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Governo dá prioridade a irmãos na mesma creche, mas filhos de trabalhadores ficam de fora

Amanhã, dia 24 de março vai ser discutida no parlamento a proposta do PSD que contempla quer a questão de albergar irmãos na mesma instituição escolar e, por outro lado a prioridade dada aos filhos dos trabalhadores das IPSS.

Com a portaria da “Creche Feliz” não foi contemplada a priorização dos filhos dos trabalhadores na mesma instituição em relação às outras familias, ” o que gera uma discriminização de filhos dos trabalhadores na mesma instituição”, em modelo de creche, comenta Sofia Durão, representante do grupo de 235 pais da INFANCOOP, Instituição  Particular de Solidariedade Social das Caldas da Rainha. Nas valências que têm pré-escolar ou de ATl já vigora a prioridade dos trabalhadores dos regulamentos internos, uma vez que a portaria “Creche Feliz” não abrange estas respostas escolares, e o Estado só comparticipa parte do valor, sendo o resto pago pelos pais.

Os pais da IPSS aguardam esta iniciativa parlamentar do PSD para perceber se “existe margem de atendimento do governo” desta recomendação parlamentar.

No mês de março, no espaço de mês e meio, o grupo de que reivindicou estas medidas junto do gabinete da Ministra da Segurança Social, viu ser atendido um dos pedidos: a alteração do critério de prioridade dos irmãos na mesma creche. Uma medida que não tinha sido contemplada na portaria em setembro do ano passado.

Os pais da IPSS foram recebidos em audiência, em fevereiro, pela comissão do grupo parlamentar de trabalho de solidariedade social e inclusão, num tempo breve conseguiram a revisão da tutela na portaria das creches gratuitas, quanto à introdução do critério prioritário de irmãos na mesma instituição, mas ainda aguardam pela nova alteração relativamente aos trabalhadores das IPSS e “não desistem” de lutar até conseguirem ser ouvidos pelo Ministério da Segurança Social.

Sofia Durão,  adianta ao TejoMag terem reunido ainda, recentemente, com a assessoria da Presidência da Républica que “acolheu com sensibilidade” este problema social. À assessoria do P.R. falaram da necessidade dos trabalhadores das IPPSS fazerem parte do 1º critério da lista de prioridades, que “ainda tem celeumas”.  O formulário com toda a informação será enviado pela Presidência da República ao gabinete do Primeiro-Ministro, que dará uma resposta a esta matéria.

O grupo de pais também comunicou a situação à Confederação Nacional das IPSS, mas reconhecem “não existir facilidade de encontrar unanimidade” tal como aconteceu com a questão dos irmãos.

A medida “Creche Feliz” apresenta vários problemas que impedem centenas de crianças de serem elegíveis a uma creche gratuita possam usufruir desse direito.

Anunciada como medida de gratuitidade das creches foi alargada este ano às creches privadas aderentes à Bolsa de Creches Gratuitas, nas mesmas condições contratuais. No entanto, o Governo publicou num primeiro despacho (14837-E/2022) que determinava que as famílias só têm direito a uma vaga gratuita numa creche privada da Bolsa Aderente, se não houver uma única vaga nas creches da rede solidária do concelho inteiro onde residem ou onde exerçam a sua atividade laboral, independentemente da distância, mesmo que essa vaga represente ser a 10 ou mais kms de casa ou do trabalho,  o que não permite o acesso mais próximo a uma vaga gratuita numa creche privada, que tenha aderido à Bolsa de Creches Gratuitas.

Por outro lado, a prioridade dos irmãos ainda não estava assegurada em todas as vertentes em que se revelava necessária.

“Um problema que não tinha sentido nenhum”, segundo o grupo de pais da INFANCOOP, em janeiro enviaram uma carta à Ministra da tutela, Ana Mendes Godinho, a denunciar a situação, alegando que a portaria publicada em setembro vai contra a conciliação da vida familiar e trabalho “contra tudo aquilo que é advogado pela tutela da segurança social” e “proteção da família para fortalecer a natalidade”.

A representante dos pais que reivindicam correções no despacho governamental diz que o grupo tinha “a convicção que os critérios seriam alterados, o problema era o timing”, comenta. As inscrições nas creches são feitas a partir de maio, e é necessário resolver esta questão de “pormenor”, como disse a Ministra em março no parlamento.

A petição on-line vai em mais de 1830 assinaturas e vai continuar até à discussão da resolução no parlamento, no dia 24 de março, porque um ponto foi resolvido, mas a parte dos trabalhadores ficou por resolver.

Assegurar um Estado Social local em Lisboa

A expressão que dá título a este artigo foi muito oportunamente utilizada pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, quando muito recentemente inauguramos, em conjunto com a DECO, o gabinete e a linha de apoio ‘Finanças Saudáveis’ de apoio às famílias sobre-endividadas no concelho. Ela sintetiza, com efeito, precisamente o espírito que norteia a coligação ‘Novos Tempos’ em torno da necessidade de providenciar uma rede transversal aos diferentes pelouros camarários que assegure, aos munícipes que mais deles necessitem, apoios concretos, eficazes e expeditos.

Essa rede, de forma virtuosa, deve sempre que possível assentar em parcerias com as entidades da sociedade civil com trabalho e resultados reconhecidos no terreno. É o caso mencionado da DECO, mas também da Caritas Diocesana e da Cruz Vermelha de Lisboa, que se associaram à CML para operacionalizar de imediato o programa ‘RECUPERAR+ Famílias’, logo após as cheias ocorridas em dezembro passado. Neste momento em que escrevo, continuamos a receber pedidos de famílias que – de acordo com o agregado – solicitam o apoio a que têm direito no total de uma dotação de dois milhões e duzentos mil euros para compensar as pessoas afetadas pelos efeitos dos temporais que assolaram a cidade.  

Estes são apenas dois entre vários outros exemplos do trabalho coordenado pelo gabinete que dirijo, desde que há pouco mais de quatro meses assumi o cargo de vereadora para os Direitos Humanos e Sociais, Saúde e Educação da Câmara Municipal de Lisboa, não esquecendo naturalmente a implementação e monitorização do Plano Municipal para as Pessoas em Situação de Sem-Abrigo. Cada uma destas áreas é – no âmbito da construção de um Estado Social local – igualmente crucial e indispensável para a manutenção de um tecido social estruturado na capital. 

Em Lisboa, como no resto do país e no mundo, o ano de 2022 cunhou uma nova palavra; “policrise”. Querendo significar a conjunção de fatores disruptivos numa mesma linha temporal. Neste caso, a invasão da Ucrânia pela Rússia, os efeitos ainda da pandemia da Covid 19, a inflação e o consequente aumento do custo de vida em particular do cabaz alimentar, penalizando os cidadãos socioeconomicamente mais frágeis. Nas minhas visitas pelas freguesias de Lisboa, que iniciei logo após a tomada de posse, foi logo percetível para mim aquilo para o que, muito recentemente, diversos relatórios têm chamado a atenção; aumentam as dificuldades das famílias, os incumprimentos forçados pela falta de meios, o número de desempregados. E mais famílias recorrem a apoios sociais, inclusive para garantir a alimentação do seu agregado.  

Foi com essa consciência, aliás, que lançámos também recentemente o ‘Cabaz Bebé Lisboa’, desta vez em parceria com a Associação Nacional de Farmácias e a Médicos do Mundo, e destinado aos agregados familiares beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) e que tenham filhos até aos 18 meses. Serão mais de 300 famílias abrangidas, com apoios de 300€ anuais em voucher para aquisição de artigos de bebé, medicamentos e mesmo vacinas. 

E, do mesmo modo, com a Santa Casa da Misericórdia, a Universidade de Lisboa e a Faculdade de Medicina como parceiros, alargámos um conjunto de serviços gratuitos aos munícipes com 65 ou mais anos, assegurando-lhes um fundamental acesso direto a médicos dentro do ‘Plano Lisboa Saúde 65+’, 24h por dia, 365 dias por ano. E, para os cerca de cinco mil munícipes que recorrem ao Complemento Solidário para Idosos, consultas também gratuitas de higiene oral e oftalmologia, bem como o acesso a óculos e a próteses dentárias.

No entanto, não seria honesto descrever as componentes deste Estado Social local no concelho de Lisboa esquecendo uma realidade que tem vindo a preocupar-me pela sua dimensão. Refiro-me ao aumento do número de pessoas em situação de sem-abrigo na cidade. Pese embora, mais uma vez, o excelente trabalho desempenhado pelos nossos parceiros da sociedade civil e pelas equipas do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo (NPISA), que incansavelmente trabalham todos os dias, a verdade é que a degradação já referida das condições económicas traz para a capital um número crescente de pessoas sem teto e com diversas proveniências, entre cidadãos nacionais e de muitos outros países.   

Neste âmbito, reforçámos a nossa capacidade de resposta às pessoas em situação de sem abrigo e a refugiados, seja através da concessão de financiamento adicional concedido às instituições da sociedade civil no terreno, seja através do aumento da capacidade de alojamento temporário em diversos centros da rede social dedicados a esse indispensável serviço na cidade. Mas esta é uma situação cuja dimensão pede uma resposta alargada e concertada. 

Por isso mesmo, tive a iniciativa de reunir muito recentemente os vereadores dos direitos sociais de toda a Área Metropolitana de Lisboa, no sentido de delinearmos um plano de ação conjunto, capaz de proporcionar uma resposta verdadeiramente eficaz e articulada no apoio direto a quem se encontra forçado a viver nas ruas. O Estado Social local mencionado pelo presidente Carlos Moedas, e que tanto pretendemos, é fruto de uma dedicação contínua. E um trabalho de todos, nesta missão que junta a CML, as autarquias limítrofes, as entidades da sociedade civil e, obviamente, os cidadãos. Contamos com todos.

Sofia Athayde

Primeira mercearia social online já apoia refugiados ucranianos

Começou por ser um espaço de resposta alimentar como tantos outros, mas ser apenas isso não foi o “quanto basta” para Maria João Sousa que, a trabalhar na luta contra a fome há 10 anos, coordena hoje uma equipa com mais de 400 voluntários ucranianos, incluindo na mercearia digital que promoveu.

“Cada um soma a sua parte a um todo”, conta à TejoMag. Não fosse este um dos lemas da SOUMA – ‘Associação Amigos da Estrela’ que em três anos já apoiou mais de 600 agregados em carência alimentar na grande Lisboa.

“Para ser uma resposta verdadeiramente transformadora na vida das pessoas era importante que fosse o mais digna possível, indo ao encontro das suas verdadeiras necessidades”.

Mas a ideia de criar uma mercearia social – para acrescentar valor às restantes áreas de intervenção da associação – já tirava o sono a alguns elementos. Nesse sentido, faltava a chave para a concretizar.

soumar Primeira mercearia social online já apoia refugiados ucranianos

Pandemia: o ponto de partida da mercearia

Há três anos, a Organização Mundial da Saúde declarou a Covid-19 uma pandemia e, em consequência disso, Portugal “ficou em casa”, como tantas vezes se repetiu na Comunicação Social.

“Iniciámos efetivamente o projeto alimentar com a pandemia. O facto de outras organizações que davam resposta semelhante terem reduzido ou fechado portas fez-nos avançar. Por isso, convidámos a comunidade que estava fechada em casa para cozinhar e ajudar a comunidade que estava igualmente fechada em casa mas a precisar de alimentos”, acrescenta.

Pouco depois, a ideia pegou e, em menos de 3 meses, a SOUMA já chegava a mais de 400 pessoas de vários pontos da região. Assim, as famílias que pediam ajuda dirigiam-se às instalações da associação em Campolide e recolhiam um cabaz de alimentos e outros bens essenciais.

“Mas para as pessoas não virem até nós e continuarmos a chegar até elas, a única forma de implementar o projeto social de uma mercearia seria a resposta online” Era urgente para os voluntários ter forma de dar resposta aos inúmeros pedidos que chegavam todos os dias.

Já em 2023 nasceu a ‘Mercearia da Ana Rita’, inspirada numa das mentoras da equipa, que teve uma quota parte significativa de responsabilidade em transmitir a todos a vontade de ajudar o próximo. Primeiro com papel e caneta e mais tarde com recurso ao digital.

soumar2 Primeira mercearia social online já apoia refugiados ucranianos

Uma soma de valências

“É bonito quando temos um sonho e alguém nos ouve sonhar e diz: “Nós conseguimos fazer”. Isto realmente não é um sonho que vai ficar numa ‘cloud’ e tenho à minha frente alguém que quer executar isto. E assim nasce uma relação difícil de adjetivar.”

A LHV2, uma empresa da área informática, foi a chave que faltava. Caminharam juntos durante quase dois anos com ideias, sugestões, muitos avanços e recuos. O objetivo seria perceber de que forma podia uma plataforma online servir a população e, mais importante: como seria a comunidade capaz de a utilizar sem restrições.

“Não imagino o custo que isto poderia ter se tivéssemos de pagar”, diz Maria João Sousa. “Esta parceria ‘pro bono’ com a LHV2 trouxe uma resposta incrível às pessoas e ao projeto”

Na plataforma, cada agregado tem um nome de utilizador e uma palavra-passe. É criada uma conta com toda a informação essencial e é gerado automaticamente um perfil. Até hoje são quase 200. São de imediato atribuídos os “Soumapontos” – uma espécie de plafond – conforme o número de pessoas do agregado.

“Tentámos criar uma plataforma que não fosse facilmente rejeitada por quem a utiliza. Funciona tal como outras plataformas de supermercados, organizadas por categorias. Os utilizadores selecionam os produtos que querem adquirir consoante as suas necessidades e o número de pontos vai diminuindo”, esclarece Leonardo Simôa, da LHV2.

Há dias próprios para as encomendas, que podem ser semanais ou quinzenais. Os pedidos são submetidos e consultados depois pelos voluntários da SOUMA. Processam-nos através da mercearia física já existente. As doações dos parceiros facilitam a gestão de ‘stock’ da associação.

Maria João Sousa esclarece: “As famílias são responsabilizadas pelas suas escolhas. Têm de gerar competências para gerir o orçamento. A resposta é muito mais digna e vamos tendo algumas surpresas”.

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Acolhimento em Portugal

A guerra na Ucrânia gerou uma crise social sem precedentes no século XVI. Em poucas semanas foi necessário adaptar as rotinas das várias associações de apoio portuguesas para dar resposta à urgência de acolher e dar o suporte necessário às famílias que chegavam ao país. A SOUMA garante hoje alimento a 187 refugiados ucranianos.

Iryna Rosokhata está ainda a aprender português. É natural de Kharkiv e chegou a Portugal com a filha em julho de 2022. O marido ficou, mas conseguiu partir para Lisboa no final de fevereiro deste ano.

“Fugi da minha cidade e do meu país. Era maravilhoso e agora está destruído. Não tive opção e tive de sair. Tomei a decisão em dois dias e cheguei a um lugar que não conhecia”.

Sem qualquer ligação a Portugal, o principal obstáculo foi a língua. Iryna foi, inicialmente, apoiada pela Cruz Vermelha e em poucas semanas encaminhada para a SOUMA. Foi apresentada à equipa de voluntários e recebeu alojamento provisório e apoio psicológico. Posteriormente, tornou-se beneficiária da mercearia social.

“Recebemos apoio, carinho e comida. É por isso que digo que esta é a minha família em Portugal. A ajuda deles foi essencial neste processo. As pessoas aqui são maravilhosas”.

De ajudada a ajudante

Beneficiária mas também voluntária, tal como outros sete refugiados ucranianos que se juntaram à mercearia. Em poucos meses, Iryna percebeu que poderia tornar-se mais útil. Está inserida num dos turnos que diariamente processam os pedidos. Confessa que vive um dia de cada vez porque, no horizonte, ainda só existe nevoeiro. Não sabe quando vai voltar – e em que circunstância – mas, por agora, está feliz em Lisboa.

“Participar numa forma de ajuda era uma coisa que já queria fazer. É uma forma de dar de volta o apoio, a comida e todo o carinho que me deram nos últimos meses”.

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Um mês e meio de surpresas

Um mês e meio após o lançamento da mercearia social em formato digital, a SOUMA faz um balanço positivo.

“A adesão é enorme”, diz Maria João Sousa. “Muitas pessoas que começaram com alguma reticência – apoiadas na altura por alguns voluntários dedicados especificamente a isso – já são autónomas e fazem as suas encomendas sozinhas”.

Por isso, no que diz respeito ao trabalho informático, a entrada de várias famílias ucranianas no leque de beneficiários foi um desafio para os técnicos envolvidos na gestão da plataforma. Mas a barreira linguística não chegou a ser um tema em cima da mesa. As famílias aderiram rapidamente ao sistema de encomendas.

Assim, foi dado o primeiro grande salto.

Humanização hospitalar: é preciso pensar nas pessoas

O SNS – Sistema Nacional de Saúde, é um exemplo de boa prática hospitalar para o mundo. Segundo dados do Portal Europeu de Informações sobre Saúde, existem muitos indicadores que o projeto de saúde português, comparativamente com outros países, está bem e recomenda-se.

Existe um elevado grau de maturidade na gestão do sistema, público e privado, e grande parte dos hospitais portugueses estão no mesmo nível dos melhores do mundo, como demonstram as certificações emitidas pelas entidades independentes como a King’s Fund ou pela Joint Comission.

Uma gestão hospitalar competente e forte é a potencializadora da prática clínica humanizada. O paradigma da visão holística do paciente e a equidade em saúde constituem a base para que ocorram os processos de humanização, ou seja: num quadro de referência onde a saúde é considerada um valor primordial, necessariamente deve haver um aporte com projeção na humanização dos cuidados prestados.

Em 2022 alguns projetos de humanização hospitalar em Portugal foram premiados pela Teva Portugal, como é o caso do Dormir é o Melhor Remédio uma iniciativa da Associação Nuvem Vitória que leva diariamente a magia dos contos, com histórias de embalar, a crianças internadas nos hospitais de Santa Maria, São João, Vila Franca de Xira, Braga, Santo André, Garcia de Orta, Cascais e Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão.

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Raquel Anderson em seu trabalho pormenorizado e personalizado na produção de escrita poética

A Literatura Cura : um exemplo vindo do Brasil

Canetas coloridas, tesoura, linhas e agulhas de bordado. Estes são os instrumentos cirúrgicos com que Raquel Anderson opera e constrói o dia-a-dia do projeto “A Literatura Cura”. Poeta, escritora e historiadora, Raquel está à frente do departamento de humanização do hospital da CASSEMS, uma associação civil sem fins lucrativos que tem como pelouro a saúde dos servidores públicos do estado do Mato Grosso do Sul há quase 6 anos.

Baseada no conceito de serendipidade, ou seja: um acontecimento que causa impacto imediato de felicidade, Raquel introduz a literatura como centro e ferramenta fundamental para cuidar dos pacientes e dos cuidadores. O projeto que a princípio causou estranheza no grupo gestor teve total apoio do seu presidente Ricardo Ayache,  pois acredita que um hospital que tem como objetivo maior uma visão holística do paciente necessita proporcionar uma atuação humanizada.

O projeto A Literatura Cura tem duas vertentes. A primeira vertente cinge sobre o atendimento aos profissionais que atuam direta ou indiretamente com o processo dos pacientes dentro do hospital com um correio que entrega cartas em escrita poética a médicos, enfermeiros, atendentes e pessoal de apoio geral. Ninguém fica de fora.

A segunda vertente atua diretamente junto ao paciente. Raquel tem uma bata lilás e visita cada um dos pacientes internados nos mais de 150 leitos do hospital. Ela conversa atentamente com cada um deles e delicadamente entra em contacto com a história de vida deste paciente para realizar a sua “anamnese literária”. Ela escreve em um papel único e bordado a mão um texto poético cheio de alegria e incentivo para aquele paciente que entra em contacto com suas virtudes e conquistas. Depois, dobra aquilo com muito cuidado e coloca numa caixa de remédio feita especialmente para feito. Segue a entrega que normalmente vem carregada de emoção durante a leitura. Durante a pandemia, além da carta, Raquel também bordava fotografias da família destes pacientes e dos médicos que ficaram lá isolados.

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Numa caixinha de remédio o “resumo poético” de cada paciente é delicadamente dobrado e será utilizado sem moderação para uma vivencia emocional importantíssima para o reconhecimento da pessoa humana.

A chefe de enfermagem Priscila Eliane Gineuro, responsável pela educação continuada dos profissionais deste hospital, descreve o trabalho da Raquel como único e singular e tem a capacidade de proporcionar alívio imediato ao desconforto dos procedimentos médicos e de enfermagem.

O Dr. Lucas Vian, médico oncologista, afirma que este trabalho ressignifica o olhar de seus pacientes sobre a condição de si próprio e anima de forma impactante na adesão aos tratamentos, muitas vezes incômodos e dolorosos. Afirma ainda que: “o amor é imprescindível no tratamento do cancro” e as terapias integrativas são ferramentas importantíssimas para lidar com todo o processo de cura e tratamento.

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Raquel Anderson e  Dr. Lucas Vian – “o amor é imprescindível”!

Segundo a psicóloga Dra. Maria Eduarda Casali, parceira de gabinete de Raquel, enquanto os pacientes recebem suas “doses” de remédio literário, sentem um cuidado personalizado. O ambiente hospitalar que é duro, passa a gerar a segurança esperada para que cada um entre em contacto com suas vulnerabilidades. 

Já a médica oncologista Dra. Rafaela Siuf afirma que o “resumo poético” produzido pela Raquel define a generosidade do cuidado que o hospital presta a seus pacientes e aos familiares todos, ajudando na despedida, no entendimento do luto e na percepção da história construída por cada paciente.

O projeto “A Literatura Cura” também sai do âmbito hospitalar quando ingressa na Clínica da Família, idealizado pela Dra. Maria Auxiliadora Budib. Este espaço é destinado aos cuidados de saúde primárias e atende não só os pacientes que estão em recuperação e tratamento mas também as suas famílias. Aqui neste contexto, os “instrumentos cirúrgicos” passam para as mãos dos pacientes que os entendem como ferramentas de autocuidado e autocura.

Raquel Anderson é acima de tudo uma sonhadora que com sua criatividade e amor envolve toda uma rede de profissionais de saúde e seus pacientes. Que planta dentro de cada paciente a semente da esperança. Que com seu dom serve a sociedade com entrega e beleza e demonstra que “A Literatura Cura”.

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Grupo do projeto “Curadoria de Memórias”

As origens do Dia da Mulher

O Dia Internacional da Mulher celebra as conquistas sociais, económicas, culturais e políticas das mulheres. É também um apelo à ação para acelerar a igualdade de género. Coloquialmente chamado simplesmente de Dia da Mulher, celebra-se, desde 1917, no dia 8 de março, ainda que a semente tenha sido plantada anos antes, em 1908. Nesta data, 15 mil funcionárias da fábrica de têxteis Triangle Shirtwaist Company, em Nova Iorque, saíram à rua para exigir melhores condições laborais e igualdade de direitos, nomeadamente o direito ao voto. O horário de trabalho ascendia às 14 horas diárias e o pagamento não ultrapassava os 9 euros… por semana.

Clara Zetkin e Alexandra Kollontai

Um ano depois, em fevereiro de 1909, o Partido Socialista da América, inspirado nos eventos do ano anterior, declarou o primeiro Dia Nacional das Mulheres. A ideia de assinalar esta data anualmente e de forma internacional, surgiu em 1910 durante uma Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhaga. Clara Zetkin, ativista comunista e defensora dos direitos das mulheres e Alexandra Kollontai, líder revolucionária e teórica do marxismo, sugeriram seguir o exemplo norte-americano e dar-lhe um caráter universal. Numa plateia composta por 100 mulheres oriundas de 17 países, a proposta foi aprovada por unanimidade. 

Apesar de não ter sido definida nenhuma data, a primeira celebração oficial dá-se em 19 de março de 1911, na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça. Mais de um milhão de pessoas – homens e mulheres – exigiram o fim da discriminação laboral e o direito ao voto. Poucos dias depois, em 25 de março, deflagrou um incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist Company e provocou a morte de 146 operários: 125 mulheres e 21 homens. A maioria – imigrantes judias e menores de idade – morreram queimadas, outras atiraram-se em desespero do nono andar e não sobreviveram à queda. Esta tragédia trouxe à tona as más condições que as mulheres diariamente enfrentavam no próprio local de trabalho.

Reconhecimento oficial da ONU

A origem do célebre dia 8 de março remonta a uma greve ocorrida na Rússia, em 1917. Estávamos em plena Primeira Guerra Mundial. A manifestação – sob o slogan “Pão e Paz” – juntou 80 mil mulheres que protestaram contra a participação na guerra, as más condições de trabalho, a fome e o direito ao voto. Os protestos, embora tenham sido fortemente reprimidos, tiveram ações imediatas. O czar viu-se obrigado a abdicar do trono e o governo de transição acedeu e concedeu às mulheres o direito de votar.

Ainda assim, foi preciso esperar mais de 60 anos até que fosse implementado de forma universal. Foi em 1975 que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu oficialmente o Dia Internacional das Mulheres. Porém, só em 16 de dezembro de 1977 é que viria a ser oficialmente reconhecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com a Resolução 32/142.

Apesar de o roxo ser apontado como a cor representativa deste dia, também o branco e o verde fazem parte da palete de cores. “Roxo significa justiça e dignidade. Verde simboliza esperança. Branco representa pureza, embora seja um conceito controverso. As cores têm origem na União Social e Política das Mulheres (WSPU, na sigla em inglês) no Reino Unido em 1908”, pode ler-se no site oficial.

O tema de 2023

Para este ano, o tema é a equidade. Apesar de ser recorrentemente usada como sinónimo de igualdade, não o é. Igualdade significa que a cada indivíduo ou grupo de pessoas são dados os mesmos recursos e/ou oportunidades. A equidade reconhece que cada pessoa é diferente e que é necessário distribuir recursos e oportunidades – não de forma igual – para alcançar um resultado igual. 

Um exemplo elucidativo da diferença entre equidade e igualdade: três pessoas querem ver por cima de um muro com 170 cm. A primeira, fruto dos seus 180 cm, não precisa de qualquer auxílio. A segunda, com 155 cm, naturalmente vai precisar de uma caixa com pelo menos 20 cm. O terceiro elemento, fica-se pelos 145 cm e irá precisar de uma caixa de maiores dimensões para ficar ao nível dos outros dois. Neste caso, se ficássemos pela igualdade (de recursos), dois dos elementos não iriam conseguir ver por cima do muro. É caso para dizer que a equidade foi conseguida com desigualdade.

Neste mais de um século de luta, é inegável que houve mudanças profundas relativamente à igualdade e emancipação da mulher. Há mais mulheres em posições de topo, as diferenças salariais não são tão acentuadas e há maior igualdade nos direitos legislativos. Mas será que conquistaram, finalmente, uma verdadeira igualdade?

Na semana passada, um estudo da CGTP – a propósito da semana da igualdade –, concluiu que as mulheres portuguesas têm, em média, salários base 13% inferiores aos dos homens. Além disso, continuam a não estar presentes em número igual nos negócios ou na política. Na Assembleia da República, há 84 mulheres num universo de 230 deputados (36%). O número é mais sintomático quando a análise se estende a nível de autarquias. A nível de presidentes de câmara, num total de 308, só 29 (9%) são mulheres.

Joana Cordeiro: “Vivemos num cenário de estagnação económica e de mediocridade”

Joana Cordeiro é deputada da Iniciativa Liberal, tem 38 anos e foi eleita por Setúbal para a Assembleia da República. É licenciada em Gestão de Marketing e desempenha o cargo de Vogal da Comissão Executiva no partido.

Começo por perguntar-lhe quais serão as principais diferenças visíveis na gestão do partido?

De facto, tivemos mudanças nos últimos tempos mas são mudanças que fazem parte da nossa vida. Sempre fomos um partido criado por pessoas que tinham o objetivo de mudar o que tínhamos no país, portanto as mudanças não nos assustam propriamente. É preciso mudar, mas vamos adaptando-nos às circunstâncias da realidade. Houve vontade manifestada pelo João Cotrim de Figueiredo de não continuar à frente do partido e é algo natural. O Rui Rocha transmitiu sempre que não havia uma ruptura com o sucesso que o partido conquistou até então, porque realmente temos tido sucesso que não justifica… existem mudanças pois existe um caminho que não está a acontecer, onde não se conseguiu atingir os objetivos e que não é o caso da Iniciativa Liberal. O que podemos esperar com o Rui é aquilo que já foi transmitido e que tem sido dito. O Rui Rocha é muito próximo das pessoas e, de certa forma, a percepção pública que a Iniciativa Liberal às vezes tem é de ser um partido que está um bocadinho afastado, que está muito concentrado nos centros urbanos e que só tem um tipo de discurso muito virado para a economia. Acho que esta mudança vai ajudar a que as pessoas tenham uma percepção diferente. O Rui Rocha é um deputado eleito por Braga, que não é uma das grandes cidades como Lisboa e Porto, mas sempre fez a sua campanha muito próxima das pessoas e isto é o que o Rui trouxe e traz como presidente do partido. Uma política com maior proximidade e com temas diferentes, para além da economia, que trazem diferença à vida das pessoas. 

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Joana Cordeiro é Vogal da Comissão Executiva da IL

No seu primeiro discurso como líder do partido, Rui Rocha diz que “só interessa o futuro”. Qual é o futuro da Iniciativa Liberal?

Temos de olhar para o futuro. Temos de aprender com o passado para podermos melhorar o futuro. Mas o que temos assistido é um país que está estagnado há muito tempo, que não tem crescimento económico. E o olhar para o futuro é sabermos o que temos de fazer para contrariar isto. Vivemos num cenário de estagnação económica e de mediocridade e o que temos assistido cada vez mais é que, com essa falta de crescimento económico que temos, deixamos de ter recursos e, quando não temos recursos, assistimos cada vez mais ao que temos visto até hoje, que é de uma degradação completa dos serviços públicos. Portanto, o olhar para o futuro é conseguirmos contrariar esta estagnação com propostas que resolvam o problema das pessoas e que contrariem o cenário que temos. Desde que é presidente da Iniciativa liberal, o Rui e toda a comissão executiva têm o objetivo de chegar aos 15% de delegações de votos nas eleições legislativas e o objetivo é podermos contribuir para mudar as políticas porque não basta chegarmos à terceira força política nacional, temos de ter uma percentagem que nos permita efetivamente influenciar o país e de influenciar as decisões que se tomam no país. Também tem sido muito referido que temos de acabar com este bipartidarismo que temos entre o PS e o PSD e, com 15%, nós podemos fazer essa diferença. É este o caminho para o futuro, é continuarmos a apresentar propostas que as pessoas reconheçam que são uma mais valia para elas, que as compreendam, que resolvam problemas do dia a dia e que façam a Iniciativa Liberal crescer no sentido de poder influenciar e mudar o cenário que temos no país.

“O que nos preocupa e que levanta todos os alertas é o facto de existir um grande ataque à propriedade privada. Quando temos o Estado a decidir o que podemos fazer com um bem que é nosso, se calhar estamos a cruzar uma fronteira que não deveria ser cruzada.”

Rui Rocha disse que a Iniciativa Liberal tenciona ir para a rua e fazer manifestações. Há a possibilidade de se juntarem ao movimento referendo pela habitação em defesa do direito a habitar em Lisboa?

O partido nunca deixou de estar na rua. Sempre fizemos campanha, eu fui eleita por um distrito que também não é Lisboa e Porto, fui eleita por Setúbal, e fizemos campanha na rua, estivemos sempre muito na rua. O que temos de fazer mais é essa tal política de proximidade e estar onde as pessoas estão e defender os seus problemas. No caso da habitação, a Iniciativa Liberal tem defendido uma agilização de processos, menos burocracia, uma maior liberalização do mercado… Compreendemos que existem problemas na habitação e isso é evidente. Existem pessoas com muitas dificuldades em conseguir ter uma casa, principalmente os jovens. Mas o que não temos concordado e, agora, com o pacto que vimos ser apresentado, não concordamos com as medidas que são apresentadas. O que temos defendido tem que ver com o aumento da oferta. Temos de ter mais casas disponíveis no mercado porque é a lei da oferta e da procura a funcionar, se temos mais oferta, obviamente que os preços baixam. Se continuarmos a ter medidas que não aumentam a oferta, não vai resultar. Compreendemos todas as reivindicações e todos os movimentos, mas discordamos das medidas e da forma como são feitas. 

A propósito deste tema sobre a habitação, ocorreu ontem o Conselho de Ministros onde foram tomadas diversas medidas, tal como o incentivo à colocação de casas no mercado da habitação em vez de no Alojamento Local. Rui Rocha foi bastante explícito ao dizer que esta medida seria a “morte do arrendamento local”. Para a Iniciativa Liberal, a única solução é a transferência das onze sedes de organismos públicos para fora da capital?

Existe, sim, pouca oferta de habitação e isso nós temos de remediar. E temos problemas que são principalmente concentrados nas zonas urbanas, Lisboa e Porto. O nosso pacote de descentralização e de deslocalização de serviços públicos tem que ver com o facto de tentarmos diminuir o peso dos organismos nas cidades. Obviamente que, quando se deslocar os serviços para fora de Lisboa e do Porto, é normal que exista um acompanhamento das populações que acompanhem esses serviços. O nosso objetivo com essa medida é diminuir a pressão. Há todo um conjunto de medidas na habitação, não podemos olhar para cada medida de forma isolada, não é só uma questão de agilizarmos os licenciamentos. Da mesma forma, temos uma carga fiscal altíssima, por exemplo, as questões do IVA da construção e do número do imposto que recai… portanto, os tipos de regulamento à construção que encarecem o preço final das casas. Há aqui todo um conjunto de medidas que temos vindo a defender que são claras e que são bastante diferentes daquelas que apareceram na quinta-feira. E o que nos preocupa e que levanta todos os alertas é o facto de existir um grande ataque à propriedade privada. Porque quando temos o Estado a decidir o que podemos fazer com um bem que é nosso, se calhar estamos a cruzar uma fronteira que não deveria ser cruzada. Isso vem em linha com aquilo que o Rui disse e, no caso do Alojamento Local (AL), de certa forma vai acabar por ser “a morte do Alojamento Local”. Isto é um tema importante porque o AL contribuiu para a revitalização dos centros das cidades. Há 20 ou 30 anos ninguém queria viver no centro de Lisboa porque tínhamos prédios degradados e tínhamos um ambiente diferente do atual. O que fez com que tivéssemos o ambiente que temos hoje foi o turismo, que fez com que se desenvolvessem restaurantes e com que a oferta cultural aumentasse. Temos cá pessoas que vão usufruir desses serviços. E, agora, o que estamos a dizer é que, afinal, vamos acabar com isso tudo e depois, quando acabar, o que é que teremos? Vamos voltar ao que tínhamos há 20 ou 30 anos? É esta a solução? Já existem inúmeros estudos que comprovam que o Alojamento Local não é responsável pela falta de casa no mercado, portanto, não são estas medidas que vão resolver. Este problema só se vai resolver quando a oferta aumentar, porque os preços não vão baixar enquanto isso não acontecer. Existem dados que indicam que o número de transações feitas com vistos gold são residuais face ao número de transações feitas com a compra e venda de casas, ou seja, não é um tema. Temos de aumentar a oferta! As medidas de proibição de novas licenças de AL, de reavaliação dessas licenças e do fim dos vistos gold não são medidas que vão aumentar a oferta de habitação.

joanacordeiro2023martaalmeida_18 Joana Cordeiro: “Vivemos num cenário de estagnação económica e de mediocridade”

Joana Cordeiro é candidata por Setúbal

O que pensa o partido e a nova liderança dos preços das casas na capital e da realidade de muitos portugueses não passar por ter casa na cidade de Lisboa?

As pessoas deveriam poder escolher onde querem morar, mas isso, como em qualquer outra componente da vida, são escolhas que se fazem mediante as possibilidades que se tem. Claro que as pessoas gostam de viver perto do trabalho. No meu caso, vivo na margem sul e é um facto que as pessoas que vivem do outro lado do rio e que trabalham em Lisboa têm um conjunto de dificuldades a nível de acessos e de transportes que tem que ser resolvido. Se tivéssemos uma rede de transportes públicos mais eficaz, se calhar as pessoas poderiam facilmente deixar de viver no centro da cidade. Se tivermos os serviços e empregos todos concentrados dentro das cidades vamos continuar a ter problemas.

“As pessoas sentem que continuam a contribuir com mais impostos e com mais carga fiscal e acabam por não sentir um retorno da parte do Estado.”

Agarrando no tema dos transportes, a mais recente greve da CP teve início a 8 de fevereiro e dura até dia 21. A greve já perturbou centenas de portugueses que se viram sem meios de deslocação para ir trabalhar. Para além de que já está prevista uma nova greve para os dias 27 de fevereiro e 1 de março. Estas greves chegam ao pensamento do governo ou são greves que apenas incomodam a população?

Existe uma evidente degradação dos serviços públicos. Existe um problema enorme na administração pública onde os profissionais não são valorizados, não existe uma cultura de meritocracia, não existe uma valorização profissional, e as greves a que vamos assistindo nos vários setores resultam disto. De facto, complicam a vida das pessoas mas temos de repensar de que modo é que olhamos para o todo e conseguimos ter medidas estruturais que resolvam os vários problemas. Temos defendido várias vezes que é preciso fazer uma reforma na administração pública em que tenhamos um sistema de avaliação mais justo e que seja de forma transversal para os vários profissionais, que valorize as suas carreiras, que exista uma cultura de meritocracia que, hoje, não se vê. Porque, aí, as pessoas sentem-se valorizadas no seu trabalho. E se começarmos a resolver estes problemas, se recuperarmos o crescimento económico que nos permite ter mais recursos para responder às várias solicitações, então vamos ver a questão das greves a diminuir.

joanacordeiro2023martaalmeida_19 Joana Cordeiro: “Vivemos num cenário de estagnação económica e de mediocridade”

Joana Cordeiro é licenciada em Gestão de Marketing

Qual seria a melhor forma de chegar a um acordo que satisfaça as duas partes?

Eu não consigo responder de uma forma direta porque as greves têm vários motivos, não há uma resposta certa ou que resolva os problemas todos. A questão é: se os trabalhadores se sentirem valorizados e sentirem que quando se esforçam e trabalham que não têm uma carga fiscal enorme que recai sobre os salários, se sentirem que chegam ao fim do mês e que têm mais dinheiro no bolso que lhes permite ter outro tipo de atividades, automaticamente as pessoas sente-se mais felizes. É por aqui que temos de ir.

Têm ocorrido, por todo o país, as greves dos professores que pedem “respeito” pela profissão. Estão em negociações com o ministro da Educação e também com o primeiro-ministro. O que considera que está a falhar nestas negociações?

Acho que o que falha sempre é haver uma escuta de ambos os lados. Daquilo que assistimos com os professores, com a CP e com os enfermeiros nas várias greves é que há uma falta de valorização, portanto, não há uma resposta que vá ao encontro das solicitações todas. Acho que o que falta é o governo querer fazer diferente. O governo tem de ouvir e de perceber o que é que as pessoas precisam e tem de atuar nas áreas em que pode atuar. O governo, neste momento, tem excedentes… tem receitas extraordinárias e isso não está a ser refletido para as pessoas. Portanto, as pessoas sentem que continuam a contribuir com mais impostos e com mais carga fiscal e acabam por não sentir um retorno da parte do Estado e isso gera o descontentamento.

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Um bengali em Lisboa

Escolheu Lisboa porque o clima lhe faz lembrar o da sua cidade, Dhaka – onde deixou 5 irmãos com os quais fala todos os dias – e porque sabia que aqui existia uma grande comunidade bengali.

A sua integração foi lenta devido à língua, aos costumes e a uma certa desconfiança que a sua nacionalidade bengali faz despertar nos locais. Fazer amigos portugueses não é fácil, mas encontrou, no seu empregador, um. O primeiro emprego é importante para começar a tratar do visto de residência. No caso de Shahidul a sua experiência e o a sua formação garatiram que o processo fosse célere, no entanto, o mesmo não acontece com muitos outros migrantes que não reunem estas duas condições, atrasando, em longos meses, a sua regularização.

Shahidul, estudou em Moscovo onde completou uma licenciatura em Gás e Óleo na Academia Gubkin, na Russian State Universaty of Oil and Gas. Hoje trabalha numa loja portuguesa de reparação de telemóveis, a mesma loja que lhe deu o primeiro emprego quando chegou. O seu objetivo é abrir o seu prórpio negócio.

Já morou nos Restauradores, partilhando um apartamento T1 com oito pessoas, em Entre Campos e, há cerca de um mês, mudou-se para um apartamento em Telheiras que dividide com dois conterrâneos seus uma vez que o valor elevado das rendas não lhe permite viver só.

Casou-se no ano passado e espera trazer a sua mulher para a cidade ainda este ano. Juntos farão planos para o futuro. Um coisa é certa, querem ficar por cá.

Movimento Referendo pela Habitação luta pelo direito a viver em Lisboa

Com o aumento da inflação, veio a subida exacerbada dos valores da habitação na cidade de Lisboa. Os habitantes revelam não haver condições para os portugueses viverem na capital e que estão a tornar Lisboa numa cidade para turistas, sem pensar em quem constrói (ou já construiu) uma vida na cidade.

Este movimento tem o objetivo de realizar um Referendo Local pelo direito a habitar Lisboa. O objetivo é modificar o regulamento municipal de Alojamento Local (AL) e precisam de pelo menos cinco mil assinaturas para o efeito.

A TejoMag foi acompanhar uma tarde de recolha de assinaturas do Movimento no dia 20 de janeiro, na Praça Paiva Couceiro, com o objetivo de juntar os lisboetas a defender o seu direito a conseguir viver na capital. Este é um movimento “com muitas caras, mas sem porta vozes”, como tal, os seus membros preferiram falar em nome de todo o Movimento.

Estes rostos pensam nos portugueses e nas suas condições de vida, mas não se esquecem daqueles que escolheram Lisboa como cidade para viver e criar uma nova vida. O Movimento diz ter consciência de que “a cidade tem muitos imigrantes que vivem, trabalham e que querem construir a sua vida em Lisboa. Para nós, é importante que seja claro que este não é um movimento que exclui pessoas estrangeiras por serem estrangeiras.”

Enquanto recolhiam assinaturas, os membros do movimento revelaram-nos o que mais preocupa o Movimento Referendo pela Habitação (MRH): “Consideramos que há uma desproporção e um desequilíbrio na cidade de Lisboa. Há uma grande concentração de alojamento local (cerca de vinte mil) e isso está relacionado com a crise de habitação. O desequilíbrio é notório comparado com outras cidades europeias.”

Comentam ainda o facto de em Santa Maria Maior 50% da habitação estar no alojamento local, enquanto que “em Madrid não há um único bairro que chegue aos 5%”. Esta comparação que distingue fortemente Lisboa das outras cidades europeias é o que move estes alfacinhas (de nascença ou por local de trabalho) a lutar por uma mudança que consideram ser justa.

“Ao mesmo tempo, só podemos referendar aquilo que pertence à Câmara Municipal e, no que toca à habitação, a Câmara de Lisboa tem competências no Alojamento Local. Sabemos que a crise na habitação não é só por causa do AL, no entanto, há outras leis a nível nacional que não podem ser decididas sozinhas. O que queremos é impedir que o Alojamento Local possa ser feito em prédios de uso habitacional para devolver essas casas ao mercado da habitação.”

Os membros do Movimento organizam-se em diversos grupos de trabalho e, também, em grupos de bairro. Disseram-nos que estes grupos ficam “encarregados de recolher assinaturas por Lisboa” e, neste caso, o grupo que entrevistamos é do bairro da Penha de França, Graça e Anjos.

“A primeira assembleia do grupo foi em meados de junho de 2022” e as assinaturas estão a ser recolhidas desde dezembro do mesmo ano. Para levar este referendo à Câmara Municipal, o Movimento precisa de recolher “um mínimo de cinco mil assinaturas” para que possa ser, posteriormente, aprovado. Esta recolha tem em vista alcançar o objetivo até julho de 2023, para que o referendo comece a ser debatido a partir de setembro.

Nómadas digitais: quem são e que benefícios fiscais podem encontrar em Portugal?

Nómadas digitais são aqueles que escolhem usufruir da tecnologia para trabalhar, independentemente da sua localização geográfica. Jason Waite nasceu em Inglaterra, trabalha com contabilidade e tributação há 12 anos e, de momento, vive em Lisboa. “No início, não tinha intenções de viver em Portugal, mas apaixonei-me rapidamente pela cidade e pelo estilo de vida. É uma cidade bonita e vibrante. Adoro passear ao sol aqui. É bastante multicultural, com muitos expatriados, pelo que é fácil fazer amigos, havendo vários encontros aos quais podemos ir.”

Jason tenciona morar permanentemente em Portugal e diz que existe a possibilidade de um dia vir a comprar uma casa cá. E, quando questionado sobre a importância do papel dos benefícios fiscais na escolha de um país para viver, afirma serem essenciais, “especialmente para nómadas”, e revela que se candidatou ao regime de Residentes Não Habituais (RNH).

jasonwite2 Nómadas digitais: quem são e que benefícios fiscais podem encontrar em Portugal?

Jason Waite tenciona ficar em Portugal permanentemente. /Direitos reservados

Benefícios fiscais e os seus direitos

Para entendermos melhor quem pode solicitar este tipo de benefícios fiscais e que variedade de benefícios existe, questionámos o advogado Leonardo Scolari sobre o tema: “É preciso distinguir aqui dois planos. Um, que diz respeito ao regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional ou, se preferirmos, a aspetos relacionados com imigração, e outro, que se prende com benefícios fiscais aplicáveis a indivíduos que sejam residentes, para efeitos fiscais, em território nacional, independentemente da nacionalidade.”

Scolari exerce funções na RRP Advogados e especializou-se em processos administrativos, judiciais e arbitrais relacionados com diversos domínios de tributação. 

“A Lei n.º 18/2022, de 25 de agosto, veio estabelecer a possibilidade de ser concedido um visto de estada temporária (que permite a entrada e a estada em território nacional por período inferior a 1 ano) e um visto de residência aos trabalhadores subordinados ou independentes que exerçam atividade profissional, de forma remota, a entidades domiciliadas fora do território nacional, os chamados ‘nómadas digitais’. A legislação portuguesa contempla incentivos fiscais a quem se torne, pela primeira vez, residente ou volte a ter residência em Portugal. Neste contexto, dois regimes merecem destaque: o regime dos Residentes Não Habituais (RNH) e o regime dos ex-residentes, também conhecido como ‘Programa Regressar’. Qualquer um destes regimes fiscais é potencialmente aplicável aos ‘nómadas digitais’. Contudo, é importante referir que nenhum destes dois regimes foi concebido para ser aplicado em exclusivo a cidadãos estrangeiros ou a ‘nómadas digitais’. A prática ao longo dos últimos anos tem revelado que muitos cidadãos portugueses, sobretudo aqueles que emigraram em tempos de crise, têm regressado ao País e podido beneficiar de um dos dois regimes fiscais em questão.”

“Quase 700 mil estrangeiros a residir em Portugal legalmente em 2021”

A quantidade de estrangeiros em Portugal tem vindo a aumentar ao longo dos últimos anos. Segundo os dados do PORDATA, em 2008 existiam quase 490 mil estrangeiros a residir legalmente em Portugal. Já em 2021 foram contabilizados quase 700 mil estrangeiros a morar legalmente no nosso país. Scolari considera que o regime dos RNH contribuiu para colocar Portugal na rota do investimento internacional. Contudo, a níveis fiscais, o advogado salienta o facto de a lei classificar os benefícios como despesa, por representar uma renúncia do Estado à receita tributária.

“Numa análise de finais de 2022, o Conselho de Finanças Públicas estimou o crescimento da despesa fiscal em IRS entre 2020 e 2023 em € 1.062 milhões (68,6%), em grande parte devido ao regime dos RHN que, em 2020, já representava 56,25% do total da despesa fiscal deste imposto. No entanto, por um lado, é preciso ter em conta que abdicar de receita em IRS é uma opção deliberada do Estado em nome de interesses públicos considerados superiores, como atrair capital humano capaz de estimular a economia nacional e torná-la mais competitiva. Por outro lado, o que se deixa de arrecadar em IRS nestes casos é de alguma forma compensado ou até superado pelo aumento da receita nos impostos sobre o consumo (por exemplo, IVA) e sobre o património (IMT e IMI).”

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Leonoardo Scolari, advogado especializado em contencioso tributário na RRP Advogados. /RRP ADVOGADOS

Diferenças entre os jovens estrangeiros e os portugueses

Existem, contudo, questões que diferenciam os direitos dos jovens estrangeiros que optem por viver noutro país que não o de origem, dos jovens que habitam no país onde nasceram: “Mesmo estando enquadrados como RNH, isso não quer dizer que estes jovens estrangeiros sejam efetivamente tributados em IRS a taxas mais baixas que os restantes contribuintes, uma vez que a aplicação da taxa reduzida de 20% está reservada para rendimentos provenientes de atividades de elevado valor acrescentado definidas numa portaria do Governo e não para todo e qualquer rendimento do trabalho. Nenhum dos dois regimes fiscais (RNH e ‘Programa Regressar’) foi concebido com o propósito de beneficiar jovens estrangeiros, mas sim com o objetivo mais amplo de atrair, para o país, recursos humanos qualificados com vista ao desenvolvimento económico e incremento da despesa interna”, refere o advogado. 

Scolari deixa ficar claro, também, que não existe um discurso de desigualdade fiscal. No entanto, não exclui o facto de existir precariedade e baixas remunerações que afetam os jovens portugueses em relação aos jovens estrangeiros.

“O chamado ‘IRS Jovem’ prevê uma isenção parcial de IRS para os rendimentos do trabalho dependente e os rendimentos empresariais e profissionais obtidos por contribuintes residentes em Portugal com idades entre os 18 e os 26 anos (ou 30 anos para doutorados). Este regime, que em 2021 terá abrangido mais de 37 mil jovens, estabelece uma isenção de IRS entre 20% e 50% para os rendimentos do trabalho obtidos por contribuintes naquela faixa etária nos 5 primeiros anos após a conclusão do ensino secundário obtido por percursos de dupla certificação ou ensino secundário vocacionado para prosseguimento de estudos de nível superior acrescido de estágio profissional com a duração mínima de 6 meses.”

“Aprender um novo idioma ao ponto de poder trabalhar num país estrangeiro exigiria muito tempo e esforço”

Laura Nickel tem 34 anos e veio da Alemanha (o seu país natal) para Portugal. É psicóloga e trabalha no sector da saúde mental há sete anos. Vive atualmente na Ericeira e deixou-se conquistar pelo mar e pela prática de surf nas praias portuguesas. “Portugal é um país bastante seguro dentro da União Europeia. Vindo da Alemanha, é fácil entrar em Portugal. O clima no inverno é ameno e há muitos estrangeiros com o mesmo estilo de vida a viver cá. Existem também muitas opções de atividades para preencher o tempo livre: yoga, aulas de meditação, concertos e museus.”

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Laura Nickel enquanto trabalha remotamente desde a casa que alugou em Ribamar. /MARTA ALMEIDA

A psicóloga tenciona ficar em Portugal por três meses, como tal, não tenciona comprar casa e afirma que “no processo de decisão sobre em que país morar, os benefícios fiscais assumem um peso igual juntamente com outros fatores.”

Quando questionada sobre os motivos de se tornar uma nómada digital, Laura diz que o grande fator foi o de querer viver perto do oceano (algo que não consegue na Alemanha) e querer trabalhar em psicologia, da mesma forma. “Ser psicóloga e psicoterapeuta significa que preciso de falar a língua dos meus clientes. Aprender bem um novo idioma ao ponto de poder trabalhar num país estrangeiro exigiria muito tempo e esforço, portanto, oferecer o meu aconselhamento online para clientes que falam alemão e inglês é muito mais fácil. E, assim, também tenho mais flexibilidade de me mudar para países com clima mais quente e melhores ondas no inverno.”

Ser nómada digital é, por muitos, considerado como um estilo e uma escolha de vida. É uma forma de aproveitar “o melhor dos dois mundos”, ter a experiência de viver em países diferentes sem a necessidade de mudar de emprego.

“Tem os seus prós e contras! Quando estou num lugar com muitos nómadas e viajantes, pode ser verdadeiramente inspirador conhecer pessoas de todo o mundo”, reflete Laura. “Prefiro ficar pelo menos 3 meses no mesmo lugar, assim tenho tempo para me acomodar e conhecer a nova cultura. Pode custar muita energia mudar de lugar com frequência. Tens de te adaptar a novos colegas de quarto e situações de vida, tens de reencontrar a tua rotina e ir sempre fazendo novos contatos sociais. Depois, temos as situações desafiantes, como ficar doente ou o carro avariar, que são ainda mais desafiantes quando se está num país estrangeiro. Ainda estou a aprender a encontrar o meu equilíbrio e a aceitar que não posso descobrir novos lugares todos os dias como nas férias. Mas tenho dias normais de trabalho, cozinho e descanso e, por vezes, faço uma caminhada ou vou fazer surf ao fim de semana.”

Os professores, as questões e desafios da educação – Parte II

É seguramente indispensável que a educação contemporânea e os professores se inscrevam no espírito e no desenvolvimento do nosso tempo. Não podemos imaginar o futuro de forma útil sem combinar o nosso conhecimento do passado e a percepção das grandes mudanças em curso. Contudo, admitir essa inscrição não significa que ela deixe de ser contrabalançada pelo acesso a uma cultura multimilenar que passa pelas humanidades, pela literatura, pela história e por um tema que parece indispensável — o conhecimento e a compreensão dos outros.

Por isso, numa abordagem de educação integral a opção entre um saber humanista e um saber-fazer utilitarista não faz sentido. Saber conciliar um e outro em todos os níveis de escolaridade é simultaneamente uma questão essencial e um desafio indeclinável, que implica que a escola se adapte não só às necessidades profissionais ou técnicas, mas também às necessidades de uma sociedade e da sua cultura.

Perante a natureza e a relevância destas mudanças alguns investigadores, designadamente Gerhard de Haan(1) sustentam que uma concepção de educação está a chegar ao fim da sua história. Porém, o problema não reside em reconhecer esta realidade ou até mesmo as exigências do novo conhecimento. A dificuldade está em conciliar a pluralidade de visões do mundo numa abordagem humanista das políticas e práticas educacionais e em definir os meios e os métodos próprios para facilitar as aprendizagens (pedagogia) e lhes conferir um sentido, num contexto mutante e inovador.

No plano pedagógico, a transição da sociedade tradicional para a sociedade de conhecimento traduziu-se na ordem escolar pela adopção de um modelo centrado no acto de aprender em substituição do anterior que era dirigido pelo imperativo de transmitir.

Até ao início deste século, o debate situava-se ainda em torno de dois modelos de ensino: a autoridade do professor, a disciplina e o mérito versus o aluno no centro, a sua inteligência, a sua curiosidade natural, o seu desenvolvimento. Mas, bastou uma década para que a centralidade destas questões diminuísse. A comunidade política internacional passou a interessar-se pela eficácia das políticas educativas e pela importância de métricas comuns, centradas na avaliação das competências dos alunos e no controlo dos resultados escolares. O conhecido programa PISA (Program for International Student Assessment) ocupou o centro do debate e das preocupações dos governos e a atenção dos meios académicos, lembrando nas sucessivas edições a quase todos e aos governos em especial, que é possível atingir melhores resultados na educação(2) .

Não obstante os resultados obtidos, o facto é que este espaço simbólico de pressão sobre os sistemas de ensino induziu um sentido de competição contraproducente nas aprendizagens, sem deixar de se considerar ipso facto um desafio. O último desafio resultou da pandemia SARS-COVID 19 e da inopinada ruptura produzida nos percursos escolares. As escolas viram-se subitamente esvaziadas e projectadas para o ensino à distância, sem qualquer preparação prévia. De um dia para o outro, professores, alunos e pais foram confrontados com a perplexidade de uma situação dramática e com a necessidade de adoptar de forma continuada práticas de educação remota. Instalou-se a ideia de que as escolas e os professores poderiam ser substituídos por tecnologias destinadas a transferir conteúdos. E, se por um lado, a tecnologia faz parte do nosso tempo, por outro, a ideia de que tudo vai passar para o digital e de que a inteligência artificial vai mudar as aprendizagens esvazia a relação educativa da sua dimensão humana. Não é possível separar o ser, o sentir e o saber (Damásio, 2020)(3),razão pela qual o digital exige que se cultive a relação humana. Ou seja, o digital não pode substituir os professores.

Em suma, a resposta aos desafios pré e pós-pandemia não se compagina com um regresso ao passado. Historicamente, as pandemias forçaram os humanos a romper com ele e a imaginar um mundo novo. Esta não é diferente. É uma porta de entrada entre um mundo e outro. Perante esta oportunidade a alternativa está em continuar a manter e arrastar as velhas visões e práticas, ou em entrar no caminho aberto, prontos para imaginar outro mundo e conceber outras práticas. De forma necessariamente simplificada, este dilema corresponde à opção entre duas tendências: a, que valoriza as dimensões individuais, quer através do ensino doméstico, quer pela utilização dos dispositivos digitais, quer ainda no modo como os estudos das neurociências procuram personalizar as aprendizagens. A outra que valoriza a escola como espaço público, de encontro e cooperação, de trabalho colaborativo, defendendo a criação de novos ambientes educativos. Sobre esta a UNESCO (4) propõe um novo contrato social para fazer da educação um projecto público e um bem comum, no quadro de um espaço público, aberto, plural e participado.

No fundo, trata-se de transformar a educação numa viagem em demanda de portos inexistentes para corresponder ao cumprimento de um rito que a sociedade reconhece e para o qual oferece as condições necessárias. Mas, se as opções de sociedade implicam opções de educação e pontos de partida, a sociedade deverá evitar impor o lugar de chegada, mesmo que no nosso tempo os mecanismos de mercado tentem oferecer competitivamente esse lugar. E mais, terá de reconhecer a relevância e a autonomia profissional dos professores ao leme da ”viagem” e dos processos de mudança, porque estes são insubstituíveis e fazem toda a diferença na relação pedagógica de uma educação integral e humanista.

(1)“Vivemos o fim da educação da jovem geração pela geração precedente, que existia desde a origem Gerhard de Haan, Die Zeit in der Pädagogik. Vermittlungen zwischen der Füller der Welt und der Kürze des Lebens, Weinheim, Beltz, 1996, p.121.

(2) A avaliação deste programa incide sobre os alunos que em 2000 tinham a idade de 15 anos que corresponde à idade de conclusão do ensino obrigatório em grande número dos países europeus.

(3) António Damásio, Sentir & Saber: A caminho da consciência, Lisboa, Temas e Debates,2020.

(4) Reimagining our futures together: a new social contract for education. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000379707.