A nova política de gestão do património cultural do Ministério da Cultura

Foi no passado dia 22 no decorrer de mais uma iniciativa do Governo Mais Próximo, desta feita no distrito de Évora ou no Alentejo Central (como preferirem) que o ministro da cultura anunciou a nova política para a gestão de equipamentos e valências do Património Cultural sobre tutela do Estado Português.

A ideia parece simples: dividir a atual estrutura da Direção Geral do Património Cultural por duas novas realidades institucionais. A Museus e Monumentos de Portugal, assumindo um estatuto de entidade pública empresarial e o Património Cultural, um Instituto Público. A mudança ocorrerá a 1 de janeiro de 2024 e foi aprovada em Conselho de Ministros a 22 de junho.

Com esta medida política a Direção Geral do Património Cultural tem até ao final do ano, o último semestre de funcionamento.

Esta decisão extingue um organismo público e cria duas entidades públicas diferentes, mas cria diversas outras realidades.

Em primeiro lugar o governo assume uma separação nos modelos de gestão dos diferentes bens culturais, ficando os bens culturais móveis sobre tutela da Museus e Monumentos de Portugal e ficando os bens culturais imóveis e o património imaterial, sobre a tutela do Património Cultural.

Em segundo lugar, os dois novos organismos que agora surgem assumem diferentes modelos jurídicos e de gestão pública. Se o Património Cultural enquanto instituto, se mantêm na esfera da administração pública central a Museus e Monumentos de Portugal torna-se uma nova realidade no sector empresarial do Estado pois vai ser uma empresa pública.

Em terceiro lugar, esta reestruturação vem descentralizar a gestão pública em termos territoriais. Pois enquanto a Museus e Monumentos de Portugal terá sede em Lisboa, o Património Cultural terá sede no Porto, embora mantenha algumas instalações no Palácio da Ajuda, conforme foi explicado pela Secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, na conferência de imprensa realizada a 23 de junho no Palácio da Ajuda.

Nessa mesma conferência de imprensa, foram bem esclarecidas as competências associadas a cada entidade. 

Deste modo, ao encargo da Museus e Monumentos de Portugal fica a Política Museológica, a conservação e restauro do património móvel, a valorização das coleções nacionais, o Laboratório José de Figueiredo, que se pretende que seja renovado, a gestão e proteção do património móvel, a coleção de arte contemporânea do Estado, a política de aquisições de bens culturais, as lojas dos museus e por fim a gestão de seis museus e monumentos que eram tutelados por Direções Regionais de Cultura. A saber: Fortaleza de Sagres, Museu de Lamego, Museu Rainha D. Leonor em Beja, Museu Alberto Sampaio em Guimarães, Museu José Malhoa nas Caldas da Rainha e o complexo Castelo de Guimarães e Paço dos Duques de Bragança em Guimarães.

Quanto ao Património Cultural fica-lhe incumbido a gestão do património classificado ou em vias de classificação, todas as temáticas associadas ao património arqueológico, arquitetónico e imaterial, a tutela do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, o Laboratório de Arqueociências, o Forte de Sacavém, as Bibliotecas e Arquivos de Arqueologia, a execução do Plano de Resiliência e Recuperação (nas temáticas associadas a esta área da governação) e ainda a transição digital.

O Património Cultural ficará ainda com a tutela e gestão trinta e quatro imóveis culturais classificados geridos pelas direções regionais de cultura e pela Direção Geral do Património Cultural na NUT de Lisboa e Vale do Tejo.

Da conferência de imprensa do passado dia 23, ficou ainda a confirmação da estabilidade laboral para todos os funcionários dos espaços e equipamentos tutelados e sob gestão atual da Direção Geral do Património Cultural, bem como a continuidade dos procedimentos concursais para a integração de novos quadros nos museus nacionais e no Laboratório José de Figueiredo, assim como a continuidade dos processos associados os programas de apoio e financiamento às diversas instituições patrimoniais.

Associada a esta política que divide a Direção Geral do Património Cultural em duas instituições públicas, vem uma política de esvaziamento das direções regionais de cultura, pelo menos no âmbito do sector do património cultural (relembremos que estes organismos estatais têm também competências nas áreas das artes, dos livros, arquivos e bibliotecas). Assim, todos os demais museus, monumentos e valências associadas que não ascendam à tutela do Museus e Monumentos de Portugal ou ao Património Cultural passam para a tutela das autarquias onde se encontram sediados seguindo (em muitos dos casos) as normas legais colocadas em decreto-lei n.º 22 de 2019 e que segue a política de descentralização de competências para as autarquias que os últimos três governos têm tentado implantar. De resto, a Secretária de Estado da Cultura foi perentória em afirmar que este processo se tinha iniciado em 2019 e que tinha dificuldades em ser concluído. Entre os equipamentos que vão ser transferidos para a gestão autárquica está o Museu Abade de Baçal em Bragança e entre os que já efetuaram essa transferência de competências está o Museu Santa Joana em Aveiro.

Com toda esta reforma administrativa no sector patrimonial cultural histórico (com exceção dos arquivos pertencentes a outra Direção Geral do Ministério da Cultura), acaba o percurso da Direção Geral do Património Cultural, organismo criado em 2012 pelo governo PPD-PSD/CDS-PP e que agregou um conjunto de institutos até então, sob gestão autónoma no Ministério da Cultura.

Esta nova reforma administrativa não parece ser uma revenge (usemos o estrangeirismo linguístico para eufemizar a agressividade do termo) governo-partidária, até porque o PS governa o país desde 2015, naquele que é o seu recorde de duração governativa (oito anos, neste momento).

De resto, os dois partidos têm visões diferentes sobre a organização governativa e política do sector cultural. Não nos esqueçamos que o PSD reduziu o estatuto da cultura a mera secretaria de estado durante os governos de Aníbal Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho. Mas também não nos esqueçamos que os governos do PS de António Costa mantiveram durante bastante tempo o ministério da cultura assente em três direções Gerais que teimavam em não ascender ao estatuto de secretarias de estado, tendo ao invés disso secretarias de estado sem peso político dentro do próprio ministério da cultura e do próprio sector, quanto mais no restante elenco governativo, político e da sociedade em geral.

Mas não me compete aqui dizer quem é o melhor governo ou melhor partido, ou sequer tentar fazer essa descoberta.

Esta reforma administrativa, é uma opção tão válida como qualquer outra. É uma nova forma de pensar uma parte significativa da gestão cultural ao encargo do Estado. Nesse aspeto, o desejo é que seja uma fórmula de sucesso.

A criação de uma empresa pública para gerir os museus e monumentos nacionais, bem como as suas coleções parece ser uma ideia bastante interessante, pois como se sabe o sector empresarial do Estado não possui tanta burocracia e possibilita uma gestão mais célere e facilitada face aos organismos integrados na administração central.  Espera-se por isso uma gestão mais eficaz e eficiente.

Como críticas negativas poderíamos ser preciosistas em questões de glossário e perguntar porque o Instituto do Património Cultural não fica a gerir bens culturais móveis (também não são património cultural?), ou porque os imóveis classificados não ficam a ser regulados e vigiados pela Museus e Monumentos de Portugal (também não são monumentos?)

A crítica negativa que aqui se pode afirmar é o esvaziamento da gestão regional e distrital na realidade patrimonial cultural portuguesa. São muito poucas as competências que transitam para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e existe uma transição desigual no conceito e princípio. Como pode o Museu Abade de Baçal em Bragança que tem uma dimensão distrital no seu acervo (podendo ao longo da sua história ter assumido uma dimensão regional) passar para a tutela camarária de Bragança e o Museu Rainha D. Leonor em Beja que têm um acervo de dimensão distrital passar para a tutela de uma empresa estatal de dimensão nacional.

Bem certo é, que muitas autarquias municipais têm criticado a transferência de competências em vários sectores do Estado alegando não possuírem condições para receber tais organismos e equipamentos. No entanto, bem sabemos que Portugal tem um problema crónico desde há séculos com o nível intermédio de gestão pública. Conceitos como regionalismo ou gestão distrital são autênticos tabus para muitos agentes políticos portugueses. De resto, o centralismo e o municipalismo em Portugal têm um peso e poder que não querem partilhar com níveis intermédios de poder. Tudo isto resulta em completas e graves assimetrias socioeconómicas entre o litoral, o interior e a raia de Portugal.

Em nota final tenho de constatar um facto. Se muitas vezes acusamos os ministros ou ministras da cultura de falta de peso político e de ausência de uma verdadeira política cultural, o presente ano de 2023 vem mostrar que tais características não são partilhadas por Pedro Adão e Silva que em casos muitos concretos como a política museológica tem mostrado uma visão e uma ideia próprias às quais não renúncia, pois na mesma semana em que anunciou esta reforma administrativa, confirma a abertura oficial do Museu de Arte Contemporânea – Centro Cultural de Belém para a data de 28 de outubro deste ano.

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