Drogas sintéticas: a nova face de um problema antigo

Com o objetivo de promover avanços na ciência, mais concretamente na área da saúde, especialistas conceituados iniciaram testes que consistiam na modificação da estrutura molecular de certas substâncias. Destes resultaram compostos com propriedades distintas, nascendo assim o conceito de drogas sintéticas.

A TejoMag esteve à conversa com a médica psiquiatra Maria Moreno, que começa por explicar que se trata de  “substâncias químicas produzidas em laboratórios clandestinos e em países onde não existe controlo regulatório adequado”. Têm “efeitos psicoativos, ou seja, afetam a função do sistema nervoso central, alterando a perceção, o humor, a consciência e o comportamento das pessoas que as consomem” e, por norma, “são projetadas para imitar ou potencializar os efeitos das substâncias controladas, como anfetaminas, opiáceos ou canabinóides, ou para criar novos efeitos”.

Alerta que, apesar de serem vendidas como alternativas legais às drogas mais comuns, a verdade é que, em muitos casos, “são mais potentes e mais perigosas do que as drogas originais”. A falta de regulamentação a nível de segurança e controlo de qualidade, que fica evidente com o uso de “uma ampla variedade de produtos químicos para produzir essas drogas muitas vezes sem considerar a segurança ou a pureza dos produtos químicos”, pode ter efeitos adversos trágicos, podendo mesmo levar à morte.

Fáceis de esconder e de transportar, quer pelas pequenas quantidades que facilmente geram centenas ou mesmo milhares de doses, quer pelo surgimento de novas maneiras de consumo, nomeadamente em forma de spray nasal, como também em líquido para cigarros eletrónicos, estes estupefacientes são uma ameaça cada vez mais real à saúde pública. 

De acordo com o Relatório Europeu sobre Drogas 2022, todas as semanas surge uma nova NSP na Europa, situação que inspira cada vez maior preocupação. Em 2021, foram identificadas 52 novas drogas, aumentando para 880 o número total de NSP monitorizadas pelo Sistema de Alerta Rápido da União Europeia. 

O consumo em Portugal

Em Portugal, o consumo disparou nos últimos anos a partir do momento em que passou a ser possível comprar pela Internet. Os internamentos em psiquiatria por uso destas drogas duplicaram na Madeira e a situação tem vindo a escalar nos Açores. 

Assim, Sara Madruga da Costa, deputada do PSD, deu entrada, no passado mês de maio, na Assembleia da República, com um projeto de lei que pretende equiparar as drogas sintéticas às clássicas e assim permitir a posse de pequenas quantidades para consumo. O objetivo, de acordo com o jornal PÚBLICO, é proteger aqueles que precisam de tratamento.

Um inquérito online levado a cabo pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) revela que os estupefacientes mais consumidos no nosso país, em 2021, eram da família das anfetaminas, como a metanfetamina, a LSD e a MDMA (comumente conhecida como ecstasy ou molly). Porém, esta lista é extensa e está em constante evolução, fruto de todos os dias surgirem novas substâncias, destaca Maria Moreno.

Os dados dão ainda conta de que a maioria dos consumidores em Portugal são jovens do sexo masculino entre os 18 e os 24 anos, que frequentam ou já concluíram o ensino superior e que consomem em contexto de diversão e quase sempre acompanhados. 

“Parece que estás dentro do teu próprio filme”

Foi precisamente neste contexto que José [nome fictício], de 23 anos, teve o primeiro contacto com uma destas substâncias. “Estava numa festa, havia um amigo com isso e quis experimentar”, recorda. A droga escolhida foi ketamina, também conhecida como K ou Special K. Foi criada em 1965 para fins anestésicos, nomeadamente veterinários. 

“Deixa-te super relaxado, sentes o corpo mais leve que o habitual, tudo de mal que se está a passar na tua vida passa enquanto estás sob efeito. Parece que estás numa pequena bolha; tens noção do que está à tua volta, mas parece que estás dentro do teu próprio filme. O efeito prolongou-se durante alguns dias, mas revela que “passado um tempo, há sempre um momento menos bom”, que descreve como ”uma pequena depressão”. “Não entras num buraco negro de tristeza, nem te queres matar, ficas só um bocadinho em baixo”. Também experimentou speed, que o deixou “mais ativo”. 

Relato semelhante faz-nos António [nome fictício], um ano mais velho. “Começou num grupo de amigos que quiseram experimentar e usufruir da experiência de MDMA”, assume. Também conhecida por ecstasy, foi descoberta em 1914 pela farmacêutica Merck, como medicamento para diminuir o apetite, mas nunca chegou a ser comercializada. “Não era algo regular, só esporádico”, prossegue, acrescentando que cada toma equivalia a um comprimido que “custava 10 euros”. No caso de “MDMA 0.5/1 grama” já passava para o dobro: 20 euros. 

As (nefastas) consequências

Para além de poder resultar em dependência, com consequências nefastas em vários quadrantes da vida pessoal e profissional, “os danos psicológicos e físicos podem variar dependendo de vários fatores como o tipo de droga (o seu modo de ação no cérebro, os seus efeitos físicos e psicológicos, o potencial de dependência e a legalidade), a quantidade consumida, a frequência de uso e suscetibilidade de quem a consome (os fatores genéticos e os fatores de stress ambiental têm um papel central)”, frisa a psiquiatra.

“No geral, podem causar alterações significativas no sistema nervoso central e estão associadas a sintomas psiquiátricos graves, incluindo a euforia, aumento de energia, insónia, delírios e alucinações. Além disso, pode resultar em danos no fígado, coração e pulmões”, ressalva, alertando ainda para substâncias extremamente potentes como o fentanil que “podem causar depressão respiratória e morte, mesmo em doses muito pequenas”.

Embora tenha conseguido travar o consumo sem recorrer a qualquer tratamento, a verdade é que António não deixou de sofrer as consequências. “Senti ressaca com MD. Depois de ter chegado à cama comecei a ter suores frios, o corpo super quente, muito nervoso e ansioso com algo que não existia, no fundo. Muito agitado, muitas voltas na cama”, recorda, garantindo que nunca mais voltou a usar, nem tenciona fazê-lo.

José não sentiu ressaca, apenas ficou como quando bebe “um bocado”. Nunca sentiu dependência. Explica que “provavelmente teria de usar mais vezes para ter”. Tal como António, não pretende continuar a usar: “não quero porque é droga”.

No entanto, nem todos podem dizer o mesmo. Quando existe adição, é necessária uma abordagem multidisciplinar. O primeiro passo diz respeito “à avaliação por um médico psiquiatra para perceber se existe abuso ou dependência, se o consumo é primário (de modo recreativo com os amigos, por exemplo) ou secundário (se surge para colmatar um sintoma psiquiátrico não tratado, uma insónia por exemplo), perceber que fatores de risco existem (há familiares com dependência desta ou outras substâncias? A pessoa vive isolada ou tem apoio?), entre outros que vão determinar a melhor abordagem”, destaca Maria Moreno.

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