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Para sempre, Celeste Caeiro

Celeste Caeiro ficará para sempre ligada à história da liberdade em Portugal. A revolução de 25 de abril de 1974 só foi “A revolução dos Cravos” porque Celeste decidiu distribuí-los naquele dia, um a um. E, assim, eternizou-se a ligação entre a flor de cor vermelha à mudança de regime sem derramamento de sangue que marcou o fim do Estado Novo em Portugal.

Celeste Caeiro tinha 91 anos. Morreu no dia 15 de novembro no hospital de Leiria, devido a problemas de foro respiratório. Nas redes sociais, a neta Carolina Caeiro Fontela, deixou uma sentida homenagem à avó. Porém, à agência Lusa, lamentou que a avó nunca tenha sido homenageada em vida.

“Para sempre a minha Avó Celeste. Olha por mim”, escreveu Carolina Caeiro Fontela nas redes sociais.

No dia 25 de abril de 2024, a eterna Celeste dos Cravos esteve presente na avenida das Liberdade e protagonizou um dos momentos mais marcantes da celebração. 50 anos depois, distribuiu novamente cravos aos que passavam por ela. Morreu no ano em que se celebrou meio século da revolução que ajudou a batizar. 

Celeste: “Não tenho cigarros mas tenho este cravinho”

Não era florista, como muitos julgam. Celeste Caeiro trabalhava numa cafetaria. No dia da revolução, foi autorizada pelo patrão a levar os cravos que tinham sido comprados para oferecer aos clientes. Da rua Braamcamp, Celeste foi até ao Chiado para perceber o que se passava. Aproximou-se dos militares que estavam concentrados na rua do Carmo e questionou um deles. 

“Nós vamos para o Carmo para deter o Marcelo Caetano. Isto é uma revolução!”, respondeu o militar. E, logo de seguida, pediu-lhe um cigarro. “Não tenho cigarros, mas tenho este cravinho” e colocou a flor no cano da arma. “Estava ali a dar-me uma coisa boa e eu sem nada para lhe dar”, disse este ano ao Diário de Notícias.

Distribuiu cravos desde a rua do Carmo até à Igreja dos Mártires. O gesto foi replicado por muitas outras pessoas e eternizou-se. A revolução de abril ficará para sempre simbolizada com os cravos colocados nos canos das espingardas. O resto da história é conhecida.

O Presidente da República já reagiu à morte de Celeste Caeiro. Numa nota no site da presidência, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou tristeza pela morte de Celeste Caeiro. Por isso, anunciou a condecoração a título póstumo da nonagenária.

Até sempre, Celeste Caeiro.

Imagem: Post de @carolinacfontel no X

Liberdade, 50 vezes Liberdade!

Será difícil contabilizar o número exato de pessoas que estiveram presentes na Avenida da Liberdade e na Praça do Rossio. “Havia umas centenas de milhares”, arriscam dizer alguns dos que lá passaram. E muito provavelmente estão certos. Principalmente porque havia tanta gente que a estrada e os passeios tornaram-se pequenos para a força da mensagem que todos quiseram passar. 

Mas, antes disso, o habitual cortejo comemorativo do 25 de abril já arrancava com dificuldades. O extenso aglomerado de pessoas demorou mais de duas horas só para sair da praça Marquês de Pombal. Três horas depois e ainda havia quem estivesse apenas com meia avenida percorrida.

Assim, cumpriu-se a tradição e, este ano, os portugueses aderiram em massa a um dos momentos maiores que assinala a liberdade em Portugal.“25 de abril sempre, fascismo nunca mais”, bem como a célebre senha da revolução “Grândola, Vila Morena” foi o que mais se ouviu durante toda a tarde.

Avenida transbordou de liberdade e emoção.

A maior avenida lisboeta juntou quase todos os partidos, sindicatos, associações e muitos populares. E entre estes, várias gerações. As que viveram a revolução e as que ouvem falar dela pelos pais, tios e avós. Até Celeste Caeiro, imortalizada por ter distribuído cravos vermelhos aos militares em 1974, foi e desfilou numa cadeira de rodas. Tem 90 anos.

Escreveu o jornalista Samuel Alemão do jornal Público: “O meio século da Revolução dos Cravos era razão mais que suficiente para ocupar a Avenida da Liberdade. Mas a sombra da extrema-direita foi o grande agregador. E fê-la transbordar de emoção.”

“Não que tal destoasse de todas as outras 49 prévias celebrações do aniversário do derrube da ditadura.  A diferença foi que, este ano, toda essa espécie de liturgia cívica ganhou novo enlevo, em consequência do contexto político-partidário relacionado com a forte presença de um partido de direita radical populista, o Chega, na Assembleia da República, em resultado das eleições de 10 de Março.”

Citando Chico Buarque: “Foi bonita a festa, pá!”.

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Fotografias: Dalila Fernandes

Lápis Azul: Agora um veículo de liberdade

50 anos que o lápis azul não tem um significado negativo em Portugal. Ainda assim, há quem não o tenha esquecido. Mas se antes era símbolo de censura, agora é visto como uma garantia de liberdade. Essa é a ideia da campanha “A Minha Liberdade é de Todos”, dinamizada pela Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de abril.

“Este projeto pretende contribuir para um maior conhecimento sobre a ditadura em Portugal. Esperamos também que desperte a curiosidade dos mais jovens sobre esse período da nossa história recente. O trabalho pela preservação da memória e pela construção dos próximos 50 anos de democracia precisa de todos”, de acordo com Maria Inácia Rezola, comissária executiva.

O projeto é uma parceria com a plataforma Gerador. No último mês, passou por mais de 200 escolas em todo o país. Assim, os alunos são convidados a utilizar uma edição especial do lápis azul para desenhar a interpretação da liberdade num quadrado do tamanho de um azulejo tradicional.

As várias contribuições vão depois compor o Mural da Liberdade.

participa-300x300 Lápis Azul: Agora um veículo de liberdade

“Tens liberdade para fazeres o que quiseres”

A campanha não tem pormenores esquecidos. Aliás, é utilizada a cor azul característica dos lápis utilizados pela censura: O Viarco “Olímpico 291”. Os jovens são convidados a desenhar digitalmente o que entenderem por “liberdade”. Além disso, podem depois submeter o trabalho através da plataforma.

Escreve, risca, desenha e intervém como bem entenderes. Podes participar as vezes que quiseres através do computador, telemóvel ou tablet,” reforça a Comissão Executiva.

Imagens: Pexels/Gerador/Comissão Executiva 50 anos 25 Abril

Portugal cai dois lugares no ranking de liberdade de imprensa. Extremismo mantêm-se uma ameaça

O mais recente levantamento dos Repórteres sem Fronteiras não traz boas notícias para Portugal. Apesar de se manter no Top 10 dos países com maior liberdade de imprensa, o país caiu duas posições na tabela e está agora em 9º lugar no ranking que avalia a
liberdade do jornalismo, num total de 180 países e territórios.

Segundo o relatório, apesar de já ter estado em 9º lugar em 2021, a liberdade de imprensa em Portugal é “satisfatória” (em 2022 era “muito boa”) e o país lidera agora o grupo de países com a mesma classificação. Os jornalistas continuam a usufruir de liberdade e proteção pela lei no exercício de funções mas os salários dos profissionais do setor continuam numa trajetória de desvalorização. Porém, à semelhança do último levantamento em 2022, o trabalho dos repórteres corre o risco de ameaça por grupos extremistas.

liberdade+de+imprensa Portugal cai dois lugares no ranking de liberdade de imprensa. Extremismo mantêm-se uma ameaça

Segundo o último relatório dos Repórteres sem Fronteiras, Portugal caiu duas posições no ranking mundial que avalia a qualidade do jornalismo.

“Em geral, o Governo e os partidos políticos respeitam o trabalho dos media. No entanto, enquanto cobriam as suas atividades durante as eleições presidenciais de janeiro de 2021, os jornalistas foram ameaçados e insultados por apoiantes do partido de extrema-direita Chega, bem como pelo seu diretor de campanha”, pode ler-se na ficha de Portugal, que conta ainda com referências a episódios ocorridos em 2021.

Além do cenário político, o ranking avalia outros indicadores como o contexto económico e sociocultural, o enquadramento legal e a segurança. São depois avaliados com recurso a variadas plataformas ou inquéritos até se chegar ao relatório com as conclusões e classificações finais.

Na 21ª edição do ranking mundial referente à Liberdade de Imprensa, a Noruega continua a ser o país com o jornalismo mais livre, a par dos demais escandinavos (Suécia caiu de 3º para 4º e a Dinamarca desceu de 2º para 3º lugar na tabela). A Irlanda registou um salto e ocupa agora o 2º lugar. Os Países Baixos subiram 22 posições e estão em 6º lugar.

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O site dos Repórteres sem Fronteiras disponibiliza um mapa interativo com informação específica sobre cada país.

Na Europa, alguns países registaram quedas significativas no ranking referente ao tema. Exemplo para a Alemanha (16º para 21º), Espanha (32º para 36º) e Reino Unido (24º para 26º). Todos receberam avaliação “satisfatória”. A Coreia do Norte continua a ocupar o último lugar da tabela e a China é agora o segundo país/território do mundo com menor liberdade de imprensa (ocupava o 175º lugar). Os Repórteres sem Fronteiras traçam um cenário “muito sério” em 31 países, “difícil” em outros 42 e “problemático” em 55 nações. Pelo contrário, 52 países ocupam agora uma posição “satisfatória”. Em resumo, apenas 3 em cada 10 países do mundo têm uma Liberdade de Imprensa considerada boa ou satisfatória.

Quanto à Ucrânia, subiu quase 30 posições e ocupa agora o 79º lugar, dentro do grupo de países com jornalismo satisfatório. A Rússia mantém-se no vermelho, na 164º posição do ranking mundial.

O futuro é lá atrás

Mais um 25 de Abril, e mais uma vez os mesmos discursos a olhar para trás, para a espuma dos dias e quezílias partidárias actuais. Nada mais, fosse o discurso mais ou menos cuidado, e o protagonista mais ou menos sofisticado.

Em 2004, por altura do 30º aniversário do 25 de Abril, o governo de Durão Barroso alcandorou as celebrações ao slogan ”25 de Abril é evolução”, tentando sair do cerimonial quase fúnebre habitual. Tal sacrilégio não foi perdoado.

Pensar um pouco diferente é sempre ser fascista neste país. A verdade é só uma e a interpretação também. É pobre este nível de ideias e de debate.

Se o 25 de Abril foi o fim de um regime autoritário e esgotado, e significou o fim de uma guerra sem saída, foi também uma lufada rumo à liberdade.

No entanto, passados quase 50 anos, não há ambição nem perspectiva de futuro. Um país economicamente bloqueado, demograficamente envelhecido, fiscalmente asfixiado, politicamente adiado, socialmente anestesiado.

Os agentes políticos vão empurrando as questões com a barriga, esperando mais um pacote de milhões da União Europeia, enquanto vão lançando mão de truques e demagogias várias para entreter a sociedade. E a sociedade, por sua vez, está cada vez mais presa num emaranhado de medidas bem pensantes.

Recentemente ouvi a ministra do Trabalho defender a Agenda do Trabalho Digno, por exemplo, como uma forma de manter e atrair os jovens para o mercado de trabalho nacional. Já pensaram em descer realmente os impostos – para todos os portugueses? Se os cidadãos tivessem melhores níveis de rendimento (e um dos bloqueios é o estrangulamento fiscal), poderiam viver melhor, ter mais filhos (a questão demográfica está aí de forma dramática), ter outros interesses.

Como se sai daqui? Que alternativas há?

Não é agitando bandeiras populistas que tanto jeito dão à simbiose política entre o PS e o Chega. Eles adoram odiar-se, e é do interesse de ambos manter a ficção circense em que se entretêm. Barulho sem conteúdo.

No passado, foi possível haver líderes que olham além da espuma dos dias e ganhar eleições. Curiosamente, são os políticos que sabem em que momentos falar, e quando manter a reserva, que melhores resultados tiveram. Algumas coisas devem saber de consistência política.

Saibamos escolher melhor.

O futuro pode ser lá à frente.

Uma revolução, uma avenida, muitas lutas

O calor que se fazia sentir em mais um abril pós revolução, foi atípico. Ao som de “Grândola Vila Morena”, milhares de pessoas fizeram-se presentes e empunharam cravos, tambores, gaitas de fole, apitos, cartazes, faixas e megafones onde os gritos de ordem de cada grupo eram intercaladas com o clássico de António Escudeiro, “o povo unido jamais será vencido”. Em cada rosto um amigo que pontuava a diversidade. 

A presença dos jovens foi notória em cada um dos grupos. De mãos dadas com os defensores de abril, ficou claro o empenho, a alegria e principalmente a liberdade de estudantes universitários, jovens empreendedores, artistas, ativistas pelo ambiente, pela cultura, pela igualdade de gênero, pela liberdade sexual, pelos direitos dos animais, pela moradia justa, pelo valor das propinas ou simplesmente pelo direito à alegria. 

Crianças andaram livremente a saltitar e a usufruir a liberdade de expressão que foi aquela manifestação. De destacar a família de um rapaz que empunhava uma réplica em lego de um fuzil com cravo no cano. A avó, a mãe, duas crianças e mais uma mulher com necessidades especiais de locomoção à beira da calçada, com seus cravos encarnados na mão, estavam a vibrar e a cantar as velhas canções. Os ideais de abril eram passados às novas gerações e segundo a mãe do rapazinho “é preciso estar presente na democracia”. 

Muitos cartazes em variados formatos. Uns vinham a baloiçar entre as bandeiras e outros vinham presos no corpo. Sempre acompanhados de um certo “orgulho” em carrega-los. As vozes sentiam-se emocionadas e pujantes. Principalmente a dos professores. Vieram desde o Minho até ao Algarve. Vestiram preto em sinal de luto. Pediram fundamentalmente respeito, afinal uma nação valente não se faz sem eles. Acreditam que estar em luta há tanto tempo pelos “6 anos, 6 meses e 23 dias”, além de necessário para categoria, é “pedagógico”. Ensinam aos seus alunos, colegas e também aos vários ministros que “não podemos baixar os braços nunca”. 

O grito “25 de abril sempre, fascismo nunca mais” também ecoou pela avenida abaixo. Muitos foram os cartazes que procuraram lembrar que a democracia se fez e se faz sempre na rua, na escola, na coletividade. Se faz com poesia, afetos, tambores, “pão, saúde, educação e habitação”.  

Não é por acaso que o Primeiro artigo da Constituição Portuguesa, expressa que a soberania do país é “ soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” Faz-se com consciência e educação, sem deixar espaço para que qualquer movimento que esteja pautado pela falta de liberdade, direitos conquistados e participação popular possa crescer.

São os ideais de abril que “animam a malta”, e que, no encontro com o amigo, no sorriso rasgado da juventude e nos cravos encarnados proporcionam o ‘desfile popular cotidiano’ da democracia.  ​​​​​​​

O paradoxo da liberdade

Ao passarem 49 anos sobre a revolução do 25 de Abril e sobre os 48 anos das eleições para a assembleia constituinte é tempo de refletir sobre o estado do regime democrático, mas também da sociedade em Portugal.

Ao aproximarmo-nos de 50 anos de democracia plena notamos que Portugal é, atualmente, um país em convergência com os índices de desenvolvimento das nações mais desenvolvidas economicamente e socialmente no mundo.

No entanto, durante estes últimos 49 anos, a história do desenvolvimento económico, social e material confunde-se com a história similar da Europa Ocidental e principalmente da União Europeia.

Não nos podemos esquecer que o 25 de Abril, trouxe consigo a independência das antigas Províncias Ultramarinas, por muitos chamadas de colónias, levando à perda de grandes proveitos económicos que as explorações destes territórios traziam a Portugal, e à rápida “reinstalação” de milhões de portugueses no território do Portugal europeu. Uma situação destas fez com que Portugal entre o final da década de 70 e o início da década de 80 enfrentasse um sério risco de bancarrota, o que acelerou a necessidade de entrar na União Europeia, situação que se constatou em 1986 e que abriu a possibilidade e necessidade de entrar no espaço Schengen no início dos anos 90 e na moeda única europeia no dealbar do novo milénio.

Como consequência dessa aproximação aos restantes países da Europa, Portugal obteve um forte desenvolvimento económico, sobretudo ao nível das infraestruturas. No entanto, no campo financeiro nem tudo é maravilhoso. Se utilizarmos alguns dos dados estatísticos da plataforma PORDATA e realizarmos alguns cálculos com os mesmos, verificamos que de 1985 até ao momento, a taxa de inflação média anual é de 4,55 %, (bem mais baixo do que os 8,47 % se fizermos o cálculo de 1974 a 2022), no entanto, a percentagem média de crescimento do rendimento médio bruto anual do trabalhador português de 1985 ao momento é de 2,33 %. Ou seja, pelo menos desde a adesão de Portugal à União Europeia até ao momento, o cidadão português vem perdendo poder de compra. No entanto, não podemos dizer que é uma consequência negativa da democratização da sociedade portuguesa, visto não termos dados para fazer semelhante comparação em períodos anteriores.

Não obstante, o 25 de abril foi um dos marcos mais significativos da história de Portugal, um país e nação que se aproxima a passos largos para os 900 anos de existência.

Trata-se de uma data histórica, não só pela sua dimensão política como pela sua dimensão social.

Dimensão política porque instaurou um novo regime baseado numa nova Constituição (a de 1976). Um novo regime ou sistema político, muito mais democrático e de acesso político do que os anteriores. Um regime onde passaram a existir eleições presidenciais, legislativas e autárquicas que não restringem ideais políticos, ao contrário do Estado Novo que não organizava eleições periodicamente, que aplicava uma pesada censura às ideologias políticas e que controlava ferozmente os resultados eleitorais levando a um regime parlamentar unipartidário no período salazarista e mais tarde a um regime parlamentar pluripartidário, muito segregacionista, durante o período marcelista.

E mesmo em comparação com os regimes da Primeira República e da Monarquia Constitucional, o acesso à vida política mudou radicalmente. Com o 25 de Abril, todo e qualquer cidadão maior de idade, sem deficiências ou incapacidades cognitivas, passou a ter direitos políticos, como o simples voto.

Nas questões sociais, são inegáveis os avanços que o 25 de Abril trouxe à população de Portugal, direitos como a greve ou a manifestação, o facto de não existir censura, de não existir uma polícia política, nem prisões políticas são avanços inegáveis.

Entretanto, passados 49 anos, a sociedade mudou e continua a mudar a um ritmo cada vez mais acelerado, fruto da evolução tecnológica exponencial e da evolução científica nas suas várias vertentes.

As exigências sociais são hoje maiores. Os níveis de bem-estar exigidos em 1974 parecem, por vezes, ser parcos face às necessidades do século XXI. Por outro lado, pilares da Revolução como o direito à saúde e à habitação, parecem hoje incompletos e em processo de retrocesso. A economia portuguesa parece estagnar e toda esta conjuntura faz com que ideologias políticas antiquadas e provenientes de regimes totalitaristas regressem em força. Para isso, ajudam também as influências similares vindas dos países vizinhos e próximos geograficamente.

Poderíamos com tudo isto dizer que a culpa é do partido A ou partido B ou dos principais partidos que têm legislado o país durante estas quase cinco décadas. Mas na realidade, a verdade ou parte dela é muito mais complexa.

Passados 49 anos e mesmo com um índice de escolaridade média muito maior, os cidadãos continuam a não associar liberdade a responsabilidade.

Viver num regime democrático liberal, com direitos e garantias de liberdade é também aumentarmos o índice de responsabilidade individual.

Não raras vezes se ouve alguém dizer, “que os políticos isto ou aquilo” como se todos os cidadãos maiores de idade na posse das suas capacidades cognitivas não fossem também eles políticos.

Só o ato de votar, já é um ato político. E se nas últimas décadas o número de partidos e forças políticas aumentou grandemente, se o nível de escrutínio em campanhas políticas, debates, sessões de esclarecimento e outros aumentou, como pode a percentagem de abstenção continuar a crescer?

Será que a culpa é só daqueles que se candidatam aos cargos políticos e que exercem essas funções?

E já agora quantos portugueses e cidadãos de Portugal já participaram em consultas públicas ou em assembleias municipais ou de freguesia, ou puramente acompanham ao detalhe as ações do partido político em que votaram e que ajudaram a eleger um determinado deputado ou determinado vereador?

É devido a este afastamento exercido pelo cidadão comum, agente político (mas não possuidor de um cargo político), face aos órgãos de decisão, que o país não progride tão rapidamente e tão sustentadamente como se esperaria ou desejaria.

É por este motivo que o cidadão comum também é responsável, culpado e não vítima como muitas vezes se tenta personificar. Esta incapacidade é, inclusivamente, o motivo pela manutenção de algumas práticas censórias invisíveis, que restringem indiretamente a liberdade de expressão sobretudo no mercado laboral, mesmo quase 50 anos após o fim do regime ditatorial do Estado Novo.

Mas o 25 de Abril não trouxe só mudanças políticas e económico-sociais, trouxe também alterações filosófico-sociais (se me permitem o abuso linguístico).

Viver em regimes ditatoriais é por vezes mais fácil em certas questões. A moral é só uma e indiscutível, a ética ou a deontologia é só uma e indiscutível, a verdade é só uma e indiscutível, a razão é só uma e indiscutível, e até o culpado não morre solteiro, mas fica casado em regime monogâmico e tradicional. No fundo, tudo é esquemático, lógico e facilmente entendível, facilitando certos padrões comportamentais e sociais.

Com a abertura da sociedade a direitos e deveres iguais, a uma igualdade entre estatutos, géneros e gerações, todos estes aspetos perdem a sua objetividade fria, e tornam-se em elementos alvos de uma subjetividade múltipla só ao alcance de pessoas com maior sensibilidade e esclarecimento social.

Julgo que é neste ponto que a sociedade portuguesa se encontra. Atualmente o que para uns é moral, para outros é imoral, e ninguém tem mais razão que o próximo, é tudo uma questão de compreensão do outro. A ética e a deontologia são hoje passíveis de discussão, embora nem sempre de obrigatória revisão e alteração.

A verdade não é sempre única, nem igual para todos, mas tal como no caso da moral, a verdade de uns não é melhor que a verdade de outros, é só diferente.

A culpa continua a não dever morrer solteira, mas o ato de encontrar o culpado deixou de ser tão vital, porque a culpa tornou-se muito complexa. Deixou de ser monogâmica e tradicional para se transformar em poligâmica e com muito mais níveis, categorias, intensidades e correlações de culpabilidade.

No fundo, a liberdade tão proclamada, festejada e desejada a 25 de abril de 1974 é hoje um paradoxo. Não deixou de ser um direito, um prazer e uma felicidade. Mas tornou-se similarmente, um dever, uma responsabilidade e uma complexidade mais profunda do que a sensibilidade e os limites de aceitação de muitos cidadãos permite.

Neste contexto, urgem duas questões.

O 25 de Abril está finalizado e completo? Não, pelo contrário. Está longe de estar terminado, nem nunca deverá ficar completo.

O 25 de Abril esgotou o seu projeto de sociedade e tornou-se numa utopia? A resposta está na capacidade que o cidadão tem de aumentar a sua sensibilidade e compreensão do outro e de aceitar a diferença e variedade.

Ao aproximarmo-nos do cinquentenário da Revolução do 25 de Abril de 1974, paira sobre Portugal e sobre os portugueses a questão final. Chega de democracia e liberdade ou vamos continuar a construir o projeto inacabável?

Saída em liberdade: “o importante é a sociedade não nos virar as costas”

Um tema tabu?

A prisão continua a ser um assunto tabu. A falta de interesse por parte do público geral acaba por exigir menos informação, sendo que “há muita coisa que não está a ser medida e muita coisa que não está a ser comunicada” diz-nos Inês Tavares, coordenadora do projeto Reshape Ceramics.

Em 2015 nasceu a Associação Reshape com o objetivo de tornar os Estabelecimentos Prisionais (EP) em Casas de Detenção focadas na reintegração dos reclusos. Inês Tavares acrescenta que estes estabelecimentos alternativos procuram ser “de pequena escala, de tratamento diferenciado e junto da comunidade”. A coordenadora do projeto de reintegração de reclusos avança que umas das propostas legislativas apresentadas pela Reshape é, precisamente, “permitir que casas de detenção existam para pessoas que estejam a cumprir o final da pena”.

Saída em liberdade

Por norma, em Portugal, os condenados não cumprem a pena completa, saindo, no caso de bom comportamento, aos dois terços. No entanto, são muitas as coisas que têm de reaprender a fazer, como por exemplo todas as obrigações burocráticas “que estiveram em pausa durante aquele tempo”. Por outro lado, é provável que “a situação familiar e de amigos” tenha mudado, o que implica uma adaptação à nova realidade, afirma Inês Tavares no atelier da Reshape Ceramics em Lisboa.

Na Casa de Saída, a educadora social da associação Confiar, Cátia Correia, aponta para uma falha na gestão dos documentos de identificação: “têm de sair de forma legal, e saem com uma ilegalidade cometida por eles, que é o cartão de cidadão fora de validade. Não é que eles sejam ilegais, porque eles têm o documento, mas está fora de validade, não serve para nada.” Alberto Borges, monitor voluntário também na Associação Confiar, acrescenta outros casos concretos como “o  IRS por fazer durante anos (…), multas acumuladas no site das finanças, não fecham atividade” conclui que existe um “abandono total daquilo que é a realidade.” Por outro lado, para preparar a saída, seria importante ajudar o recluso a “inscrever-se no centro de emprego, se não arranjar emprego no início, pelo menos ir para uma formação profissional.”

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Atelier da Reshape Ceramics em Arroios onde se produzem peças de cerâmica únicas.

O primeiro trabalho

São várias as dificuldades em conseguir o primeiro emprego, como diz Inês Tavares, trata-se de um público que “em geral vem de uma classe social mais baixa, que não tiveram as mesmas oportunidades, que saíram da escola muito cedo, que o tempo de reclusão também as afetou a nível psicológico e físico”, mais ainda, “muitos deles nunca sequer tiveram trabalhos formais antes de entrar numa prisão, nunca foram a uma entrevista de trabalho ou nunca fizeram um CV.” Para além disso, o vazio que fica num curriculum vitae é difícil de explicar numa entrevista de emprego, “mentir não funciona” e, por isso, incentivam sempre a que cada um conte “a sua história” e aquilo que de facto estiveram a fazer, sendo que muitos “aproveitam o tempo que estão lá dentro para terminar o 9º ou o 12º ano”. Por outro lado,“há empresas que percebem que para terem pessoas a trabalhar têm de ignorar este fator que não tem nada a ver com a capacidade das pessoas de trabalhar.”

Com o lema “um trabalho, um trabalho melhor, uma carreira”, a Reshape Ceramics localiza esforços na formação e no emprego de todos aqueles que procuram ajuda adaptando, à priori, as expectativas. O primeiro trabalho não tem de ser para sempre, mas será essencial para uma progressão na carreira.

Com vista a prestar apoio na reinserção efetiva dos reclusos, a Reshape Ceramics foi criada pela associação, em novembro de 2020.  Tirou partido de um atelier de cerâmica inteiramente montado no Estabelecimento Prisional de Caxias para dar formação e criar postos de trabalho. Mais tarde, abriu o atelier em Arroios onde contrata ex-reclusos. Ali encontramos o Jaime, de 44 anos, que aprendeu a arte da cerâmica no EP de Caxias, em 2019. Quando saiu em liberdade condicional, foi convidado para trabalhar no atelier de Lisboa onde está desde setembro de 2022. Neste momento mora com o pai o que lhe permite ir juntando o dinheiro que ganha. Confessa-nos que a Reshape “tem dado imenso apoio psicológico e financeiro.” O Jaime é o terceiro colaborador remunerado do projeto.

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Francisco, um dos utentes da associação Confiar, no seu quarto na Casa de Saída.

A Casa de Saída

Em 2018 é criada a Casa de Saída da associação Confiar com o objetivo, não só, de alojar ex-reclusos, mas principalmente, de garantir “um acompanhamento de proximidade dos utentes no processo de transição para a liberdade”, conforme nos conta Carolina Viana, presidente da associação. Acrescenta ainda que a ideia da Casa é que este público consiga “ integrar o mercado de trabalho e poupar algum dinheiro com vista à sua autonomização” uma vez que não têm qualquer despesa com renda, água, luz, comunicações e alimentação. Os 3 quartos da casa são destinados a pessoas “em cumprimento de pena em liberdade ou que já cumpriram a pena em reclusão e se encontram em situação de maior vulnerabilidade e exclusão social. Têm de estar aptos a ingressar no mercado de trabalho, não podem ter consumos ativos nem sofrer de nenhuma patologia psiquiátrica grave.” Até ao momento, não existe nenhum utente que tenha passado pela Casa que tenha reincidido.

Localizada no bairro de Alcoitão, Cascais, a Casa acolhe neste momento quatro inquilinos que procuram recomeçar as suas vidas. De forma a preservar a identidade de cada um, serão utilizados nomes fictícios – o Raúl, o Mário, o José, e o Francisco.

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A Casa de Saída é partilhada por quatro ex-reclusos.

O Raúl preparou a sua saída com a Confiar. Dentro da Casa vai-se adaptando às novas rotinas, como ir à Reefod buscar comida, as visita regulares de um cozinheiro que lhes ensina a gerir os alimentos e a cozinhar e, durante o fim de semana, limpar a casa. Depois de um ano e seis meses em prisão preventiva quer “arranjar um trabalho e voltar para Mem Martins”.

O Mário esteve preso duas vezes, aproveitou o tempo para tirar o 6º ano e um curso de jardinagem. A pouco tempo de sair, a sua técnica de reinserção falou-lhe da Confiar e foi assim que conseguiu um quarto na Casa de Saída. Agora quando pensa no futuro confidencia-nos que quer “arranjar um trabalho.”

O José é jardineiro na Câmara Municipal de Cascais, é aqui que está a tentar que o Raúl e o Mário comecem também a trabalhar. O espírito de entreajuda impera na casa, conhecem bem as dificuldades de recomeçar do zero.

O Francisco é o membro que está na Casa há mais tempo, fez em dezembro um ano. É açoreano. Passou grande parte da sua vida emigrado nos Estados Unidos. De regresso à ilha, é condenado e enviado para Pinheiro da Cruz. Quando a sua pena estava a chegar ao fim, conta-nos, “não sabia o que fazer (…) não sabia com quem podia falar” até que a Confiar o contactou. Com este apoio conseguiu solicitar o Rendimento Social de Inserção e, mais importante, uma casa onde ficar.

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O Mário procura conforto no livro da Bíblia.

Carlos Barbosa, um caso de sucesso

Carlos Barbosa, tem 45 anos e é natural da Reboleira. Esteve preso duas vezes, a primeira, quando tinha apenas 19 anos. Ao todo foram dezoito anos em privação de liberdade. Atualmente vive com a sua companheira e tem dois filhos, o Lucas, do primeiro casamento, e o Santiago.

Em conversa com a TejoMag, lembra-se do momento em que decidiu que aquele não seria mais o seu caminho: “perdi a minha mãe em 2005, e não me deixaram ir ao velório. Foi um momento difícil (…) mas aí bateu o clic, decidi mudar, ser uma pessoa melhor.” A partir de então Carlos Barbosa agarrou as rédeas da sua vida e, tal como tinha aprendido numa aula de ética ministrada pelo Professor Luís Graça, anterior presidente da associação Confiar, começou a “alimentar o cão bom” que havia dentro dele, depois de ter alimentado “o mau durante muitos anos.”

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Carlos Barbosa à porta da sede da associação Confiar no Linhó.

Aproveitou o tempo no EP para fazer um programa de desintoxicação cujo sucesso se deveu ao apoio das psicólogas. “Não parar” foi fundamental para cumprir os 12 anos de reclusão da segunda condena – “estar sempre a trabalhar, sempre a querer aprender coisas novas, era pedreiro, era faxina, depois fui para barbeiro, depois para ajudante de cozinheiro, nunca parei”.

A Confiar estendeu-lhe a mão neste processo e, quando saiu em liberdade, foi convidado para ser o responsável da Casa de Saída, no bairro de Alcoitão: “Estive lá quatro anos, correu bem, gostei da experiência, mas tive de seguir com a minha vida”. Hoje tem outros objetivos e, após ter aproveitado as oportunidades que lhe deram, conseguindo concluir o 9º ano e o curso de cabeleireiro profissional oferecido pela Escola de Alcabideche, está a iniciar novo projeto: a Barbearia do Bairro.

Carlos Barbosa vai remodelar o interior de uma carrinha e transformá-la numa barbearia ambulante com vista a oferecer este serviço nos bairros mais desfavorecidos: “Vou cortar o cabelo, vou andar de bairro em bairro (…) onde as pessoas não têm condições para cortar cabelo.” A grande recompensa diz ser a gratidão que lhe dá ajudar os outros: “Ajudaram-me bastante porque é que eu não hei-de ajudar as outras pessoas que precisam de mim?”

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Carlos Barbosa vai adaptar a carrinha para colocar em marcha o seu novo projeto, a Barbearia do Bairro. Ao fundo, o Estabelecimento Prisional do Linhó.

Carlos contou sempre com o apoio da família – das quatro irmãs e dos pais – mas a Confiar foi “um porto seguro”. Da sua experiência conta-nos que no momento de saída em liberdade o “importante é a sociedade não nos virar as costas, não nos fechar as portas.”

A história de Carlos Barbosa é um caso de sucesso que pode contribuir para alargar os horizontes dos jovens mais vulneráveis, tal como fez Johnson Semedo, uma referência para Carlos: “ele tirou várias crianças do mundo do crime e eu também gostava de fazer isso, com a minha história de vida  tentar mostrar que aquele não é o caminho certo, o caminho certo é estudar trabalhar, focar nas coisas boas que eles querem, não essa vida de criminalidade, vender droga, roubar. Esse caminho só nos leva ali [aponta para a prisão do Linhó]. Ou ali, ou ao cemitério.