e está a ser uma mais valia para a nossa equipa.

Que conselhos daria a um adulto que pretende mudar de área?

Primeiro acho que é fundamental ter um bom equilíbrio entre aquilo que é o objetivo “romântico” do trabalho e aquilo que são as saídas profissionais. Eu posso adorar e saber imenso sobre espécies de caracóis, por exemplo, mas sei que isso não tem qualquer saída profissional. Portanto, é sempre muito importante que exista esta noção de quais são as saídas profissionais dos cursos em que se estão a focar. Depois é preciso que se foquem, que se dediquem, que invistam e que se divirtam ao longo do processo. Nós passamos cerca de dois terços da nossa vida muito focados naquilo que é o nosso trabalho profissional, por isso, que isso seja também uma fonte de prazer. Tenham foco, determinação e resiliência.

Para finalizar e regressando ao tema do primeiro emprego, o que diria se se deparasse com uma pessoa que está à procura do seu primeiro trabalho?

Tenham uma mente aberta! É importante que, no início da carreira profissional, sejam flexíveis e tenham uma mente aberta para os desafios e para aprender. É importante para serem lançados numa área de desconforto, porque é isso que representa o crescimento. É dessa forma que conseguem evoluir e especializar-se. Aproveitem o processo em si. Tem de ser uma altura de novos horizontes e de se poderem encontrar do ponto de vista pessoal e profissional. Não tenham medo do desconhecido, abracem esse desconhecido. 

O mercado de trabalho está a mudar. Onde ficam as pessoas?

A inteligência artificial (IA) constitui um dos maiores desafios da ciência e da tecnologia da última década e, dia a dia, vai dando passos de gigante sem que a população em geral se aperceba, principalmente afetando o mundo do trabalho. Recentemente – muito graças a ferramentas como o ‘ChatGPT’, o ‘Google Bard’ ou o ‘Bing Chat’ – descobriu-se a ‘AI’ Generativa (IAG) que, através de múltiplas plataformas, torna já possível a um dispositivo produzir conteúdo novo como músicas, desenhar qualquer coisa por indicação de um ser humano ou produzir textos de forma autónoma. Tudo com recurso a modelos, “matemáticas” muito complexas com base em instruções dadas por pessoas.

É só pedir e ele faz. Faz mesmo. É só testar.

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Imagem do Papa Francisco criada através de Inteligência Artificial Generativa, de Pablo Xavier.

Vários especialistas têm garantido que as IA e IAG podem efetivamente vir a auxiliar o mercado de trabalho num futuro próximo. Aliás, de certa forma, já o fazem. E apesar de vir a potenciar capacidades e tarefas, existe o risco de comprometer parâmetros como a autenticidade e a humanidade das coisas. Acredita-se que os efeitos a longo prazo no mercado de trabalho estarão ainda longe de ser conhecidos.

“É cedo para saber ao certo o efeito da inteligência artificial generativa no mercado de trabalho. A tecnologia por trás do ChatGPT não é nova, mas a popularidade do programa está relacionada com o facto de ter surgido gratuitamente e de qualquer pessoa com um dispositivo ligado à internet o poder experimentar”, explica à Tejo Mag, Flávio Nunes, jornalista editor do ECO – Economia Online.

Hoje há exemplos de como a inteligência artificial já substitui a mão humana em várias tarefas. Nos armazéns da Amazon, por exemplo, as funções antes atribuídas a pessoas já estão delegadas a robôs que – previamente programados – processam encomendas. E há outros casos de sucesso no mercado.

“Há muitos anos que o ser humano inventa máquinas para tentar facilitar o seu trabalho e, numa sociedade capitalista, é natural que as empresas procurem adotar algumas destas tecnologias para aumentar a produtividade e reduzir custos, tornando-se mais competitivas”, acrescenta. “Este processo, provavelmente, não acontecerá subitamente e não começou agora. É uma adaptação constante que vai acontecendo.”

E quanto aos postos de trabalho, Flávio Nunes considera improvável “que se torne na origem de uma vaga de despedimentos em massa ou coisa parecida”.

Mas pode efetivamente ser mais vantajoso para uma empresa ter uma máquina que trabalhe 24 horas por dia? Sim, porque não faz pausas para refeições, não precisa de tempo para atividades externas ao trabalho e não exige um aumento salarial porque no fundo, não o recebe. Mas onde fica a humanidade?

Luís Carlos Batista, psicólogo ouvido pela Tejo Mag, acredita que a mediação da tecnologia será fundamental para garantir, em primeiro lugar, a segurança no mercado de trabalho e, a posteriori, que cada pessoa possa assegurar que se sente útil para a sociedade. O aumento das taxas de desemprego será um problema a resolver.

“Em termos civilizacionais, nunca tivemos os números que temos atualmente. Somos já 8 mil milhões de pessoas. Mas continuamos a desenvolver tecnologia para substituir o homem. Isto cria um conflito interno nas pessoas e na sociedade: onde ficam as pessoas? Que trabalho vão desempenhar depois?”

Luís Carlos Batista explica que o ser humano é racional e emocional, sendo sempre preciso um equilíbrio entre os dois conceitos.

“Numa empresa, não haver emoção e haver apenas a racionalização do trabalho é claramente mais vantajoso, porque a emoção influencia sempre o racional. Se a retirarmos, o rendimento é maior. É isto que queremos? Esperamos que haja tarefas que continuem a ser desenvolvidas por pessoas.”

O BOM E O MAU MEDIADOR

Uma das capacidades que a Tejo Mag testou com recurso a Inteligência Artificial foi a construção de escalas de trabalho para uma equipa. Porém, o assunto não é tão linear como parece. Não basta escrever: “Faz uma escala horária com X e Y a desempenhar as tarefas A e B”. É necessário fornecer a informação o mais completa possível ao ‘Bot’ para que possa desempenhar de forma mais eficaz o trabalho para que foi convocado.

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Chat GPT 4 – Uma das versões mais recentes da plataforma ‘ChatGPT’, de Inteligência Artificial Generativa.

Com a IA Generativa, o sistema já começa aos poucos a “reconhecer” comandos utilizados para os trabalhos sugeridos e começa a dar respostas mais “humanizadas”. Mas ainda está longe de atingir o nível de raciocínio de um ser humano. Pelo menos por agora.

“Apesar de o ChatGPT, atualmente, precisar sempre de um humano do outro lado do ecrã, estas tecnologias podem ser adaptadas para substituírem os humanos em algumas tarefas. A história leva a crer que, a prazo, algumas tarefas poderão ficar obsoletas e novas funções serão criadas. Por exemplo, há sinais de que vai aumentar bastante a procura por especialistas que conheçam a melhor forma de apresentar um pedido para a máquina entregar os melhores resultados, porque, de certa forma, a qualidade do resultado também depende da qualidade do pedido”, conclui o jornalista Flávio Nunes.

EDUCAÇÃO: ACELERAÇÃO DESMEDIDA?

“O professor não é uma inteligência artificial”, remata Marlène Cavaleira, professora de Português e Francês há quase 30 anos. Foi, no final do milénio, uma das primeiras docentes em Portugal a recorrer a ferramentas digitais para revolucionar a forma de ensino. O objetivo era acrescentar valor à sala de aula. À época era professora numa escola em Sintra. Hoje dirige um centro de estudos em Rio de Mouro.

“Ao nível digital, antes de 2000 não conhecíamos absolutamente nada. Eu sou do tempo em que se faziam testes com corte-costura e fotocópias. Eu e outros professores acabámos por nos interessar pelo digital e tivemos formação em várias plataformas para que pudessemos aprender e ensinar alguma coisa aos alunos. Todos os dias íamos desbravando terreno”.

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Fichas de trabalho desenvolvidas por Marlène Cavaleira em 2001

As fichas de trabalho eram construídas com recurso a sites na internet e plataformas de aprendizagem estrangeiras. O conteúdo em português não existia.

“Todos os sites serviam. Entregávamos, por exemplo, uma ficha com o nome de uma série de peças de roupa e os alunos tinham de ir ao site da ‘La Redoute’ para pesquisar e saber a que secção pertenciam. Tudo isto em francês. Claro que o conteúdo não era destinado à educação, mas era uma forma interessante de eles aprenderem.”

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Em 2001, Marlène Cavaleira já dava aulas de francês com recurso à internet. 80% da aprendizagem já era feita com recurso a ferramentas digitais.

“Só mais tarde, quando passámos para o caderno eletrónico, com uma turma piloto, tirámos a prova dos nove. Todos os alunos tinham um computador portátil. Ou seja, o caderno diário estava lá. Realizaram depois os exames nacionais de forma tradicional – externos à escola – e destacaram-se”, acrescenta.

Na educação, há questões que têm sido levantadas nos últimos anos, sobretudo desde que a pandemia obrigou as escolas a reformular o conceito de sala de aula. Estamos perante uma desumanização do papel do professor com a inserção das ferramentas digitais? E de que forma pode a aceleração digital prejudicar o desempenho dos alunos?

“É preciso fazer uma reflexão e desmontar tudo.”, conta a professora à TejoMag. “Ver o que foi muito bom e menos bom e colocar numa balança. Do outro lado, temos de colocar o interesse e a interação do aluno. Temos de a equilibrar. Estamos demasiado focados no professor e estamos a esquecer a aprendizagem do aluno.”

Há 15 anos, o ‘Copy Paste’ foi um dos grandes inimigos dos professores. Hoje, a inteligência artificial na internet pode configurar um outro desafio, se não for utilizada da forma mais correta. “É um desafio para a educação e para o mundo do trabalho. Corre-se o risco de diminuir a própria inteligência. A ideia é utilizar o que temos e colocar em prática. É importante a humanização dos textos e dos trabalhos. Há competências que se estão a perder.” acrescenta.

Para Marlène Cavaleira, é importante inspirar os alunos para lhes ser permitido aprender através do erro. Mais que um trabalho, o professor tem uma missão.

Conclui: “Os alunos chegam à escola a cores e saem a preto e branco, embora tenhamos uma panóplia de conteúdos disponíveis como nunca houve. O professor tem de ser humano. Ser humano não se vai buscar ao computador. Temos de ensinar mas passar a mensagem. Tudo é gerido com os laços que se criam com os alunos.”