Título da categoria

Autem vel eum iriure dolor in hendrerit in vulputate velit esse molestie consequat, vel illum dolore eu feugiat nulla facilisis at vero eros et dolore feugait.

Arquivo de categoria Sociedade

Geração Alpha: um guia para compreender estas crianças

Mark Prensky explica que os nativos digitais são crianças que nascem e crescem num ambiente dominado pelas novas tecnologias e, como tal, dispõem de uma facilidade inata no seu uso. Assim sendo, é-lhes impossível fugir a esta tendência; o uso de assistentes digitais e acessórios inteligentes faz parte da sua rotina do dia-a-dia, é quase tão natural como respirar. Destacam-se pela maior independência e facilidade em esclarecer dúvidas sem necessitarem de recorrer a terceiros. O Google é, normalmente, o eleito para tal função.

Os Millennials, que nasceram entre 1980 e 2000, são agora responsáveis por duas novas gerações, a Geração Z, nascida entre 1995 e 2009, e a Geração Alpha, nascida após 2010. Esta última caracteriza-se por possuir uma só identidade, não estabelecendo qualquer distinção entre o online e o offline, a identidade virtual da real. Para estes jovens, o mundo virtual funciona quase como uma extensão do mundo real e isso acontece porque grande parte das suas vidas são passadas no ciberespaço, seja através de interações nas redes sociais ou em videojogos. É nestes espaços virtuais que socializam e onde partilham informação e conhecimento.

Quem é a Geração Alpha?

Como explica Sofia Verdasca, mestre em Ciências da Educação, esta é “a primeira geração que nasce totalmente ligada às tecnologias. Já nascem com o TikTok, com os vídeos curtos, com toda uma interatividade que as gerações anteriores não têm e isso altera a forma como interagem uns com os outros no dia-a-dia”. Esta familiaridade e extrema dependência do mundo digital tem aspetos positivos e negativos. Se por um lado capacita estes jovens para desenvolverem um conjunto de competências que lhes permite serem mais autónomos e livres, por outro, resulta em défices de concentração, atenção, criatividade e imaginação. 

“Estão habituados a ter uma resposta imediata a tudo o que querem. Agarram no telefone, no tablet, pesquisam qualquer coisa. Aquilo que notamos é que são muito mais impacientes, têm muita dificuldade em esperar pela sua vez, em pôr o dedo no ar e esperar pelo professor”. Ana Verdasca, licenciada em Psicologia e pós-graduada em Necessidades Educativas Especiais, revela que é notória a facilidade com que “se fartam e se desligam seja do que for”.  É também aqui que a Academia Geração Alpha, um espaço lúdico-pedagógico, ajuda as crianças a trabalhar estas lacunas através de um conjunto de atividades.

“Todas as semanas trabalhamos as competências cognitivas, emocionais e sociais. Notamos que quando são atividades em que estamos a falar com elas e queremos que falem connosco a atividade não corre assim tão bem. Mas se a atividade consistir em mostrar-lhes um vídeo no YouTube é completamente diferente”, aponta Sofia Verdasca.

Os impactos da pandemia

A pandemia da covid-19 veio agravar este isolamento social. “Tiveram mais contato com os computadores e estiveram mais isolados. Temos crianças que começaram a escola já em pandemia e aquilo que conhecem da escola foi através destes dispositivos. Os amigos que fizeram foi através dos telemóveis. Há cada vez mais miúdos a isolarem-se”, alerta. Muitas vezes os pais não sabem como lidar com várias situações e procuram cada vez mais “apoio psicológico” para perceberem as suas limitações e como lidar da melhor forma com as dificuldades dos filhos.

“Outra coisa que é transversal a praticamente todas as crianças é a dificuldade em comunicar, em expressar aquilo que querem, aquilo que sentem. A maioria isola-se porque não sabe lidar com as emoções. Temos crianças que com os pares, pessoalmente, não conseguem manter uma conversa, não se conseguem expressar. Mas se calhar esta mesma criança numa rede social é extremamente sociável e comunica super bem”, assinala. “As competências sociais e emocionais estão comprometidas”, considera. Tudo isto levou a um inevitável aumento de casos de crianças com ataques de ansiedade e depressões. “Está tudo interligado”, adverte.

Também conhecida como Geração Floco de Neve no meio académico, estes jovens, especialmente após a pandemia, mostram maior vulnerabilidade, maior fragilidade e maior propensão a terem dificuldades de aprendizagem. São jovens que não sabem lidar com frustrações e problemas. 

Ensino obsoleto

Este fosso geracional entre nativos digitais e imigrantes digitais – termo usado por Mark Prensky para descrever todos aqueles que não estão familiarizados com o uso de ferramentas digitais – é o grande desafio da educação. Entende que cabe aos professores alterar as suas estratégias com o objetivo de cativar a atenção e o interesse dos alunos. 

Sofia Verdasca defende que a “escola tem um papel que começa a ser urgente e diz respeito à alteração das metodologias de ensino. Já não é produtivo ter crianças sentadas durante 1h30 a ouvir o professor. Passado 30 minutos já não ‘estão’ lá”. Sublinha ainda que o “papel dos educadores também é transformar a tarefa escolar mais apetecível, utilizando mais as tecnologias, ensinando de outra forma com mais estímulos”. 

Defendem ser mais proveitoso para as crianças passarem curtos períodos de tempo “realmente concentrados naquela tarefa e de seguida poderem fazer outras coisas” do que as longas aulas que continuam a ser lecionadas. Além disso, destacam a questão dos trabalhos de casa que “são feitos por fazer”.geracaoalpha2 Geração Alpha: um guia para compreender estas crianças

Como lidar com esta geração?

A melhor maneira de lidar com esta realidade é perceber que o contacto com a tecnologia veio para ficar. Ao invés de proibir, deve-se sim fomentar o seu uso de forma segura e equilibrada, impondo limites. As educadoras não têm dúvidas de que é fundamental haver regras de utilização das tecnologias. “À medida que vão crescendo, vai aumentado o tempo de permanência”.

  • Até aos dois anos:  o uso de qualquer aparelho digital não é aconselhado e deve ser evitado,
  • Entre os dois e os cinco anos: limitado a uma hora por dia acompanhado de um adulto;
  • Dos seis aos 10 anos: no máximo duas horas por dia com supervisão de um adulto.

Além disso, os pais devem incentivar e ser parte ativa nas brincadeiras e jogos fora de casa, ao ar livre. No entanto, muitas vezes, não há espaço para tal, seja por falta de tempo ou por falta de paciência. “Chega-se a casa cansado do trabalho, com o jantar para fazer, com roupa para tratar… É muito apetecível ter o miúdo quieto à frente do tablet ou da televisão”, explica Sofia Verdasca.

Os pais têm um “papel um bocadinho ingrato”, aponta. “Por um lado, dão-lhes o telemóvel e dão-lhes a tecnologia porque ela existe e porque também querem poder telefonar a qualquer momento e saber como é que o filho está. Mas, por outro lado, tem o senão de não lhes conseguirem tirar o telemóvel”, confessa.

Para ajudar os pais a lidar com esta dependência da tecnologia, Ana e Sofia Verdasca enviam as atividades que foram feitas durante o dia na Academia e explicam como correu e qual o objetivo. “São ideias que podem adotar em casa”. É importante utilizar a tecnologia de uma forma positiva, nomeadamente ao envolver os filhos nas atividades “e não os deixar isolados nos quartos”, aponta Ana Verdasca.

“É importante que os pais demonstrem que estão presentes. Envolvê-los nas conversas de casa, perguntar como é que correu o dia”, sublinha Sofia Verdasca. Para tal, podem ser feitos alguns jogos para tornar o momento mais lúdico. Um exemplo prático consiste em perguntar-lhe quais as três melhores e as três piores coisas que aconteceram hoje no dia. Isto vai levar as crianças a pensar sobre o que fizeram no dia e também vão perceber que os pais estão interessados, que se interessam por eles, que não estão sozinhos e que os problemas podem ser partilhados”, acrescenta. 

Principais preocupações 

Esta é também uma geração mais atenta e preocupada com o que o futuro lhes reserva. Como tal, à semelhança do que aconteceu com os Millenials, vão priorizar a carreira ao invés de constituir família. Não só por questões de ordem financeira, mas também por questões ambientais. Isto porque estão bem cientes das consequências das alterações climáticas. 

A preocupação em preservar o planeta surge bem cedo. “Temos crianças com seis anos que já sabem o que é a reciclagem, sabem o que é que têm que pôr naquele sítio. Sabem também que a água tem que ser reaproveitada e quando deixamos a luz da sala acesa dizem-nos ‘não te esqueças de apagar a luz’. Já são eles que ralham”, explicam as educadoras.

No entanto, as redes sociais também promovem padrões de beleza irreais. O relatório do Projeto Dove pela Autoestima dá conta de que 9 em 10 crianças são expostas a conteúdos de beleza tóxicos nestas plataformas. Metade refere que tal teve impacto na sua saúde mental. “Temos aqui crianças de seis e sete anos que dizem que estão gordas”, alertam as profissionais da Academia Geração Alpha.

Trabalhar para viver ou viver para trabalhar?

Os efeitos associados ao ‘burnout’ já dizem respeito a mais de metade dos trabalhadores portugueses e revelam que o ambiente em contexto de trabalho mostra sinais de profundo desgaste. Um estudo divulgado pelo Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis conclui que 80% dos trabalhadores manifesta, pelo menos, um sintoma ligado ao desgaste físico e emocional e mais de 60% admite ter já três sintomas associados ao ‘burnout’

Os profissionais ligados à psicologia estão preocupados com os números, resultantes de vários inquéritos e entrevistas realizados pelo Laboratório com uma amostra de 1829 trabalhadores com idades entre os 18 e os 72 anos. Dizem que é necessário implementar medidas para melhorar o desempenho no trabalho, mas também no contexto da vida pessoal fora dele. 

A TejoMag falou com o psicólogo Luís Carlos Batista, que traça alguns dos sinais de ‘burnout’, possíveis causas e, também, pequenas formas de lidar com o problema, de forma a resolvê-lo. 

Causas e efeitos

“O ‘burnout’ é caracterizado por um cansaço excessivo. Ou seja, a pessoa sente-se grande parte do tempo exausta e com dificuldade em envolver-se em tarefas que lhe possam dar alguma satisfação. Uma pessoa em ‘burnout’ tem, geralmente, tendência a pensar muito no trabalho ou a sonhar com ele. Pode chegar ao ponto de ir para o trabalho e já sentir uma repulsa ao ponto de não querer ou conseguir ir”, explica Luís Carlos Batista. 

É importante estar atento aos sinais. As manifestações de ‘burnout’ podem surgir das mais variadas formas. Avaliar a linguagem verbal e não-verbal pode ser determinante para descodificar o problema. Geralmente, além do cansaço, o isolamento, a agressividade, a dificuldade de concentração, a irritabilidade e a tristeza são indicadores de que algo pode não estar bem. 

Luís Carlos Batista destaca ainda o impacto do ‘burnout’ na qualidade do sono e na forma como dormir bem afeta, mais do que se imagina, as relações emocionais com os outros, até mesmo em contexto de trabalho.

Uma liderança positiva nas empresas

“Cada vez mais, os casos que recebo em consultório com situações de ‘burnout’ surgem muito com a sensação de não-reconhecimento no local de trabalho. As pessoas não são percepcionadas no sentido das suas necessidades. Sentem que não há empatia e que apenas lhes é exigido, exigido, exigido”. 

É preciso uma liderança mais positiva nas empresas, explica o psicólogo. “É importante que tenhamos chefes ou líderes capazes de estabelecer uma comunicação que consiga motivar e reconhecer o valor dos profissionais com quem trabalham”. 

Torna-se importante observar que, em tempos de crise ou de maiores dificuldades financeiras, tendem a crescer os casos de pessoas que exercem funções de que não gostam ou com as quais não têm qualquer empatia. O trabalho por necessidade urgente em contexto de crise pode também representar um perigo de entrada em situação de ‘burnout’. No limite está uma situação que requer sempre acompanhamento profissional. 

“A pessoa até pode não gostar muito do que faz, mas se houver um bom ambiente, uma boa equipa, uma boa liderança dentro da empresa, o trabalho desenvolvido é facilitado. Alguém que valorize vai promover de alguma forma a saúde mental e o bem-estar no local de trabalho”, acrescenta. 

Viver para trabalhar ou trabalhar para viver?

Tudo na vida requer equilíbrio. Luís Carlos Batista concorda com a afirmação. “Para estarmos bem precisamos de sentir e retirar prazer das coisas mínimas, seja apanhar ar quando acordamos, seja ver o dia nascer, seja ouvir uma música. É, por isso, necessário encontrar estratégias e formas para que estas pessoas possam voltar a sentir algum prazer pela vida.” 

Profissões desgastantes sempre existiram, bem como aquelas que ocupam mais tempo aos trabalhadores. No entanto, cada vez mais portugueses experienciam o modelo de dois empregos, seja por necessidade ou para atingir objetivos pessoais. 

“O trabalho tem um papel cada vez mais relevante. Ocupa muito mais tempo de vida do que a própria vida. Mas devia ser ao contrário. O trabalho deve ser o meio, através do qual nós tiramos prazer, mas onde vamos buscar os recursos financeiros para podermos viver a nossa vida. A partir do momento em que o trabalho ocupa a maior parte do nosso tempo de vida, estamos a viver para trabalhar. Isso é já é um fator que nos pode predispor a situações de burnout”, reforça Luís Carlos Batista.

Teletrabalho, semana de quatro dia e apoio nas empresas

O estudo do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis aponta ainda uma série de recomendações que vão ao encontro das necessidades dos trabalhadores no sentido de lhes ser proporcionada mais qualidade de vida no trabalho e fora dele. 

O regime híbrido (teletrabalho), a redução do tempo de serviço para quatro dias semanais (com vencimento inalterado) e a criação de mecanismos de apoio psicológico nas empresas podem ser algumas soluções que, a curto e longo prazo, podem fazer a diferença. 

“O apoio psicológico nas empresas tem sido cada vez mais uma aposta. É algo que já acontece muito lá fora. Quase todas têm um psicólogo ou serviços de psicologia em parceria a quem os profissionais podem recorrer quando precisam de ajuda. Os psicólogos, em conjunto com as direções das empresas, podem ajudar a mitigar os efeitos negativos que conduzem ao burnout”, conclui Luís Carlos Batista. 

Quanto ao regime de quatro dias de trabalho semanais, há cada vez mais empresas em Portugal a querer experimentá-lo. Nos últimos meses foram implementados uma série de projetos-piloto de teste e alguns trabalhadores dizem preferir trabalhar quatro dias por semana, tendo a oportunidade de folgar outros três.

Empregada de mesa: um pedido de ajuda silencioso

São 8h30 da tarde, o céu está cinzento e as ruas encontram-se molhadas pela breve chuva torrencial, que horas antes atingiu a área da grande Lisboa. O estado do tempo esvaziou o espaço afastando os clientes. Desta vez, Lena, como é chamada por todos os que a conhecem, inclusive no restaurante onde trabalha, teve a sorte de arrumar as mesas e os chapéus de sol da esplanada antes da tempestade aparecer. 

Helena Rogério sai do restaurante e acende um cigarro que vai fumando até à paragem do autocarro. Tem 56 anos, 32 dos quais passados atrás daquele balcão, a servir cafés e a atender pedidos às mesas, perto de uma das zonas mais ricas e luxuosas de Lisboa. O mês de maio está a terminar e o calor do verão já se faz sentir. A esplanada encher-se-á de gente e de pedidos para aviar, os dias ficarão mais longos e a sua chegada a casa cada vez mais tardia. 

A caminho da paragem de autocarro, a poucos metros de distância do seu local de trabalho, Lena deixa transparecer o seu duro quotidiano. Mal conseguindo levantar os pés do chão, com passos pesados, chega à beira da estrada que tem duas faixas para cada sentido. Numa atitude descuidada atravessa-a, parando a meio, para deixar os carros passar. Mais dez minutos ou um quarto de hora e o autocarro chega levando-a até à estação de comboios. Nos dias de semana está mais conversadora, mas aos sábados, o último dia de trabalho antes da sua única folga semanal, desliga da realidade. Todas as tarefas são feitas de modo quase automático, mal conseguindo responder a quem a interpela, tal é o cansaço físico e psicológico.

As jornadas de 15 horas

À revelia da lei, no restaurante não há pica-ponto. Se houvesse, a sua história, em parte, poderia ser diferente. Entraria às 11h da manhã e sairia às 20h, como consta na sua folha. Atualmente dá por terminado o trabalho 30 minutos ou uma hora depois. No total um dia de serviço pode durar 13 horas seguidas, tendo sido a sua entrada fixa pelo patrão às oito horas da manhã. Segundo o Código de Trabalho, é permitido que faça oito horas diárias. Se fizer mais, terá de ser compensada com redução de horário nos dias seguintes ou com dias de descanso. O que nunca ocorre.

O estabelecimento já mudou de gerência seis vezes, mantendo sempre a essência inicial. Um amplo espaço com 52 lugares, um comprido balcão com uma vitrine com vários bolos e salgados e um espaço ao ar livre. Os menus do almoço tipicamente portugueses. Foi há quase duas décadas que António comprou a casa e decidiu manter Lena como empregada. Nos anos iniciais a carga horária era normal, como sempre foi com os patrões anteriores. Mas em plena crise de 2008, começou a fazer dois turnos. Trabalhava das 7 horas da manhã às 10 horas da noite, com direito a uma pausa de uma hora e meia. Cumpriu essas 15 horas até 2011 quando exigiu ter um horário normal.

Nessa época estava em processo de divórcio e a luta pela guarda do filho fê-la tomar a decisão de ameaçar o patrão. “Antes de ir a tribunal disse-lhe que ia fazer queixa dele se não reduzisse o horário”. António reduziu o seu horário para 11 horas diárias para que pudesse ter tempo de ficar com o filho, na altura com 11 anos. De nada adiantou. O tribunal decidiu atribuir a tutela do menor à avó materna, argumentando a falta de disponibilidade de Lena. Passou a vê-lo apenas sábado à noite quando o ia buscar e domingo à tarde tinha de o deixar na casa da sua mãe. “A partir dessa idade em diante perdi muita coisa. Houve muitos momentos que a minha mãe acompanhou e eu não. Quando estava com as outras gerências tinha tempo para acompanhar o meu filho porque tinha um horário decente”, diz com um ar abalado. “Foi o pior que me aconteceu enquanto ali estive”.

A par desse episódio, Lena culpa o patrão do rumo que o seu casamento levou. “O meu ex-marido ainda hoje diz que se eu tivesse uma vida normal, se calhar as coisas não teriam corrido como correram”. Até há três anos continuou a cumprir esse número de horas, até o ver a aumentar novamente. Pela altura do verão, em agosto, como os restantes restaurantes e cafés da zona encerram para férias, foi-lhe pedido que ajudasse na abertura e no fecho. “Eu comecei por ajudar e depois continuei porque ele achava que era uma obrigação”, diz encolhendo os ombros.

“Quando eu falava com o patrão, ele dizia que se eu não estava bem que me mudasse”. Mas Lena não desistiu. Decidiu permanecer no restaurante, insistindo para que as suas reivindicações fossem atendidas. Um envelope com 100 euros, entregue no final do mês à parte do ordenado, para pagar as horas extra, foi o que conseguiu. “Ele diz que os 100 euros que me dá a mais, pagam as horas extraordinárias que faço. Por mais horas que faça, acha que não há movimento que justifique um pagamento maior”.

restauracao1 Empregada de mesa: um pedido de ajuda silencioso

Os calos, as fissuras, a pele enrugada e seca são outro sinal da dureza do seu trabalho.” / DIANA CORREIA CARDOSO

“Dá a entender que não sou capaz”

No percurso de autocarro até à estação, onde apanha o comboio em direção à Margem Sul, vai de pé, misturada com muitos outros trabalhadores e estudantes, que preenchem o estreito corredor. Segura-se a uma das instáveis pegas do veículo com uma mão e com a outra carrega uma pequena mochila. Os calos, as fissuras, a pele enrugada e seca são outro sinal da dureza do seu trabalho. As costas, visivelmente curvadas, dão-lhe um ar pesado que contrasta com a sua personalidade.

Atender ao público foi o principal motivo, que a levou, com 23 anos, a trocar o trabalho num escritório por um lugar atrás do balcão. Os clientes do restaurante são na sua maioria moradores do bairro, trabalhadores da zona de escritórios ou pedreiros. Todos a conhecem pela sua simpatia e humanidade. São eles, também, testemunhas do seu dia-a-dia no estabelecimento. O patrão foi despedindo trabalhadores, utilizando sempre a desculpa da crise. Hoje, é ela que, sozinha, faz serviço de mesa, avia os pedidos de almoços e atende ao balcão. 

Enquanto serve um cliente, recolhe da mesa ao lado, as chávenas, os pires e os copos que transporta somente com as mãos, sem tabuleiro. Chega ao balcão e coloca-os na máquina de lavar. As pessoas vão-se acumulando de pé e enquanto os atende, chegam mais clientes à esplanada. A estas tarefas à hora de almoço, somam-se os pedidos que comunica na cozinha e que serve quando estão prontos. Às vezes, numa das únicas pausas que tem, a de almoço, de 30 minutos, nem termina a refeição porque não está ninguém para atender ao balcão e o patrão a obriga a levantar-se. Ao final do dia limpa o chão do restaurante, levantando uma a uma as mesas pesadas do interior e recolhe as da esplanada. Aos sábados, a cozinheira fica de folga e a ajudante de cozinha, faz o seu trabalho. Nos dias em que falta, é Lena que tem de fazer todo o trabalho de limpeza da cozinha, mantendo sempre um olho no balcão, nas mesas e na esplanada caso chegue algum cliente.

Para si, a situação “não é normal”, diz. “Uma pessoa quando está nas mesas tem de fazer também a esplanada e quem está ao balcão tem de dar serviço para fora e tirar cafés. Eu faço o balcão, a esplanada e as mesas. Eu consigo porque sei coordenar bem as coisas. Alguém com pouca experiência não conseguiria”. Lena relembra que todas as gerências anteriores trabalhavam a seu lado. Ela ficava ao balcão e eles no serviço de mesa. António tem um perfil diferente.

No outro dia, perto da hora de fecho do restaurante, quando estava no vestiário a trocar de roupa, o patrão chamou-a. Foi obrigada a sair, ainda de camisa interior, para receber um copo de uma cliente que estava na esplanada e se levantou para o entregar ao balcão. Nesse preciso momento, António estava perto da caixa registadora, optando por não atender o pedido. 

As suas ordens são sempre expressas por gritos e insultos, explica Lena. “Ele maltrata-nos à frente dos clientes. Ralha por coisas sem motivo, repreende as pessoas sem motivo. Estamos a fazer o nosso trabalho e para ele está sempre tudo errado, mesmo que esteja certo”. Apesar da cozinheira e da ajudante de cozinha não escaparem às ofensas, ela é o principal alvo. “Diz que somos todos uma cambada de gente que não presta, que tem empregados que não valem nada” e principalmente “dá a entender que não sou capaz”. 

A vítima e o vilão

Ao chegar à plataforma da estação fica a aguardar pelo comboio das 9h07. Pouco tempo depois uma senhora baixa e magra acena-lhe. É a sua vizinha, que há poucos meses começou a dar-lhe boleia para casa, evitando que, ao chegar à outra margem, tenha de esperar pelo autocarro que a deixa à porta de casa. Nas conversas diárias não consegue deixar de falar do seu dia de trabalho, relembrando antigas empregadas que trabalharam consigo.

A última estava sem contrato e despediu-se porque António não lhe pagou a quantia devida ao final do mês. Era uma jovem acabada de entrar na universidade. A penúltima também estudante, tomou a mesma decisão, devido à quantidade de insultos e pressão que sofreu. Saiu sem que lhe fosse pago o subsídio de férias e a última semana de trabalho. Não lhes era permitido que uma única mesa estivesse por levantar, mesmo que a fila de clientes para atender fosse longa. “Não aguentam a pressão. Nem estão para aguentar os insultos”, observa Lena. 

Em declarações à TejoMag, Paulo Amado,  fundador do projeto Nós as Pessoas, diz ser da mesma opinião. “Há uma nova geração que não permite isso”. Refere-se a “uma história interminável, uma tradição estranha de organização das cozinhas que nos dias de hoje é impossível de tolerar”. Em 2020, o projeto nasce disponibilizando consultas de psicologia gratuitas a trabalhadores do setor, com o objetivo de quebrar o “interminável ciclo da vítima-vilão”. Este ciclo inicia-se com a existência de um vilão, que está numa posição hierárquica superior, é “o responsável máximo” e com uma vítima que não tem poder. O vilão só o é porque antes já foi vítima. “À medida que [as vítimas] fossem subindo na carreira, transformavam-se em vilões para fazer novas vítimas”, conclui.

restauracao Empregada de mesa: um pedido de ajuda silencioso

O caminho de casa faz-se longo, apesar da companhia. No total dura uma hora e meia.” / DIANA CORREIA CARDOSO

António enquadra-se nessa explicação. O seu carácter abusivo foi-se revelando e agravando com o passar dos anos, constata Lena. “Quando o conheci, inicialmente não era assim. Está a tornar-se cada vez pior. Já não tem paciência. É da idade e da bebida”. Os dias do seu patrão, de 64 anos, começam de manhã cedo com a abertura do restaurante, antes dela chegar. Sempre rigorosamente vestido com uma camisa branca, calças pretas e um avental vermelho com o nome da casa, ao longo do dia, discretamente, aproxima-se do balcão e serve-se da prateleira de bebidas alcoólicas. À medida que o seu estado se agrava, eleva o tom e a implicância, usando, por vezes como desculpa, o modo como foi tratado quando estava na posição de empregado. Por si, “os pontapés nas canelas” que recebeu nessa época, deveriam ser agora aplicados às suas empregadas.

Desejo de adoecer

Essa é a menor das ameaças que Lena ouve. O patrão implica com a sua aparência, com o modo como se veste, com a sua forma de andar, de falar e faz comentários desagradáveis sobre a sua vida privada. Nos primeiros anos ficava afetada e não respondia, mas hoje esses insultos já não a afetam tanto, porque sabe as “capacidades” que tem. Quando estava em processo de separação as 15 horas diárias no restaurante levaram-na a “pensar meter baixa”. “Cheguei a pensar em adoecer por qualquer motivo, para poder ir para o hospital, para descansar. Andava desesperada. Tive uma depressão enorme. Emagreci muitos quilos, andava sempre triste, deprimida e ele fazia pior. Parece que se aproveitava para me rebaixar um bocadinho mais”.

Nunca chegou a recorrer a um psicólogo ou até mesmo a um médico. “Eu precisava mesmo na altura de pedir ajuda, mas o meu horário não me dá tempo para ir ao médico. Chego a deixar passar exames marcados porque não tenho ninguém para me substituir”, refere. As agressões psicológicas que sofreu fizeram-se sentir no seu físico. “Comecei a ter problemas de estômago, de intestinos, gastrite crónica, por comer mal e à pressa, problemas renais, de costas e varizes”.

Segundo Nuno Mendes Duarte, coordenador da Oficina de Psicologia, parceira do projeto Nós as Pessoas, que atualmente tem as vagas esgotadas, os 11 pacientes acompanhados também apresentavam queixas semelhantes. Na sua maioria eram empregados de mesa, cozinheiros e responsáveis pelos restaurantes, entre os 26 e os 58 anos de idade, com “níveis de ansiedade muito elevados, associados a preocupações e pensamentos persistentes que causavam mal-estar”. A pandemia veio agravar os problemas já existentes, a “gestão de emoções como a irritabilidade e a raiva e as dificuldades na interação social”. Outro fator de preocupação era “a incerteza e o futuro dos seus postos de trabalho”.

“Não sei se não estão a evitar querer fechar mais casas”

Do mesmo modo, a incerteza e as responsabilidades demoveram Lena de se despedir há 12 anos. “Não tinha condições. O meu ex-marido não me ajudava a sustentar o meu filho. Tinha de fazer aquelas horas para poder ganhar mais dinheiro e pagar a conta da casa”. De momento, não tem planos para procurar outro local de trabalho. “Em serviço de mesa até aos 36 anos somos consideradas novas, mas depois disso já somos velhas. O que me leva a ficar é saber que tenho direitos, por causa dos meus 32 anos de casa. Se o patrão vender o estabelecimento e a nova gerência não me aceitar como empregada, ele tem de me pagar os direitos.” 

Num contexto geral, Paulo Amado reconhece que apesar da atividade turística ser muito importante para Portugal, “assenta numa mão de obra que está sujeita a um trabalho do tipo intensivo, com longas jornadas e feito em épocas festivas”. A crise que o setor da restauração atravessa também pesa na decisão de Lena. “Chego ao fim do mês e tenho aquele dinheiro certo para pagar as despesas. Estou efetiva e se mudar para outro sítio nada é certo. Podem não me pagar o ordenado, ou pagar a recibos-verdes, ou estar a contrato seis meses e depois mandarem-me embora para não me passarem a efetiva”. 

O seu ambiente de trabalho não tem passado despercebido, tanto pelos clientes como por alguns inspetores do trabalho. “Cheguei a ter uma pessoa comigo ao telefone a perguntar se não queria que aparecesse no restaurante. Como na altura eu estava separada e tinha de pagar as minhas contas disse que não”. Se a inspeção viesse ao restaurante o mais provável é que fosse encerrado. “Isto está tão mau para os poucos restaurantes que existem, que acho que eles [inspeção] até fogem disso. Estão mal de finanças e têm pouco movimento. Não sei se não estão a evitar querer fechar mais casas”.

O caminho de casa faz-se longo, apesar da companhia. No total dura uma hora e meia. No dia seguinte, por mais dez anos e alguns meses a longa jornada, os maus-tratos e o assédio irão continuar. O que resta a Lena é a esperança que a gerência mude e a infelicidade da nova jovem ajudante de cozinha, que ultimamente tem sido o principal alvo do patrão.

As identidades dos entrevistados foram ocultadas, para sua proteção.

O papel da alimentação e do exercício físico na saúde mental

A Organização Mundial da Saúde define “saúde” como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. A definição é clara e demonstrativa de que a saúde mental – negligenciada durante muito tempo – desempenha um papel fundamental neste bem-estar geral. De acordo com esta organização, uma em cada quatro pessoas sofre ou irá sofrer de ansiedade, depressão ou outro transtorno mental durante a vida.

Os três pilares 

Paulo Dias, neuropsicólogo da Clínica Dr. Alberto Lopes, sublinha que “procurar ajuda não é demonstrar fragilidades ou fraquezas, mas sim um sinal de coragem”. Começa por explicar que vivemos numa sociedade que “nos gera stress emocional, seja a nível escolar, académico ou profissional. Atrevo-me a dizer que há crianças que já nascem para este mundo com um nível de ansiedade superior àquilo que seria o desejável”.

São vários os aspetos que podem debilitar a saúde mental. Seja a nível de personalidade, “aquilo que chamamos de um ego mais frágil, que pode ter dificuldades de resiliência perante os conflitos”, seja também pela falta de autocuidado, que descreve como “o empurrar as coisas com a barriga”.

pedrodias O papel da alimentação e do exercício físico na saúde mental

O especialista destaca três pilares que considera fundamentais para a estabilidade corpo-mente. O exercício físico, o sono e a alimentação. Alerta que “a ausência ou o descuido destes fazem com que estejamos sempre com uma menor capacidade de resiliência para os conflitos que vamos enfrentando ao longo da vida”.

Vários estudos concluem que, de facto, a prática de atividade física regular não só contribui para uma sensação de bem-estar, como também influencia positivamente a qualidade do sono. Uma simples caminhada de 10 minutos tem a capacidade de melhorar o humor, aumentar a energia e o estado de alerta mental. A importância de dormir bem também não deve ser menosprezada. Isto porque é precisamente durante o sono que o organismo se regenera. 

Magda Roma, nutricionista da Clínica Lisbon Plastic Surgery, explica que “a nutrição desempenha um papel fundamental na saúde mental como em qualquer patologia quando entendemos que é através do que ingerimos que as células do nosso corpo recebem nutrientes essenciais ao seu desenvolvimento e função. Uma alimentação equilibrada e saudável fornece os nutrientes essenciais para o funcionamento adequado do cérebro e do sistema nervoso.”

Nesse sentido, são vários os nutrientes que beneficiam a saúde mental, tais como:

  • Triptofano (aves, peixe, ovos, frutos secos, sementes e leguminosas);
  • Complexo de vitaminas B (aves, peixe, ovos, frutos secos, cereais, folha verde-escura, sementes e leguminosas);
  • Omega 3 (peixes gordos, sementes, frutos secos);
  • Antioxidantes e fitonutrientes (todo o reino vegetal, legumes e frutas);
  • Magnésio (folha verde-escura, frutos secos, sementes, grãos integrais, abacate e bananas);
  • Vitamina D (sol ou alimentos enriquecidos por ela).

Porém, adverte que há outros comportamentos/alimentos que “nos deixam num estado inflamatório” e que “podem ser gatilhos da doença mental”. São eles os “alimentos processados, açucarados, gorduras saturadas e o consumo excessivo de álcool”, elenca.

A Dieta Mediterrânica e os probióticos

A Dieta Mediterrânica é frequentemente apontada como a mais indicada para lidar com sintomas depressivos. Magda Roma explica que “tem sido amplamente estudada e é reconhecida pelos seus potenciais benefícios na saúde, incluindo a saúde mental e a redução do risco de doenças crónicas”.

Baseia-se na ingestão adequada e diária “de alimentos de base vegetal, como legumes, cereais, tubérculos, frutos secos, frutas ricas em propriedades anti-inflamatórias e em todas as vitaminas e minerais que necessitamos”. Além disso, exige “um consumo controlado de carnes, laticínios e dá preferência aos frutos do mar e peixes”.

Magda O papel da alimentação e do exercício físico na saúde mental

Há ainda quem defenda os benefícios dos probióticos para a saúde mental. Estes microrganismos vivos, conhecidos como bactérias “boas”, ajudam a manter o intestino saudável ao impedir a multiplicação de bactérias prejudiciais. “Uma alimentação rica em probióticos pode auxiliar o funcionamento do intestino, bem como melhorar a digestão e absorção de nutrientes ao mesmo tempo que auxilia na manutenção da saúde mental”, destaca a nutricionista.

Mente sã em corpo são

Paulo Dias deixa ainda várias dicas para a prática da saúde mental positiva. Sublinha a necessidade de cultivar uma “mentalidade positiva, praticar o autocuidado, desenvolver atividades que promovam bem-estar”. Quando estes passos não estão a ser suficientes e sente que há certos obstáculos ou desafios que não está a ser capaz de ultrapassar sozinho, deve “procurar ajuda terapêutica”. 

A célebre expressão “Mens sana in corpore sano” ou “Mente sã em corpo são”, da autoria do poeta romano Juvenal, ilustra bem a importância do equilíbrio entre o corpo e a mente. “Sem saúde mental não conseguimos ter qualidade de vida”, alerta o neuropsicólogo.

O 25 de abril contado pelos retornados

A Revolução do 25 de abril foi desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) com o objetivo de depor o regime do Estado Novo, terminar com a guerra colonial e instaurar um regime político democrático. Marcello Caetano, que sucedeu a António de Oliveira Salazar em 1968, rendeu-se e foi exilado no Brasil.

A descolonização dominou a agenda política no verão de 1974. O futuro das colónias estava agora em cima da mesa e a ser discutido entre o MFA, o Governo Provisório e os diferentes movimentos de libertação.

Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique tornaram-se independentes entre 1974 e 1975 após 13 anos de conflitos armados entre os vários movimentos de libertação africanos e as Forças Armadas portuguesas. Mais de meio milhão de portugueses regressaram ao País oriundos das ex-colónias. Ficaram conhecidos como “retornados”.

Cristina Caramelo, moradora nas Caldas da Rainha, recorda com saudade a vida “saudável e sã” que tinha em Benguela, Angola, para onde se mudou com a família quando tinha 10 anos. Para além do custo de vida ser manifestamente mais baixo do que aquele que encontrou quando chegou a Portugal, destaca os laços que foram criados. “Não havia televisão, pelo que as pessoas se juntavam à noite para ir ao bar ao pé da praia. O Bar Ferreira foi onde eu bebi, pela primeira vez, Coca-Cola e 7Up, que vinha da África do Sul”, confidencia.

“As crianças eram mais crianças”

Também Margarida Gaspar, que foi para Lourenço Marques (agora Maputo), Moçambique, com apenas 8 dias, partilha da mesma visão. “Costumo dizer que quando abri os olhos estava lá. Todas as minhas recordações de infância são de lá. E, se calhar por isso, guardo-as com muito carinho. Tive uma vida feliz, a minha família era de classe média alta. O meu pai tinha uma empresa de tintas e nós acompanhámos muitas dessas viagens. Fui muito vivida”. O choque chegou quando veio a Portugal pela primeira vez. Foi em 1970, com nove anos. “Odiei. Pensei ‘porque é que os meus pais vieram?’”.

Margarida notou de imediato as diferenças entre os dois países. “A vida cá era muito diferente da de lá. As mulheres só saíam com os maridos, não fumavam e as crianças tinham algumas obrigações. Lá era mais descontraído. As crianças eram mais crianças, brincávamos até às 10 da noite na rua”, relembra com saudade. “Lá tinha uma vida muito livre. Cheguei aqui e fiquei em casa, na varanda, a ver as pessoas passarem. Não havia aquele convívio familiar, brincadeiras, era uma coisa muito fechada”, sublinha.

Cristina relembra um episódio marcante logo no primeiro dia de aulas em África. “Eram pessoas completamente diferentes no relacionamento uns com os outros por comparação com o que encontrávamos cá. Posso dizer que no meu primeiro dia de aulas não conhecia ninguém, parecia um bichinho do mato, enfiei os meus olhos na mesa e três raparigas vieram ter comigo. Foram elas que vieram ter comigo. O relacionamento era saudável, de querer interagir, sem olhar a estatutos sociais”, começa por explicar. “Tinha uma liberdade extrema com 10 anos. Em Portugal quase tinha de pedir autorização ao ministro para atravessar a rua”, lamenta.

“Tudo o que tinham, ficou lá”

Em Angola, havia três forças políticas nas ruas: MPLA, FNLA e UNITA. Muitas armas, muita violência, muito caos. “Se precisasse de ir à casa de banho, tinha de ir de gatas” por receio das balas perdidas. “Os meus avós deixaram lá tudo. Em 74 vieram de férias para Portugal, chegaram cá a 26 de abril e já não regressaram. Tudo o que lá tinham, ficou lá. Trouxeram a roupa que tinham no corpo. Depois, os meus tios chegaram cá em outubro de 75 e também só trouxeram o que tinham no corpo, mais nada. E mesmo assim foram interpelados sobre para onde é que iam. Havia uma suspeição e um medo constante”, diz Cristina. “O meu avô tinha uma vivenda, onde vivia, e uma vivenda na praia. Não deu rumo nenhum a nada. Sei que a casa na praia foi assaltada e vandalizada. A casa da cidade foi arrendada, mas nunca ninguém recebeu renda”, diz com mágoa.

Margarida lembra-se perfeitamente dos momentos de incerteza e pânico com a chegada do 25 de Abril. “Recordo-me de ouvir um burburinho e de a minha mãe dizer ‘ela já não vai para a escola, não sei o que é que vai acontecer’”. Os dias seguintes decorreram com alguma normalidade, mas “depois começam os tumultos e esse foi um período difícil. Começa a haver receio do que seria o futuro”.

“Foi uma situação muito difícil com muita gente a morrer”

Margarida viu e viveu coisas que nunca mais esquecerá. “Lembro-me perfeitamente de um dia em que era suposto chegar a casa às 14h e não cheguei. Cheguei à noite, porque Samora Machel [na altura Presidente de Moçambique] tinha feito um comício e fomos obrigados a ficar na escola até à noite a ouvi-lo. Aí as coisas começaram a agravar-se. Nós morávamos num bairro mais recatado e saímos. O meu pai liga para minha mãe e diz ‘é melhor vires com a miúda, porque começou a haver incidentes na autoestrada’”, nomeadamente muitos carros a serem queimados.

“Foi uma situação muito difícil com muita gente a morrer. Víamos carrinhas de caixa aberta a passar com as pessoas que iam morrendo. Tudo o que era branco era para morrer. Era um ódio primitivo”. Apesar de tantas adversidades, os pais de Margarida não quiseram desistir de tudo o que tinham conquistado. “Ficámos com o pensamento de que isto ia ser ultrapassado. Esta onda de violência acalmou e começou a ser uma vida mais normal”, mas sublinha que as revistas aleatórias eram frequentes. Em 1975, o permanente clima de instabilidade levou a que abandonassem definitivamente Moçambique.

O regresso a Portugal

À chegada a Portugal, reencontraram-se com um casal amigo da família que veio “antes da Independência de Moçambique e que vivia em Coruche”. Margarida assume que mesmo sem ter trazido quaisquer bens materiais, teve sorte. “Tínhamos uma casa onde ficar”. O pai, ceramista, montou um negócio de cerâmica nesta pequena vila em Santarém. Margarida acabou por ir para Lisboa estudar e o resto, diz com mágoa, “foi ficando para trás”.

Também Cristina foi obrigada a um recomeço com o 25 de abril, “mas não com tantas dificuldades como muitos que vieram”, alerta. “A minha casa parecia um acampamento. Tinha os meus avós, e os meus tios e os sogros da minha tia. Entretanto, o meu pai arranjou um quarto para os sogros da minha tia, um tio meu que estava em França emprestou a casa para a minha tia, para o marido e para as filhas.” No caso do tio, “a mulher tinha família cá e optaram por ir para ao pé da família dela”. A pouco e pouco, as coisas começaram a compor-se. Recorda que os tios beneficiaram do IARN (Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais), um organismo que facultava dinheiro, roupa e comida para ajudar na instalação e integração dos retornados.

“O governo português não pensou”

Em jeito de conclusão, Cristina lamenta a forma como todo o processo foi conduzido. “Foi uma independência muito mal dada, como se tivéssemos medo. Podia ter sido dada a pensar nos portugueses que lá estavam e garantir a sua segurança, como anos mais tarde fizeram com a independência de Macau. O governo português não pensou nos milhares de portugueses que tiveram que vir pela independência ter sido mal dada. Não só prejudicaram esses, como também aqueles que já cá estavam. Ninguém saiu beneficiado desta situação”, conclui.

Portugal cai dois lugares no ranking de liberdade de imprensa. Extremismo mantêm-se uma ameaça

O mais recente levantamento dos Repórteres sem Fronteiras não traz boas notícias para Portugal. Apesar de se manter no Top 10 dos países com maior liberdade de imprensa, o país caiu duas posições na tabela e está agora em 9º lugar no ranking que avalia a
liberdade do jornalismo, num total de 180 países e territórios.

Segundo o relatório, apesar de já ter estado em 9º lugar em 2021, a liberdade de imprensa em Portugal é “satisfatória” (em 2022 era “muito boa”) e o país lidera agora o grupo de países com a mesma classificação. Os jornalistas continuam a usufruir de liberdade e proteção pela lei no exercício de funções mas os salários dos profissionais do setor continuam numa trajetória de desvalorização. Porém, à semelhança do último levantamento em 2022, o trabalho dos repórteres corre o risco de ameaça por grupos extremistas.

liberdade+de+imprensa Portugal cai dois lugares no ranking de liberdade de imprensa. Extremismo mantêm-se uma ameaça

Segundo o último relatório dos Repórteres sem Fronteiras, Portugal caiu duas posições no ranking mundial que avalia a qualidade do jornalismo.

“Em geral, o Governo e os partidos políticos respeitam o trabalho dos media. No entanto, enquanto cobriam as suas atividades durante as eleições presidenciais de janeiro de 2021, os jornalistas foram ameaçados e insultados por apoiantes do partido de extrema-direita Chega, bem como pelo seu diretor de campanha”, pode ler-se na ficha de Portugal, que conta ainda com referências a episódios ocorridos em 2021.

Além do cenário político, o ranking avalia outros indicadores como o contexto económico e sociocultural, o enquadramento legal e a segurança. São depois avaliados com recurso a variadas plataformas ou inquéritos até se chegar ao relatório com as conclusões e classificações finais.

Na 21ª edição do ranking mundial referente à Liberdade de Imprensa, a Noruega continua a ser o país com o jornalismo mais livre, a par dos demais escandinavos (Suécia caiu de 3º para 4º e a Dinamarca desceu de 2º para 3º lugar na tabela). A Irlanda registou um salto e ocupa agora o 2º lugar. Os Países Baixos subiram 22 posições e estão em 6º lugar.

liberdade+de+imprensa1 Portugal cai dois lugares no ranking de liberdade de imprensa. Extremismo mantêm-se uma ameaça

O site dos Repórteres sem Fronteiras disponibiliza um mapa interativo com informação específica sobre cada país.

Na Europa, alguns países registaram quedas significativas no ranking referente ao tema. Exemplo para a Alemanha (16º para 21º), Espanha (32º para 36º) e Reino Unido (24º para 26º). Todos receberam avaliação “satisfatória”. A Coreia do Norte continua a ocupar o último lugar da tabela e a China é agora o segundo país/território do mundo com menor liberdade de imprensa (ocupava o 175º lugar). Os Repórteres sem Fronteiras traçam um cenário “muito sério” em 31 países, “difícil” em outros 42 e “problemático” em 55 nações. Pelo contrário, 52 países ocupam agora uma posição “satisfatória”. Em resumo, apenas 3 em cada 10 países do mundo têm uma Liberdade de Imprensa considerada boa ou satisfatória.

Quanto à Ucrânia, subiu quase 30 posições e ocupa agora o 79º lugar, dentro do grupo de países com jornalismo satisfatório. A Rússia mantém-se no vermelho, na 164º posição do ranking mundial.

O futuro é lá atrás

Mais um 25 de Abril, e mais uma vez os mesmos discursos a olhar para trás, para a espuma dos dias e quezílias partidárias actuais. Nada mais, fosse o discurso mais ou menos cuidado, e o protagonista mais ou menos sofisticado.

Em 2004, por altura do 30º aniversário do 25 de Abril, o governo de Durão Barroso alcandorou as celebrações ao slogan ”25 de Abril é evolução”, tentando sair do cerimonial quase fúnebre habitual. Tal sacrilégio não foi perdoado.

Pensar um pouco diferente é sempre ser fascista neste país. A verdade é só uma e a interpretação também. É pobre este nível de ideias e de debate.

Se o 25 de Abril foi o fim de um regime autoritário e esgotado, e significou o fim de uma guerra sem saída, foi também uma lufada rumo à liberdade.

No entanto, passados quase 50 anos, não há ambição nem perspectiva de futuro. Um país economicamente bloqueado, demograficamente envelhecido, fiscalmente asfixiado, politicamente adiado, socialmente anestesiado.

Os agentes políticos vão empurrando as questões com a barriga, esperando mais um pacote de milhões da União Europeia, enquanto vão lançando mão de truques e demagogias várias para entreter a sociedade. E a sociedade, por sua vez, está cada vez mais presa num emaranhado de medidas bem pensantes.

Recentemente ouvi a ministra do Trabalho defender a Agenda do Trabalho Digno, por exemplo, como uma forma de manter e atrair os jovens para o mercado de trabalho nacional. Já pensaram em descer realmente os impostos – para todos os portugueses? Se os cidadãos tivessem melhores níveis de rendimento (e um dos bloqueios é o estrangulamento fiscal), poderiam viver melhor, ter mais filhos (a questão demográfica está aí de forma dramática), ter outros interesses.

Como se sai daqui? Que alternativas há?

Não é agitando bandeiras populistas que tanto jeito dão à simbiose política entre o PS e o Chega. Eles adoram odiar-se, e é do interesse de ambos manter a ficção circense em que se entretêm. Barulho sem conteúdo.

No passado, foi possível haver líderes que olham além da espuma dos dias e ganhar eleições. Curiosamente, são os políticos que sabem em que momentos falar, e quando manter a reserva, que melhores resultados tiveram. Algumas coisas devem saber de consistência política.

Saibamos escolher melhor.

O futuro pode ser lá à frente.

Uma revolução, uma avenida, muitas lutas

O calor que se fazia sentir em mais um abril pós revolução, foi atípico. Ao som de “Grândola Vila Morena”, milhares de pessoas fizeram-se presentes e empunharam cravos, tambores, gaitas de fole, apitos, cartazes, faixas e megafones onde os gritos de ordem de cada grupo eram intercaladas com o clássico de António Escudeiro, “o povo unido jamais será vencido”. Em cada rosto um amigo que pontuava a diversidade. 

A presença dos jovens foi notória em cada um dos grupos. De mãos dadas com os defensores de abril, ficou claro o empenho, a alegria e principalmente a liberdade de estudantes universitários, jovens empreendedores, artistas, ativistas pelo ambiente, pela cultura, pela igualdade de gênero, pela liberdade sexual, pelos direitos dos animais, pela moradia justa, pelo valor das propinas ou simplesmente pelo direito à alegria. 

Crianças andaram livremente a saltitar e a usufruir a liberdade de expressão que foi aquela manifestação. De destacar a família de um rapaz que empunhava uma réplica em lego de um fuzil com cravo no cano. A avó, a mãe, duas crianças e mais uma mulher com necessidades especiais de locomoção à beira da calçada, com seus cravos encarnados na mão, estavam a vibrar e a cantar as velhas canções. Os ideais de abril eram passados às novas gerações e segundo a mãe do rapazinho “é preciso estar presente na democracia”. 

Muitos cartazes em variados formatos. Uns vinham a baloiçar entre as bandeiras e outros vinham presos no corpo. Sempre acompanhados de um certo “orgulho” em carrega-los. As vozes sentiam-se emocionadas e pujantes. Principalmente a dos professores. Vieram desde o Minho até ao Algarve. Vestiram preto em sinal de luto. Pediram fundamentalmente respeito, afinal uma nação valente não se faz sem eles. Acreditam que estar em luta há tanto tempo pelos “6 anos, 6 meses e 23 dias”, além de necessário para categoria, é “pedagógico”. Ensinam aos seus alunos, colegas e também aos vários ministros que “não podemos baixar os braços nunca”. 

O grito “25 de abril sempre, fascismo nunca mais” também ecoou pela avenida abaixo. Muitos foram os cartazes que procuraram lembrar que a democracia se fez e se faz sempre na rua, na escola, na coletividade. Se faz com poesia, afetos, tambores, “pão, saúde, educação e habitação”.  

Não é por acaso que o Primeiro artigo da Constituição Portuguesa, expressa que a soberania do país é “ soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” Faz-se com consciência e educação, sem deixar espaço para que qualquer movimento que esteja pautado pela falta de liberdade, direitos conquistados e participação popular possa crescer.

São os ideais de abril que “animam a malta”, e que, no encontro com o amigo, no sorriso rasgado da juventude e nos cravos encarnados proporcionam o ‘desfile popular cotidiano’ da democracia.  ​​​​​​​

#NãoPodias: conseguimos imaginar como era viver num país assim?

Já está a circular na Internet e nas redes sociais uma campanha que vai explicar aos mais jovens – e não só – o que não podiam fazer se vivessem em Portugal há 50 anos. Em 2023, assinala-se o cinquentenário da revolução que devolveu aos portugueses garantias e liberdades e instaurou a democracia no país.

A TejoMag falou com Maria Inácia Rezola, comissária executiva das comemorações dos 50 anos do 25 de abril. Realçou a importância de explicar às gerações mais novas as conquistas de há 49 anos e por que razão deve a transformação do regime ficar na memória das que já não a vivenciaram.

“O 25 de Abril encerra uma dimensão geracional significativa: quem viveu a ditadura perceciona as “conquistas revolucionárias” de forma diferente em relação às gerações que nasceram depois do 25 de Abril ou depois da viragem do milénio. Pretendemos que os 50 anos do 25 de Abril sejam uma oportunidade para refletir sobre os próximos 50 – e o contributo dos mais novos é absolutamente indispensável nesse debate”, aponta Maria Inácia Rezola.

A iniciativa resumida na hashtag #NãoPodias conta com vários trabalhos publicados em plataformas como o Facebook, Instagram ou o Youtube. A ideia será que a mensagem seja difundida de forma mais rápida, através de ilustrações e pequenos vídeos sobre o que não podia ser feito antes de 25 de abril de 1974.

“A Campanha surge neste contexto. Queremos, com recurso às plataformas e linguagens que são familiares a estes públicos, mobilizar mesmo os menos politizados e menos interessados em temas históricos. A nossa expectativa é que os jovens participem na iniciativa e que mobilizem outros públicos, como os seus pais e avós, para esta reflexão sobre a Liberdade.”

naopodias2 #NãoPodias: conseguimos imaginar como era viver num país assim?

O direito à educação – bem como o acesso ao êxito escolar – só foi consagrado na Constituição Portuguesa após 1974.

“Não podias votar. Não podias expressar-te. Não podias discordar. Não podias viajar livremente. Não podias reunir-te. Será que conseguimos imaginar como era viver num país assim?”. É desta forma que arranca um vídeo partilhado no Youtube pela Comissão dos 50 anos do 25 de abril. Maria Inácia Rezola enumera os vários limites que a ditadura impunha aos portugueses e que hoje seriam inconcebíveis. Uma das frases fortes do vídeo indica que conhecer o passado permitirá valorizar as conquistas de abril e valorizar a conquista da liberdade e da cidadania.

“Estou muito satisfeita com o resultado. Temos visto, quer partilhas dos recursos que disponibilizamos no nosso site, quer interpretações dos #NãoPodias que selecionámos”.naopodias1 #NãoPodias: conseguimos imaginar como era viver num país assim?

A campanha foi desenvolvida em 11 ilustrações que mostram os vários conceitos proibidos antes de 1974. O contacto estreito com a restante realidade europeia não acontecia.

A grande maioria de nós não sabe o que é viver sem liberdade. Em março do ano passado, Portugal cumpriu 17.500 dias em liberdade, mais um que em ditadura.

Mas já em 2018, a propósito das comemorações dos 44 anos da revolução, se tinha atingido um marco importante: Mais de metade da população portuguesa tinha nascido depois de 1974. Será que os jovens valorizam abril da mesma forma?

“Como professora, encontro sucessivas gerações de jovens para quem o 25 de Abril é uma realidade muito longínqua, mas que desperta grande interesse. Temos de ser nós a ir ao encontro deles, e não esperar que sejam eles a procurar-nos. Devemos ser criativos, dialogantes e proativos. É impossível chegarmos a todo o País, a todos os jovens. Felizmente, existem no terreno muitas entidades e agentes empenhados em mobilizar os jovens para as comemorações. O 25 de Abril é o momento fundador da democracia portuguesa. O seu 50.o aniversário é uma oportunidade relevante para a divulgação da história e da memória para as novas gerações.”

Jovens ucranianos vieram para Portugal e “não sabem qual será o seu futuro”

A 23 de fevereiro de 2022, milhões de ucrianianos adormeceram em paz e acordaram, na manhã seguinte, com a sua nação destruída pela guerra. Os pedidos de ajuda multiplicaram-se e o que outrora pareceu um futuro de céu azul, rapidamente se transformou num pesadelo. Para muitas famílias, fugir foi a solução. Os jovens, que, como se costuma dizer, são o futuro, viram-se obrigados a repensar o que seria do dia seguinte. Muitos deles chegaram, por meio de auxílio, a Portugal, para tentar recomeçar a vida que deixaram, na Ucrânia, em standby.

No ano passado, foram cerca de 14 mil os jovens ucranianos que cá chegaram – quase todos menores de idade. Deixaram tudo para trás em busca de um país onde não se ouvisse o som de explosões. Em declarações à TejoMag, Pavlo Sadokha, presidente da Associação Dos Ucranianos em Portugal (AUP), esclarece que só 4 mil foram matriculados no ano letivo de 2022/2023. A análise feita pelo Alto Comissariado para as Migrações mostra que “os restantes estão em situação desconhecida”.

Para eles, o cenário é de indecisão, explica-nos Pavlo. Se, por um lado, querem acreditar que ainda existe a possibilidade de regressar à Ucrânia, por outro, a situação de guerra não lhes permite. “Estão numa situação vulnerável em que não sabem qual será o seu futuro”, sublinha.

A barreira linguística é o maior obstáculo à sua integração. Em Portugal, quando chegam à escola, têm aulas adicionais de língua portuguesa para estrangeiros, mas, como o objetivo é voltar ao país que os viu nascer, e não cá ficar, “colocam, imediatamente, um entrave à aprendizagem”. No caso daqueles que ingressam no ensino superior, o panorama é ligeiramente diferente, visto que a maior parte dos jovens ucranianos domina o inglês, justifica o presidente da AUP.

“A reconstrução da Ucrânia vai demorar anos, por isso não esperamos que estes jovens consigam regressar. Eles cada vez mais começam a perceber isso e a mudar a sua visão em relação ao futuro”.

Um ano depois de se ter instalado a guerra, Pavlo acredita que estes jovens começam agora a encontrar amigos, vizinhos e ambientes que os ajudam na inclusão, “motivando-os para aprender o português, com a finalidade de se integrarem”.

Salienta, mais uma vez, a importância de aulas de língua portuguesa – “isto é o básico para a adaptação”. Outro ponto de relevo, reforça, é o ambiente criado pelos professores e colegas, e a sua atitude perante os imigrantes ucranianos.

“Portugal tem uma sociedade solidária, é um bom exemplo de como acolher refugiados”, destaca.

O país vive um momento de crise – consequência, em grande parte, da guerra na Ucrânia, “mas os portugueses reconhecem que isto não é um problema causado pelos ucranianos, mas sim pelo lado de quem é agressor”. À comunidade, pede, sobretudo, paciência e que continuem a ajudar, porque “a guerra não irá terminar daqui a um ano, nem os efeitos causados por ela serão brevemente resolvidos”.

Ao Governo, às instituições e à sociedade civil, recomenda que incluam, neste processo de integração, os ucranianos que chegaram a Portugal por volta do ano 2000, já que “estão ambientados, conhecem o país e a língua, e podem ser muito úteis para a adaptação destes refugiados que fogem ao perigo”.

Recorde-se que houve, no início do século XXI, uma outra vaga de imigração ucraniana em Portugal, pautada por questões financeiras.  Espalharam-se pela Europa e vieram para Portugal à procura de trabalho. “A diferença é que os jovens que cá chegaram, na altura, com os seus pais, tinham o objetivo de ficar e construir aqui o seu futuro”, distingue Pavlo.