A torre de cartas ruiu. E agora?

A queda do governo e a perspetiva de eleições antecipadas levaram os partidos políticos a delinear uma estratégia a curto prazo para fazer face à instabilidade que se instalou e à confusão que se adivinha. No Partido Socialista (PS), os dois candidatos, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e o antigo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos , disputam a herança de uma maioria absoluta que, ao que tudo indica, não se repetirá. Na última sondagem realizada pela Aximage para a TVI e CNN Portugal, o PS cai para 26%, longe dos 41,68% que lhe asseguraram a maioria absoluta. Ainda que Carneiro reúna o apoio de figuras relevantes como Augusto Santos Silva, Fernando Medina e Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos é o nome mais consensual no aparelho do partido.

Durante a apresentação da candidatura a Secretário-Geral, Pedro Nuno Santos destacou três preocupações centrais: aumentar salários, combater a crise da habitação e valorizar o território. Além disso, afirmou que “o combate à corrupção constitui uma tarefa prioritária do Estado”. Sob o lema “Por todos, Para Todos”, José Luís Carneiro deixa claro que quer “dar continuidade às políticas do Governo liderado por António Costa”, apostando no “compromisso das contas certas”. No plano político, Carneiro surge, frequentemente, associado à possibilidade de um bloco central, enquanto o seu adversário defende a reedição de uma geringonça.

Eleições não são “favas contadas”

No espectro político de centro-direita em Portugal, o Partido Social Democrata (PSD) tem procurado estabelecer-se como uma alternativa equilibrada. No entanto, essa tentativa não tem tido o sucesso esperado. Anteontem, no 41º Congresso do partido, Montenegro dirigiu-se ao país num tom mais otimista, prometendo melhores condições de vida para todas as camadas da sociedade. Segundo o próprio, o país só será capaz de criar riqueza se aproveitar as “sinergias” dos setores público, privado e social. Certo de que o PSD vai ganhar as eleições, garantiu que vai ser “o primeiro ministro que Portugal precisa nos próximos anos”.

Apesar de o PSD já ter apresentado mais de 200 propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2024, há quem considere que o partido não está a fazer o suficiente. Marques Mendes, no seu espaço habitual de comentário, afirmou que o PSD “anda bastante deslumbrado com a ideia de que as eleições são favas contadas”. “É assim que o PSD vê um bocadinho as coisas”, reforçou.

Parece que “cortar o mal pela raiz” não será tão simples como Luís Montenegro previu no dia 9 de novembro, dois dias após a demissão do Primeiro-Ministro. Em entrevista à TSF, Rui Gomes da Silva, ex-ministro-adjunto de Pedro Santana Lopes, alertou que o PSD pode estar à beira de um “desastre eleitoral”.“Eu não quero ser conivente com o partido, com esta situação de pensar que é irreversível termos um líder candidato a primeiro-ministro que todos os dias nas sondagens não aparece como um projeto para Portugal”, afirmou Gomes da Silva.

Com uma diferença de apenas 8 pontos percentuais em relação ao PSD, o CHEGA decidiu moderar o seu discurso até ao dia das eleições. Em entrevista ao Semanário SOL, André Ventura admite a possibilidade de entendimento entre os dois partidos para alcançar a maioria parlamentar. Esta declaração surge apesar de Luís Montenegro ter afirmado anteriormente que só governará se vencer as eleições. “O que eu acredito é que a direita não será tão insensata que permita ao PS governar. Se a direita tiver maioria, quero acreditar que não estamos ainda nesse nível de insanidade”, disse Ventura. Montenegro está ciente que o factor CHEGA foi determinante na constituição da maioria absoluta do PS.

À margem da conferência “A nova economia”, organizada pela CNN, Montenegro afirmou: “Se o PSD não tiver maioria absoluta no Parlamento, o PSD tentará encontrar o reforço da sua posição de maneira a alcançar essa maioria, sendo certo que não se vai coligar nem com o PS, nem com o CHEGA”.

Enfrentando uma forte oposição interna e ocupando o quinto lugar na tabela, a Iniciativa Liberal (IL) decidiu adiar a sua Convenção Nacional, inicialmente prevista para o início de dezembro. O partido optou por concentrar-se nas eleições legislativas antecipadas com o objetivo de “retirar o PS da governação”. Em entrevista à SIC Notícias, o líder do partido, Rui Rocha, esclareceu que a “IL irá a eleições sozinha”.

“A Iniciativa Liberal não fará nenhum tipo de coligação pré-eleitoral”, afirmou. Rocha acredita que seria “contraproducente para o futuro do país” se a IL não concorresse às eleições com “candidatos, ideias e listas próprias”. Acusada de “nepotismo” e “falta de democracia interna”, a IL defende que não beneficiaria de uma coligação. Seis meses após um misterioso almoço que reuniu Rui Rocha e Luís Montenegro, os dois parecem estar de costas voltadas, nomeadamente em relação ao dossier da TAP e à proposta de uma descida mais acentuada do IRS.

Cerco sanitário contra a direita “reacionária”

À esquerda do Partido Socialista (PS), o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) unem-se nas críticas aos três maiores partidos, em especial ao PSD e ao CHEGA, acusando-os de servir os interesses dos “grupos económicos”. Segundo Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, “o PS não só não fez frente às forças reacionárias como, numa visão oportunista e perigosa, em nome de um dito combate retórico, deu-lhes e dá-lhes palco e ainda mais tempo de antena”.

A cerca de seis meses do aniversário do 25 de Abril, a campanha eleitoral do PCP promete ser marcada por um “contacto permanente e intenso com os trabalhadores e as populações”. À beira do precipício — com apenas 3% das intenções de voto — os comunistas estão focados em clarificar e reforçar as posições defendidas pelo partido, nomeadamente o aumento dos salários e pensões, o combate à crise da habitação, e a reestruturação do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Com o foco na ideia de que a direita, e não o PS — com quem poderão vir a coligar-se dependendo do resultado das eleições primárias — é o seu principal adversário, o BE afirma que o seu objetivo é “derrotar a direita”.“Se o Partido Socialista deixou o país num pântano, a direita só vai cavar mais fundo esse pântano”, concluiu Mariana Mortágua na última reunião da Mesa Nacional, realizada no dia 19 de novembro. “Já está à vista que, na nova situação política, a direita prometerá tudo o que nunca fez nem fará — desde um cordão sanitário face ao Chega (são aliados nos Açores) até ao reconhecimento do tempo de serviço dos professores (que o PSD propõe agora, após tê-lo chumbado em 2019 quando poderia de facto tê-lo imposto no parlamento)”, rematou o BE.

A crise política em Portugal, que culminou na renúncia abrupta e inesperada de António Costa devido a suspeitas de corrupção, mergulhou o país num mar de incerteza, tanto a nível nacional como internacional. A torre de cartas ruiu, e agora?

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