Joana Cordeiro é deputada da Iniciativa Liberal, tem 38 anos e foi eleita por Setúbal para a Assembleia da República. É licenciada em Gestão de Marketing e desempenha o cargo de Vogal da Comissão Executiva no partido.
Começo por perguntar-lhe quais serão as principais diferenças visíveis na gestão do partido?
De facto, tivemos mudanças nos últimos tempos mas são mudanças que fazem parte da nossa vida. Sempre fomos um partido criado por pessoas que tinham o objetivo de mudar o que tínhamos no país, portanto as mudanças não nos assustam propriamente. É preciso mudar, mas vamos adaptando-nos às circunstâncias da realidade. Houve vontade manifestada pelo João Cotrim de Figueiredo de não continuar à frente do partido e é algo natural. O Rui Rocha transmitiu sempre que não havia uma ruptura com o sucesso que o partido conquistou até então, porque realmente temos tido sucesso que não justifica… existem mudanças pois existe um caminho que não está a acontecer, onde não se conseguiu atingir os objetivos e que não é o caso da Iniciativa Liberal. O que podemos esperar com o Rui é aquilo que já foi transmitido e que tem sido dito. O Rui Rocha é muito próximo das pessoas e, de certa forma, a percepção pública que a Iniciativa Liberal às vezes tem é de ser um partido que está um bocadinho afastado, que está muito concentrado nos centros urbanos e que só tem um tipo de discurso muito virado para a economia. Acho que esta mudança vai ajudar a que as pessoas tenham uma percepção diferente. O Rui Rocha é um deputado eleito por Braga, que não é uma das grandes cidades como Lisboa e Porto, mas sempre fez a sua campanha muito próxima das pessoas e isto é o que o Rui trouxe e traz como presidente do partido. Uma política com maior proximidade e com temas diferentes, para além da economia, que trazem diferença à vida das pessoas.
No seu primeiro discurso como líder do partido, Rui Rocha diz que “só interessa o futuro”. Qual é o futuro da Iniciativa Liberal?
Temos de olhar para o futuro. Temos de aprender com o passado para podermos melhorar o futuro. Mas o que temos assistido é um país que está estagnado há muito tempo, que não tem crescimento económico. E o olhar para o futuro é sabermos o que temos de fazer para contrariar isto. Vivemos num cenário de estagnação económica e de mediocridade e o que temos assistido cada vez mais é que, com essa falta de crescimento económico que temos, deixamos de ter recursos e, quando não temos recursos, assistimos cada vez mais ao que temos visto até hoje, que é de uma degradação completa dos serviços públicos. Portanto, o olhar para o futuro é conseguirmos contrariar esta estagnação com propostas que resolvam o problema das pessoas e que contrariem o cenário que temos. Desde que é presidente da Iniciativa liberal, o Rui e toda a comissão executiva têm o objetivo de chegar aos 15% de delegações de votos nas eleições legislativas e o objetivo é podermos contribuir para mudar as políticas porque não basta chegarmos à terceira força política nacional, temos de ter uma percentagem que nos permita efetivamente influenciar o país e de influenciar as decisões que se tomam no país. Também tem sido muito referido que temos de acabar com este bipartidarismo que temos entre o PS e o PSD e, com 15%, nós podemos fazer essa diferença. É este o caminho para o futuro, é continuarmos a apresentar propostas que as pessoas reconheçam que são uma mais valia para elas, que as compreendam, que resolvam problemas do dia a dia e que façam a Iniciativa Liberal crescer no sentido de poder influenciar e mudar o cenário que temos no país.
“O que nos preocupa e que levanta todos os alertas é o facto de existir um grande ataque à propriedade privada. Quando temos o Estado a decidir o que podemos fazer com um bem que é nosso, se calhar estamos a cruzar uma fronteira que não deveria ser cruzada.”
Rui Rocha disse que a Iniciativa Liberal tenciona ir para a rua e fazer manifestações. Há a possibilidade de se juntarem ao movimento referendo pela habitação em defesa do direito a habitar em Lisboa?
O partido nunca deixou de estar na rua. Sempre fizemos campanha, eu fui eleita por um distrito que também não é Lisboa e Porto, fui eleita por Setúbal, e fizemos campanha na rua, estivemos sempre muito na rua. O que temos de fazer mais é essa tal política de proximidade e estar onde as pessoas estão e defender os seus problemas. No caso da habitação, a Iniciativa Liberal tem defendido uma agilização de processos, menos burocracia, uma maior liberalização do mercado… Compreendemos que existem problemas na habitação e isso é evidente. Existem pessoas com muitas dificuldades em conseguir ter uma casa, principalmente os jovens. Mas o que não temos concordado e, agora, com o pacto que vimos ser apresentado, não concordamos com as medidas que são apresentadas. O que temos defendido tem que ver com o aumento da oferta. Temos de ter mais casas disponíveis no mercado porque é a lei da oferta e da procura a funcionar, se temos mais oferta, obviamente que os preços baixam. Se continuarmos a ter medidas que não aumentam a oferta, não vai resultar. Compreendemos todas as reivindicações e todos os movimentos, mas discordamos das medidas e da forma como são feitas.
A propósito deste tema sobre a habitação, ocorreu ontem o Conselho de Ministros onde foram tomadas diversas medidas, tal como o incentivo à colocação de casas no mercado da habitação em vez de no Alojamento Local. Rui Rocha foi bastante explícito ao dizer que esta medida seria a “morte do arrendamento local”. Para a Iniciativa Liberal, a única solução é a transferência das onze sedes de organismos públicos para fora da capital?
Existe, sim, pouca oferta de habitação e isso nós temos de remediar. E temos problemas que são principalmente concentrados nas zonas urbanas, Lisboa e Porto. O nosso pacote de descentralização e de deslocalização de serviços públicos tem que ver com o facto de tentarmos diminuir o peso dos organismos nas cidades. Obviamente que, quando se deslocar os serviços para fora de Lisboa e do Porto, é normal que exista um acompanhamento das populações que acompanhem esses serviços. O nosso objetivo com essa medida é diminuir a pressão. Há todo um conjunto de medidas na habitação, não podemos olhar para cada medida de forma isolada, não é só uma questão de agilizarmos os licenciamentos. Da mesma forma, temos uma carga fiscal altíssima, por exemplo, as questões do IVA da construção e do número do imposto que recai… portanto, os tipos de regulamento à construção que encarecem o preço final das casas. Há aqui todo um conjunto de medidas que temos vindo a defender que são claras e que são bastante diferentes daquelas que apareceram na quinta-feira. E o que nos preocupa e que levanta todos os alertas é o facto de existir um grande ataque à propriedade privada. Porque quando temos o Estado a decidir o que podemos fazer com um bem que é nosso, se calhar estamos a cruzar uma fronteira que não deveria ser cruzada. Isso vem em linha com aquilo que o Rui disse e, no caso do Alojamento Local (AL), de certa forma vai acabar por ser “a morte do Alojamento Local”. Isto é um tema importante porque o AL contribuiu para a revitalização dos centros das cidades. Há 20 ou 30 anos ninguém queria viver no centro de Lisboa porque tínhamos prédios degradados e tínhamos um ambiente diferente do atual. O que fez com que tivéssemos o ambiente que temos hoje foi o turismo, que fez com que se desenvolvessem restaurantes e com que a oferta cultural aumentasse. Temos cá pessoas que vão usufruir desses serviços. E, agora, o que estamos a dizer é que, afinal, vamos acabar com isso tudo e depois, quando acabar, o que é que teremos? Vamos voltar ao que tínhamos há 20 ou 30 anos? É esta a solução? Já existem inúmeros estudos que comprovam que o Alojamento Local não é responsável pela falta de casa no mercado, portanto, não são estas medidas que vão resolver. Este problema só se vai resolver quando a oferta aumentar, porque os preços não vão baixar enquanto isso não acontecer. Existem dados que indicam que o número de transações feitas com vistos gold são residuais face ao número de transações feitas com a compra e venda de casas, ou seja, não é um tema. Temos de aumentar a oferta! As medidas de proibição de novas licenças de AL, de reavaliação dessas licenças e do fim dos vistos gold não são medidas que vão aumentar a oferta de habitação.
O que pensa o partido e a nova liderança dos preços das casas na capital e da realidade de muitos portugueses não passar por ter casa na cidade de Lisboa?
As pessoas deveriam poder escolher onde querem morar, mas isso, como em qualquer outra componente da vida, são escolhas que se fazem mediante as possibilidades que se tem. Claro que as pessoas gostam de viver perto do trabalho. No meu caso, vivo na margem sul e é um facto que as pessoas que vivem do outro lado do rio e que trabalham em Lisboa têm um conjunto de dificuldades a nível de acessos e de transportes que tem que ser resolvido. Se tivéssemos uma rede de transportes públicos mais eficaz, se calhar as pessoas poderiam facilmente deixar de viver no centro da cidade. Se tivermos os serviços e empregos todos concentrados dentro das cidades vamos continuar a ter problemas.
“As pessoas sentem que continuam a contribuir com mais impostos e com mais carga fiscal e acabam por não sentir um retorno da parte do Estado.”
Agarrando no tema dos transportes, a mais recente greve da CP teve início a 8 de fevereiro e dura até dia 21. A greve já perturbou centenas de portugueses que se viram sem meios de deslocação para ir trabalhar. Para além de que já está prevista uma nova greve para os dias 27 de fevereiro e 1 de março. Estas greves chegam ao pensamento do governo ou são greves que apenas incomodam a população?
Existe uma evidente degradação dos serviços públicos. Existe um problema enorme na administração pública onde os profissionais não são valorizados, não existe uma cultura de meritocracia, não existe uma valorização profissional, e as greves a que vamos assistindo nos vários setores resultam disto. De facto, complicam a vida das pessoas mas temos de repensar de que modo é que olhamos para o todo e conseguimos ter medidas estruturais que resolvam os vários problemas. Temos defendido várias vezes que é preciso fazer uma reforma na administração pública em que tenhamos um sistema de avaliação mais justo e que seja de forma transversal para os vários profissionais, que valorize as suas carreiras, que exista uma cultura de meritocracia que, hoje, não se vê. Porque, aí, as pessoas sentem-se valorizadas no seu trabalho. E se começarmos a resolver estes problemas, se recuperarmos o crescimento económico que nos permite ter mais recursos para responder às várias solicitações, então vamos ver a questão das greves a diminuir.
Qual seria a melhor forma de chegar a um acordo que satisfaça as duas partes?
Eu não consigo responder de uma forma direta porque as greves têm vários motivos, não há uma resposta certa ou que resolva os problemas todos. A questão é: se os trabalhadores se sentirem valorizados e sentirem que quando se esforçam e trabalham que não têm uma carga fiscal enorme que recai sobre os salários, se sentirem que chegam ao fim do mês e que têm mais dinheiro no bolso que lhes permite ter outro tipo de atividades, automaticamente as pessoas sente-se mais felizes. É por aqui que temos de ir.
Têm ocorrido, por todo o país, as greves dos professores que pedem “respeito” pela profissão. Estão em negociações com o ministro da Educação e também com o primeiro-ministro. O que considera que está a falhar nestas negociações?
Acho que o que falha sempre é haver uma escuta de ambos os lados. Daquilo que assistimos com os professores, com a CP e com os enfermeiros nas várias greves é que há uma falta de valorização, portanto, não há uma resposta que vá ao encontro das solicitações todas. Acho que o que falta é o governo querer fazer diferente. O governo tem de ouvir e de perceber o que é que as pessoas precisam e tem de atuar nas áreas em que pode atuar. O governo, neste momento, tem excedentes… tem receitas extraordinárias e isso não está a ser refletido para as pessoas. Portanto, as pessoas sentem que continuam a contribuir com mais impostos e com mais carga fiscal e acabam por não sentir um retorno da parte do Estado e isso gera o descontentamento.
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