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Author Archive by Tomás Cascão

O papel da alimentação e do exercício físico na saúde mental

A Organização Mundial da Saúde define “saúde” como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. A definição é clara e demonstrativa de que a saúde mental – negligenciada durante muito tempo – desempenha um papel fundamental neste bem-estar geral. De acordo com esta organização, uma em cada quatro pessoas sofre ou irá sofrer de ansiedade, depressão ou outro transtorno mental durante a vida.

Os três pilares 

Paulo Dias, neuropsicólogo da Clínica Dr. Alberto Lopes, sublinha que “procurar ajuda não é demonstrar fragilidades ou fraquezas, mas sim um sinal de coragem”. Começa por explicar que vivemos numa sociedade que “nos gera stress emocional, seja a nível escolar, académico ou profissional. Atrevo-me a dizer que há crianças que já nascem para este mundo com um nível de ansiedade superior àquilo que seria o desejável”.

São vários os aspetos que podem debilitar a saúde mental. Seja a nível de personalidade, “aquilo que chamamos de um ego mais frágil, que pode ter dificuldades de resiliência perante os conflitos”, seja também pela falta de autocuidado, que descreve como “o empurrar as coisas com a barriga”.

pedrodias O papel da alimentação e do exercício físico na saúde mental

O especialista destaca três pilares que considera fundamentais para a estabilidade corpo-mente. O exercício físico, o sono e a alimentação. Alerta que “a ausência ou o descuido destes fazem com que estejamos sempre com uma menor capacidade de resiliência para os conflitos que vamos enfrentando ao longo da vida”.

Vários estudos concluem que, de facto, a prática de atividade física regular não só contribui para uma sensação de bem-estar, como também influencia positivamente a qualidade do sono. Uma simples caminhada de 10 minutos tem a capacidade de melhorar o humor, aumentar a energia e o estado de alerta mental. A importância de dormir bem também não deve ser menosprezada. Isto porque é precisamente durante o sono que o organismo se regenera. 

Magda Roma, nutricionista da Clínica Lisbon Plastic Surgery, explica que “a nutrição desempenha um papel fundamental na saúde mental como em qualquer patologia quando entendemos que é através do que ingerimos que as células do nosso corpo recebem nutrientes essenciais ao seu desenvolvimento e função. Uma alimentação equilibrada e saudável fornece os nutrientes essenciais para o funcionamento adequado do cérebro e do sistema nervoso.”

Nesse sentido, são vários os nutrientes que beneficiam a saúde mental, tais como:

  • Triptofano (aves, peixe, ovos, frutos secos, sementes e leguminosas);
  • Complexo de vitaminas B (aves, peixe, ovos, frutos secos, cereais, folha verde-escura, sementes e leguminosas);
  • Omega 3 (peixes gordos, sementes, frutos secos);
  • Antioxidantes e fitonutrientes (todo o reino vegetal, legumes e frutas);
  • Magnésio (folha verde-escura, frutos secos, sementes, grãos integrais, abacate e bananas);
  • Vitamina D (sol ou alimentos enriquecidos por ela).

Porém, adverte que há outros comportamentos/alimentos que “nos deixam num estado inflamatório” e que “podem ser gatilhos da doença mental”. São eles os “alimentos processados, açucarados, gorduras saturadas e o consumo excessivo de álcool”, elenca.

A Dieta Mediterrânica e os probióticos

A Dieta Mediterrânica é frequentemente apontada como a mais indicada para lidar com sintomas depressivos. Magda Roma explica que “tem sido amplamente estudada e é reconhecida pelos seus potenciais benefícios na saúde, incluindo a saúde mental e a redução do risco de doenças crónicas”.

Baseia-se na ingestão adequada e diária “de alimentos de base vegetal, como legumes, cereais, tubérculos, frutos secos, frutas ricas em propriedades anti-inflamatórias e em todas as vitaminas e minerais que necessitamos”. Além disso, exige “um consumo controlado de carnes, laticínios e dá preferência aos frutos do mar e peixes”.

Magda O papel da alimentação e do exercício físico na saúde mental

Há ainda quem defenda os benefícios dos probióticos para a saúde mental. Estes microrganismos vivos, conhecidos como bactérias “boas”, ajudam a manter o intestino saudável ao impedir a multiplicação de bactérias prejudiciais. “Uma alimentação rica em probióticos pode auxiliar o funcionamento do intestino, bem como melhorar a digestão e absorção de nutrientes ao mesmo tempo que auxilia na manutenção da saúde mental”, destaca a nutricionista.

Mente sã em corpo são

Paulo Dias deixa ainda várias dicas para a prática da saúde mental positiva. Sublinha a necessidade de cultivar uma “mentalidade positiva, praticar o autocuidado, desenvolver atividades que promovam bem-estar”. Quando estes passos não estão a ser suficientes e sente que há certos obstáculos ou desafios que não está a ser capaz de ultrapassar sozinho, deve “procurar ajuda terapêutica”. 

A célebre expressão “Mens sana in corpore sano” ou “Mente sã em corpo são”, da autoria do poeta romano Juvenal, ilustra bem a importância do equilíbrio entre o corpo e a mente. “Sem saúde mental não conseguimos ter qualidade de vida”, alerta o neuropsicólogo.

A (i)literacia financeira dos portugueses

De acordo com os últimos dados do Banco Central Europeu, relativos a 2020, Portugal estava em último lugar do ranking de literacia financeira dos 19 países da zona euro. Mas o que é, afinal, a literacia financeira? Para Sérgio Cardoso, Chief Academic Officer no Doutor Finanças – empresa que atua como intermediária de crédito – são “todos os conceitos que estejam relacionados com a gestão das finanças pessoais. Desde coisas tão simples como fazer o orçamento familiar, controlar as despesas, o que fazer com o dinheiro que se poupa, a parte fiscal, como é que preenchemos o IRS, se usamos todos os benefícios que são dados”, até tópicos mais complexos como a parte comportamental. “Como é que se fala de finanças pessoais com os filhos? Conhecer bem os produtos financeiros, o que é que são os créditos? Quais são os custos inerentes? Saber comparar alternativas? Ou seja, tudo aquilo que envolva e que, de alguma forma, tenha impacto no nosso bem-estar financeiro”, acrescenta, sublinhando que não é possível atingir o bem-estar geral sem passar pelo bem-estar financeiro. “A parte financeira é fundamental e toca em quase todas as outras áreas da nossa vida. Se não tivermos esta parte bem controlada não vamos conseguir ser felizes”.

Também Bárbara Barroso, especialista em literacia financeira e fundadora do laboratório de educação e literacia financeira MoneyLab, tem uma visão semelhante. “É o conhecimento e as ferramentas que uma pessoa pode e deve adquirir que lhes permita capacitar para tomarem melhores decisões sobre a sua vida financeira e que lhes possibilite ter uma melhor relação com a área financeira dentro da sua esfera de vida. Muitas vezes tratamos de todas as outras esferas e a parte financeira é descurada. No fundo, é um descomplicómetro. É descomplicar termos relacionados com a vida financeira e que vão impactar na vida de todas as pessoas”, esclarece. 

sergiocardoso A (i)literacia financeira dos portugueses

O spread e o Crédito Habitação

É um dos termos mais em voga nos últimos meses e de suma importância para quem tem crédito habitação. Apesar de já se ter banalizado o seu uso, a verdade é que para muitos o seu significado continua a ser uma incógnita. De acordo com o Banco de Portugal, o spread é a “componente da taxa de juro que acresce ao indexante” e a única que pode ser renegociada. Por outras palavras, é a taxa que os bancos cobram para lhe emprestar dinheiro. No fundo, é a margem de lucro que vão ter. “É a única parte que os bancos controlam. A taxa de juro não é controlada pelos bancos. Os bancos têm que distinguir os seus clientes, porque os clientes têm riscos diferentes e o spread é a ferramenta para fazer essa distinção”, explica Sérgio Cardoso. 

“Existe um desconhecimento generalizado destes conceitos. As pessoas não percebem os conceitos e acredito que, quando vão à procura de crédito habitação, a preocupação é conseguir aprovar o crédito. Não se preocupam tanto em perceber o que está por trás do spread”, alerta. Bárbara Barroso, eleita n.º 1 em Finanças Pessoais em Portugal pelo Canal História, adverte para as consequências nefastas deste desconhecimento naquela que é a despesa que representa maior peso no orçamento das famílias. “É a diferença de, no final de um contrato, pagar mais 50 ou cem mil euros”. “Não temos todos de ser analistas, diretores financeiros ou economistas, mas todos temos que lidar com dinheiro”, frisa.

Não tem problemas em assumir que teve um papel importante para que este tipo de conceitos já não seja visto como “economês”. “Há um trabalho da minha parte para que hoje no telejornal se fale em spread, assumindo – mal – que toda a gente sabe. As pessoas já sabem que dá para renegociar, mas algumas não percebem que aquilo é uma taxa em cima de uma taxa”, atira. Situação semelhante acontece com o termo inflação. “As pessoas perceberam que não é um conceito macroeconómico e que é algo referente ao meu bolso e que afeta o meu poder de compra”. 

“Iliteracia financeira é transversal” 

A literacia dos portugueses “está ligeiramente menos mal do que há 10 anos”, salienta Bárbara Barroso. No entanto, a facilidade de acesso à informação “cria uma falsa sensação de conhecimento. Eu não tenho conhecimento, tenho é acesso à informação de forma mais fácil” por comparação com outras gerações.

barbarabarroso A (i)literacia financeira dos portugueses

A especialista lembra que já deu aulas do “primeiro ao 12.º ano” e alerta que a “iliteracia financeira é transversal, independentemente do rendimento e do nível de escolaridade”. Para Sérgio Cardoso, esta “é uma questão de fundo que vai demorar várias gerações a resolver e só se vai conseguir resolver quando todos os stakeholders tiverem comprometidos”. Além disso, e apesar de já estar em vigor o Plano Nacional de Formação Financeira, orientado para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico, o Ensino Secundário e a Educação e Formação de Adultos, “ainda não se ensina nas escolas de forma genérica. É de valor que existam ferramentas ao dispor, mas é preciso haver quem as aplique. Reforça ainda a importância da forma como a literacia financeira é explicada às várias faixas etárias. “Consoante as idades, há conceitos que são mais adequados e o nível de maturidade dos jovens tem que ser tido em conta”.

Perante todas estas lacunas, o MoneyLab procura “dotar as pessoas com conhecimento e ferramentas que lhes permitam tomar melhores decisões sobre a sua vida financeira”. A empreendedora destaca o MoneyBar, o primeiro e maior podcast – gratuito – de finanças pessoais em Portugal e o site, que tem vários artigos com informações úteis e várias dicas. Existe também uma vertente de formações, com destaque para a Do Zero à Liberdade Financeira. É também a entidade responsável pela “formação financeira do Sport Lisboa e Benfica”. Sublinha ainda os vários programas desenvolvidos de Norte a Sul do país com o intuito de “capacitar jovens e crianças com educação financeira”. Bárbara Barroso detém o recorde de maior aula presencial de finanças pessoais em Portugal, na sala Tejo do Altice Arena. O objetivo é contribuir “para que Portugal saia da cauda da Europa”.

Missão idêntica tem o Doutor Finanças, que se compromete a “ajudar os portugueses a terem as ferramentas necessárias para poderem tomar as melhores decisões financeiras e atingirem o seu bem-estar”. Para tal, são várias as iniciativas. O Portal Doutor Finanças funciona como um repositório em que diariamente são colocados novos artigos sobre temáticas relativas à literacia financeira. Uma das apostas mais recentes é a Academia Doutor Finanças. O projeto, que tem Sérgio Cardoso como responsável, visa dar formação a escolas, instituições e empresas. “Uma coisa curiosa é que são os alunos a pedir, não as instituições. Há uma noção dos estudantes desta lacuna na sua formação”. Além disso, destaca algumas iniciativas para os mais novos: uma peça de teatro e um livro escrito para crianças. “Damos as ferramentas, alertamos para o problema e tentamos promover a relevância da literacia financeira. É o nosso contributo”, assinala. 

Migrantes climáticos: o rosto das alterações ambientais

O tema dos migrantes climáticos gera um enorme debate que tem origem logo no próprio termo a adotar. “A polémica surge também numa tentativa de compreender quem é que são estas pessoas”, começa por explicar Maria Fernandes-Jesus, investigadora no ISCTE e professora auxiliar na York St. John University. Dúvidas à parte, o consenso é geral quando se fala em movimentos migratórios provocados pelas alterações climáticas, e este prende-se com o número cada vez maior de pessoas que são, e continuarão a ser, obrigadas a abandonar os seus lares. 

Segundo o Banco Mundial, se não forem tomadas medidas, até 2050 existirão mais de 143 milhões de pessoas a migrar. A esta projeção junta-se a da Organização Internacional para as Migrações, cuja estimativa ascende a 200 milhões. “Talvez se esteja a ser otimista”, acrescenta. As principais causas prendem-se com a constante subida da temperatura média global, a subida do nível das águas, as tempestades tropicais, a desertificação, as secas e as temperaturas extremas. 

mariafernandesfernandes Migrantes climáticos: o rosto das alterações ambientais

O relatório do Internal Displacement Monitoring Center (IDMC) dá conta de que em 2022 mais de 22 milhões de pessoas tiveram de se deslocar por culpa de desastres climáticos. Este valor está em média com aquilo que tem sido registado nos últimos 15 anos, assinala o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). No entanto, Fernandes-Jesus alerta para o facto de estes dados não incluírem “pessoas que, por exemplo, vivem em contextos rurais e que deixaram de conseguir produzir alimentos devido a secas extremas”. Destaca que “o migrante climático não inclui só aquele que teve de sair de sua casa porque houve uma cheia ou um furacão. É também aquele que deixou de poder sobreviver devido aos impactos das alterações climáticas ao longo de vários anos. Por vezes várias décadas”.

Refugiado ou migrante?

É na década de 1970 que o termo refugiado climático/ambiental surge pela mão de Lester Brown, do World Watch Institute. Posteriormente, em 1985, é recuperado por Essam El-Hinnawi, especialista da agência da ONU para o Ambiente, que o  descreve num relatório da organização como aquele que é “forçado a deixar o seu local de residência, temporária ou permanentemente, por culpa de uma crise ambiental (natural e/ou desencadeada por pessoas) que pôs em causa a sua existência e/ou afetou consideravelmente a sua qualidade de vida”.

Ana Rita Gil, professora auxiliar na Faculdade de Direito de Lisboa, começa por explicar que “não há uma noção de refugiado climático porque não é reconhecido pelo direito Internacional”. Porém, destaca que quando este termo é utilizado, é com uma finalidade política que tem o intuito de mostrar que estas pessoas deveriam beneficiar da categoria de refugiado. “Sendo refugiado significa que estas pessoas vão ter um direito humano de não poderem ser devolvidas aos seus países de origem. Já se forem simples migrantes, caem naquilo que é a categoria geral dos migrantes voluntários, relativamente aos quais os Estados são totalmente livres de decidir se aceitam, se protegem ou se devolvem”, alerta. Também Maria Fernandes-Jesus é da opinião de que se deveria “falar de migrantes climáticos e não de refugiados climáticos, exatamente para evitar excluir muita gente que é afetada pelas alterações climáticas e obrigada a migrar por esses motivos”, salienta. “É mais inclusivo”.

O conceito de refugiado, que ainda se mantém e foi adotado pela larga maioria dos países, deriva da Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951. É considerado refugiado quem é “perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha a sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele”, pode ler-se. Assim, “os migrantes climáticos não cumprem este pressuposto porque ser perseguido significa uma ação voluntária que tem determinado grupo como alvo e os migrantes climáticos saem dos seus países por questões objetivas e não porque há alguém que está a persegui-los”, salienta a autora de várias publicações sobre esta temática.

anarita Migrantes climáticos: o rosto das alterações ambientais

Há solução para esta crise?

As projeções do Banco Mundial apontam para que, em poucos anos, as migrações climáticas se tornem na principal causa de migrações massivas. De acordo com o mais recente Relatório Mundial sobre Deslocamento Interno, este fenómeno já é responsável pela migração de três vezes mais pessoas por comparação com situações de conflitos políticos. Nesse sentido, Ana Rita Gil aponta para a urgência de encontrar mecanismos legais. Um deles passaria pela criação de “um instrumento – idealmente no âmbito das Nações Unidas – destinado a proteger especificamente os migrantes climáticos”, que considera ser o desejável. Um outro seria a possibilidade de as pessoas que fogem por motivos climáticos poderem invocar um direito humano, que já é reconhecido, “e que é a proibição de devolver quando as pessoas no país de origem vão ser sujeitas a uma situação de tratamentos desumanos e degradantes”. Até já há uma decisão do Tribunal Europeu nesse sentido, tal como do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Perante “um sítio de origem que fique completamente imprestável – tudo destruído, alagado, etc – para uma pessoa viver, devolver essas pessoas pode ser sujeitá-las a condições humanas degradantes”.

Maria Fernandes-Jesus lamenta a exclusão dos migrantes “de todos os processos de participação em relação às alterações climáticas em países europeus. Não há uma tentativa eficaz de os envolver num desenho de políticas públicas ligadas ao clima”. Uma das soluções passa por “aumentar o financiamento para os países do Sul global para políticas de adaptação às alterações climáticas”, sugere. Noutro âmbito, sublinha a necessidade de continuar a reduzir as emissões e investir em energia limpa, que “não é o gás”.

O que esperar para Portugal?

Embora África, Ásia e América do Sul sejam as regiões mais afetadas pelas alterações climáticas e, naturalmente, com mais migrantes deste tipo, desengane-se quem pensar que este é um fenómeno alheio ao continente europeu. “A Europa não é imune e isso é bem visível, sobretudo nos países da Europa do Sul que vão ser mais afetados do que os da Europa do Norte”. As investigadoras concordam que os efeitos das alterações climáticas já são visíveis na Europa e também em Portugal. “As projeções do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) são para que Portugal, Espanha e Grécia – países da Europa do Sul – sejam dos mais afetados. Secas, temperaturas extremas, mas também cheias sazonais, como até já vimos em Lisboa”, alerta Maria Fernandes-Jesus. Não obstante, o cenário tende a agravar-se se nada for feito. “Baseado em projeções do IPCC, Portugal, de facto, vai sofrer muito com secas. Podemos esperar verões muito mais longos e muito mais quentes. Já se vê muita desertificação; basta ir ao Alentejo”, sublinha. Ana Rita Gil também não tem dúvidas sobre a possibilidade de nos tornarmos migrantes. “A subida do nível das águas do mar está a afetar a costa portuguesa”.

O 25 de abril contado pelos retornados

A Revolução do 25 de abril foi desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) com o objetivo de depor o regime do Estado Novo, terminar com a guerra colonial e instaurar um regime político democrático. Marcello Caetano, que sucedeu a António de Oliveira Salazar em 1968, rendeu-se e foi exilado no Brasil.

A descolonização dominou a agenda política no verão de 1974. O futuro das colónias estava agora em cima da mesa e a ser discutido entre o MFA, o Governo Provisório e os diferentes movimentos de libertação.

Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique tornaram-se independentes entre 1974 e 1975 após 13 anos de conflitos armados entre os vários movimentos de libertação africanos e as Forças Armadas portuguesas. Mais de meio milhão de portugueses regressaram ao País oriundos das ex-colónias. Ficaram conhecidos como “retornados”.

Cristina Caramelo, moradora nas Caldas da Rainha, recorda com saudade a vida “saudável e sã” que tinha em Benguela, Angola, para onde se mudou com a família quando tinha 10 anos. Para além do custo de vida ser manifestamente mais baixo do que aquele que encontrou quando chegou a Portugal, destaca os laços que foram criados. “Não havia televisão, pelo que as pessoas se juntavam à noite para ir ao bar ao pé da praia. O Bar Ferreira foi onde eu bebi, pela primeira vez, Coca-Cola e 7Up, que vinha da África do Sul”, confidencia.

“As crianças eram mais crianças”

Também Margarida Gaspar, que foi para Lourenço Marques (agora Maputo), Moçambique, com apenas 8 dias, partilha da mesma visão. “Costumo dizer que quando abri os olhos estava lá. Todas as minhas recordações de infância são de lá. E, se calhar por isso, guardo-as com muito carinho. Tive uma vida feliz, a minha família era de classe média alta. O meu pai tinha uma empresa de tintas e nós acompanhámos muitas dessas viagens. Fui muito vivida”. O choque chegou quando veio a Portugal pela primeira vez. Foi em 1970, com nove anos. “Odiei. Pensei ‘porque é que os meus pais vieram?’”.

Margarida notou de imediato as diferenças entre os dois países. “A vida cá era muito diferente da de lá. As mulheres só saíam com os maridos, não fumavam e as crianças tinham algumas obrigações. Lá era mais descontraído. As crianças eram mais crianças, brincávamos até às 10 da noite na rua”, relembra com saudade. “Lá tinha uma vida muito livre. Cheguei aqui e fiquei em casa, na varanda, a ver as pessoas passarem. Não havia aquele convívio familiar, brincadeiras, era uma coisa muito fechada”, sublinha.

Cristina relembra um episódio marcante logo no primeiro dia de aulas em África. “Eram pessoas completamente diferentes no relacionamento uns com os outros por comparação com o que encontrávamos cá. Posso dizer que no meu primeiro dia de aulas não conhecia ninguém, parecia um bichinho do mato, enfiei os meus olhos na mesa e três raparigas vieram ter comigo. Foram elas que vieram ter comigo. O relacionamento era saudável, de querer interagir, sem olhar a estatutos sociais”, começa por explicar. “Tinha uma liberdade extrema com 10 anos. Em Portugal quase tinha de pedir autorização ao ministro para atravessar a rua”, lamenta.

“Tudo o que tinham, ficou lá”

Em Angola, havia três forças políticas nas ruas: MPLA, FNLA e UNITA. Muitas armas, muita violência, muito caos. “Se precisasse de ir à casa de banho, tinha de ir de gatas” por receio das balas perdidas. “Os meus avós deixaram lá tudo. Em 74 vieram de férias para Portugal, chegaram cá a 26 de abril e já não regressaram. Tudo o que lá tinham, ficou lá. Trouxeram a roupa que tinham no corpo. Depois, os meus tios chegaram cá em outubro de 75 e também só trouxeram o que tinham no corpo, mais nada. E mesmo assim foram interpelados sobre para onde é que iam. Havia uma suspeição e um medo constante”, diz Cristina. “O meu avô tinha uma vivenda, onde vivia, e uma vivenda na praia. Não deu rumo nenhum a nada. Sei que a casa na praia foi assaltada e vandalizada. A casa da cidade foi arrendada, mas nunca ninguém recebeu renda”, diz com mágoa.

Margarida lembra-se perfeitamente dos momentos de incerteza e pânico com a chegada do 25 de Abril. “Recordo-me de ouvir um burburinho e de a minha mãe dizer ‘ela já não vai para a escola, não sei o que é que vai acontecer’”. Os dias seguintes decorreram com alguma normalidade, mas “depois começam os tumultos e esse foi um período difícil. Começa a haver receio do que seria o futuro”.

“Foi uma situação muito difícil com muita gente a morrer”

Margarida viu e viveu coisas que nunca mais esquecerá. “Lembro-me perfeitamente de um dia em que era suposto chegar a casa às 14h e não cheguei. Cheguei à noite, porque Samora Machel [na altura Presidente de Moçambique] tinha feito um comício e fomos obrigados a ficar na escola até à noite a ouvi-lo. Aí as coisas começaram a agravar-se. Nós morávamos num bairro mais recatado e saímos. O meu pai liga para minha mãe e diz ‘é melhor vires com a miúda, porque começou a haver incidentes na autoestrada’”, nomeadamente muitos carros a serem queimados.

“Foi uma situação muito difícil com muita gente a morrer. Víamos carrinhas de caixa aberta a passar com as pessoas que iam morrendo. Tudo o que era branco era para morrer. Era um ódio primitivo”. Apesar de tantas adversidades, os pais de Margarida não quiseram desistir de tudo o que tinham conquistado. “Ficámos com o pensamento de que isto ia ser ultrapassado. Esta onda de violência acalmou e começou a ser uma vida mais normal”, mas sublinha que as revistas aleatórias eram frequentes. Em 1975, o permanente clima de instabilidade levou a que abandonassem definitivamente Moçambique.

O regresso a Portugal

À chegada a Portugal, reencontraram-se com um casal amigo da família que veio “antes da Independência de Moçambique e que vivia em Coruche”. Margarida assume que mesmo sem ter trazido quaisquer bens materiais, teve sorte. “Tínhamos uma casa onde ficar”. O pai, ceramista, montou um negócio de cerâmica nesta pequena vila em Santarém. Margarida acabou por ir para Lisboa estudar e o resto, diz com mágoa, “foi ficando para trás”.

Também Cristina foi obrigada a um recomeço com o 25 de abril, “mas não com tantas dificuldades como muitos que vieram”, alerta. “A minha casa parecia um acampamento. Tinha os meus avós, e os meus tios e os sogros da minha tia. Entretanto, o meu pai arranjou um quarto para os sogros da minha tia, um tio meu que estava em França emprestou a casa para a minha tia, para o marido e para as filhas.” No caso do tio, “a mulher tinha família cá e optaram por ir para ao pé da família dela”. A pouco e pouco, as coisas começaram a compor-se. Recorda que os tios beneficiaram do IARN (Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais), um organismo que facultava dinheiro, roupa e comida para ajudar na instalação e integração dos retornados.

“O governo português não pensou”

Em jeito de conclusão, Cristina lamenta a forma como todo o processo foi conduzido. “Foi uma independência muito mal dada, como se tivéssemos medo. Podia ter sido dada a pensar nos portugueses que lá estavam e garantir a sua segurança, como anos mais tarde fizeram com a independência de Macau. O governo português não pensou nos milhares de portugueses que tiveram que vir pela independência ter sido mal dada. Não só prejudicaram esses, como também aqueles que já cá estavam. Ninguém saiu beneficiado desta situação”, conclui.

A CP continua em greve: “sempre que haja negociação é possível um entendimento”

O Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) convocou uma greve que se estende por todo o mês de abril por culpa da “atitude autista e de desconsideração” da empresa. Além disso, até 30 de abril os sindicatos cumprem greve na IP e na CP a partir da oitava hora de serviço.

Por norma, as greves não são totais. No entanto, no passado 6 de abril, foi esse o caso. Quando tal acontece, o Tribunal Arbitral decreta serviços mínimos. Significa isto que, normalmente, apenas circulam cerca de 30% dos comboios previstos. 

À TejoMag, a responsável de comunicação da CP, Sónia Rodrigues, garante que a empresa sofre bastante com as greves. “Quando ocorre uma greve total em dia útil, a CP enfrenta perdas significativas. O impacto direto em termos de rendimentos do transporte de passageiros é estimado em cerca de 500 mil euros. Além disso, há perdas adicionais nos dias adjacentes à greve, devido a constrangimentos operacionais que podem afetar o funcionamento normal do serviço”, assume. 

Além disso, ressalva ser importante “considerar o impacto na notoriedade do serviço público e, em particular, na reputação da empresa, que pode estender-se por um período alargado após a greve.” Como tal, não tem dúvidas de que a imagem da CP é afetada pelas greves. “Greves frequentes e prolongadas resultam em interrupções no serviço de transporte, causando transtornos e insatisfação entre os passageiros. Isso leva a uma perceção negativa do serviço público (…) causando um impacto negativo na reputação da CP”.

As reivindicações dos trabalhadores

As principais reivindicações dos trabalhadores da CP e IP prendem-se com aumentos salariais. À TejoMag, o presidente do Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), Luís Bravo, explica que “a situação ocorre de um acumular de vários anos em que os trabalhadores têm vindo a perder muito poder de compra”. Acrescenta que “o maior golpe foi em 2022, ano em que a inflação média andou nos 7,8%, mas no que respeita aos produtos essenciais anda nos 20%”. Destaca que, no ano passado, os aumentos não chegaram a 1%. Para este ano era “expectável que os aumentos salariais fossem na ordem dos 7,8%.” Esta percentagem choca com a proposta apresentada pela administração da CP, que aponta para um aumento de 5,1%. Mas o problema é mais complexo. Isto porque necessita de vários pareceres positivos: do Ministério das Infraestruturas, que tutela as duas empresas, e do Ministério das Finanças, responsável pela parte financeira. No entanto, na CP surge outro problema: é que o aumento proposto já engloba aumentos devidos pela progressão de carreira. 

“O que o governo nos aplicou unilateralmente foi um aumento que não chega a 4%. Mais uma vez abaixo da inflação, que se situa acima dos 8%. A juntar à perda salarial dos tempos da Troika, temos ordenados congelados entre 2010 e 2018″. Com tudo a aumentar, Luís Bravo sublinha que estão “numa situação em que os trabalhadores andam a contar o dinheiro até ao final do mês”. Ainda assim, destaca que o SFRCI “tem pautado a sua ação sindical em situações de luta que não têm passado pela greve, tem participado em manifestações e concentrações em movimentos que procuram reabrir as negociações”. Como tal, lembra que o Sindicato só fez uma greve: em 10 de fevereiro. Lamenta a ausência de interesse do Governo nesta pasta. “Não temos ainda nada agendado, quer do sr. primeiro-ministro, quer das tutelas. Continuamos a aguardar uma reunião”. Ainda assim, mostra-se otimista num acordo. “Acredito que sempre que haja negociação é possível um entendimento. Esta é a nossa forma de estar”.

António Salvado, do Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviários (SINFA), lamenta que na greve de março, a tutela não tenha feito qualquer tentativa de desconvocar a paralisação e de negociar com os trabalhadores. “Nós fizemos uma greve de quatro dias no sentido de que alguém nos oiça”, começa por explicar. Considera ser “inacreditável” não haver qualquer” reação por parte dos ministros das Infraestruturas e das Finanças. Não se percebe como é que não há um pequeno esforço das tutelas para chegar a um acordo”, disse em declarações à agência Lusa. “Não estamos a anos-luz de um acordo. Queremos negociar. Pedimos audiências antes da greve e nada.”

“A principal reivindicação dos sindicatos, um aumento salarial, não depende diretamente da CP, o que pode complicar o processo de negociação”, alerta Sónia Rodrigues. Para o ministro das Infraestruturas, João Galamba, “a questão salarial é um desafio”, mas assegurou que o Governo, em particular as Finanças, está empenhado “em dar maior autonomia às empresas”. 

“A polícia não está a fazer o seu papel”

Mas não são apenas questões monetárias. Também a crescente insegurança é um motivo de grande preocupação. “O ambiente social nas grandes metrópoles, Lisboa e Porto, está a agravar-se”, começa por apontar. Recorda o episódio recente de extrema violência que teve lugar na praia de Carcavelos. “Todos aqueles grupos fazem-se deslocar para aquelas praias de comboio. Nós gostamos de dizer: ‘vem o verão, vem as férias escolares e vêm os problemas’. Aumenta a pequena criminalidade, o revisor vai ajudar e acaba agredido”, lamenta. “O número de trabalhadores agredidos tem aumentado de ano para ano sem que sejam tomadas medidas para minimizar estas situações.”, alerta.

Luís Bravo deixa ainda críticas à (não) atuação das autoridades. “A polícia não está a fazer o seu papel. Lamentamos que se gastem polícias a vigiar obras. Às vezes vemos dois e três. Aquilo que é a sua função nuclear que é a proteção pública não há. Dizem que não têm efetivos.” Uma das reivindicações passa exatamente pelo reforço de policiamento. “A CP, inclusive, paga gratificados em Lisboa, mas não deveria ser necessário porque são espaços onde se movimentam milhões de passageiros, milhões de cidadãos nacionais”.

Também a organização das escalas de serviço é um dos pontos em discussão. “Os operacionais podem trabalhar entre 6 e 9 horas. Dentro dessas horas, por vezes têm repouso fora da sede, em que ficam a dormir fora de casa e têm despesas suplementares com a alimentação. Temos um subsídio de alimentação de 8.32 euros. Não se come em lado nenhum com menos de 10 euros. De facto, é sempre a perder. Tudo isto acumulado, tem-nos levado a uma situação de maior conflitualidade na CP”, explica. Mas o dever com o cliente não é esquecido. “No dia a seguir a uma greve estamos ao lado dos clientes”, sublinha.

Para onde vai o dinheiro?

As injeções de capital na CP superam já os 3,8 mil milhões de euros desde 2016, incluindo os 1.815 milhões de euros previstos no Orçamento de Estado (OE) para 2023 e que aguardam luz verde de Bruxelas. No período entre 2016 e 2019, os reforços de capital ascenderam aos 1.800 milhões de euros. Ainda assim, sublinha o Observador, só metade resultou em entradas de dinheiro. Grande parte deste bolo serviu, essencialmente, para o pagamento de juros, amortizações e “outros custos”, acrescenta o mesmo órgão. Os restantes 900 milhões foram introduzidos através da conversão de créditos em capital social.

“Este valor foi aplicado principalmente em duas áreas. Primeiro, após a integração da CP no perímetro de consolidação do Orçamento de Estado em 2015, a empresa deixou de recorrer ao financiamento junto das instituições de crédito. As suas necessidades de financiamento passaram a ser colmatadas por empréstimos do Estado português, conforme estipulado na legislação em vigor para as Entidades Públicas Reclassificadas (EPR). Em segundo lugar, no período de 2015 a 2019, foram realizados diversos reforços do capital estatutário e atribuídas dotações para cobertura de prejuízos. Estes recursos foram destinados a suprir as necessidades decorrentes do serviço da dívida histórica (amortizações, juros e outros encargos) e dos investimentos necessários para a continuidade e melhoria das operações da empresa”, explica-nos Sónia Rodrigues.

Dívida histórica da CP

Os dados mais recentes do Conselho das Finanças Públicas (CFP) dão conta de que a CP fechou o ano de 2021 com capitais próprios negativos de perto de dois mil milhões de euros, mais concretamente 1.937 milhões. “Está relacionada com a subcompensação pelo Estado do serviço público prestado pela CP. Isso significa que o valor recebido pela CP em forma de indemnizações compensatórias ou reforços de capital não foi suficiente para cobrir os défices de exploração e investimento, assim como os encargos financeiros relacionados à dívida. Esta situação resultou no acumular de uma dívida ao longo do tempo. Importa recordar que, em 2014, este valor era de 4,1 mil milhões de euros, o que demonstra uma redução significativa da dívida ao longo dos anos”, sublinha.

Mais Habitação: as medidas aos olhos dos especialistas

Simone Tulumello, investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, considera que estes diplomas são um ”tentar fechar a gaiola depois da besta ter fugido.” Acrescenta ainda que a “existência de um travão ao crescimento da renda dos novos contratos é muito importante do ponto de vista simbólico porque, depois de muitas décadas, se volta a pôr na mesa uma medida de controlo dos valores das rendas.” Recorda que há pelo menos uma década que tanto os movimentos sociais como a academia pediam este tipo de medidas. “É também muito importante porque estão a assumir que, afinal, é possível controlar”, começa por lembrar.

Não obstante, salienta que muitas das medidas teriam tido um impacto muito mais relevante há 5 ou 6 anos, altura em que foi criada a Secretaria de Estado da Habitação: “se nessa época tivessem sido aprovadas medidas como estas, poderiam ter tido um impacto significativo”. “O aspeto positivo é que finalmente mexem em muitas coisas ao mesmo tempo. Mas não é suficiente. O problema não é onde vão mexer, mas sim como vão mexer”, salienta.

O polémico arrendamento coercivo

O arrendamento coercivo, uma das medidas que mais controvérsia tem gerado, consiste no Estado, invocando interesse público, arrendar edifícios devolutos em troca do pagamento de uma renda ao proprietário. A classificação de devoluto cabe ao município e a consequência é o agravamento do IMI. Sempre que tal se verifique, o município deve comunicar ao proprietário para a respetiva
utilização. Em caso de recusa ou ausência de resposta do proprietário, o município pode proceder ao arrendamento forçado. Em Lisboa, existem 6.444, no país são 10.998. Casas de férias, casas de emigrantes e de pessoas deslocadas por razões profissionais, de saúde ou formativas não são consideradas devolutas para o efeito.

Em entrevista à SIC, António Costa diz que “não se trata de expropriar, de um esbulho, trata-se de pagar uma renda justa”, acrescentando que a medida “assenta em dois conceitos jurídicos que estão consolidados e são pacíficos: a de prédio devoluto, que está definido para efeitos de agravamento da cobrança do IMI desde 2006 (…) e a do arrendamento forçado”. “Estamos a dar um âmbito mais alargado a dois mecanismos que já existem. Não creio ser uma leitura abusiva”, esclarece o primeiro-ministro.

Opinião discordante tem o advogado Ricardo Maia Magalhães. À TejoMag explica que “comparar estas medidas com o arrendamento forçado atualmente presente na nossa legislação urbanística mais não passa do que um exercício de pura desonestidade intelectual, uma vez que o espírito e objetivo de tal instrumento jurídico, na perspetiva em que se encontra hoje legislado, apenas visa salvaguardar investimentos realizados pelos Municípios em favor dos particulares e que estes, por algum motivo, entendam não reembolsar”, começa por esclarecer.

Além disso, considera que se levantam “severas questões de constitucionalidade, quer de um ponto de vista do respeito pelo direito fundamental à propriedade privada, quer na própria ótica do princípio constitucional da igualdade. Por um lado, a circunstância do Estado passar a dispor do património privado dos cidadãos contra a sua vontade parece colidir com o seu direito fundamental a gozar dessa mesma propriedade, em moldes que certamente ultrapassam a componente social da propriedade privada”, prossegue.

“Por outro lado, o simples facto de determinadas medidas apenas serem aplicáveis aos imóveis situados nos grandes núcleos urbanos desagua numa inevitável discriminação dos respetivos proprietários face aos demais cidadãos que tenham optado por realizar os mesmos investimentos noutras zonas do país – sem que se possa argumentar em favor de qualquer motivo que justifique essa discrepância do ponto de vista do cidadão”, conclui.

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Ricardo Maia Magalhães é sócio responsável pelo Departamento de Contratação Pública e Autarquias Locais na PA Advogados. / Direitos reservados.

Benefícios fiscais

Foram anunciadas várias políticas fiscais destinadas a melhorar o mercado de arrendamento e de habitação. A primeira diz respeito ao desagravamento muito significativo para todos os que coloquem casas no arrendamento habitacional. Quanto maior for a duração do contrato, maior é a descida da taxa de IRS. Em contratos de até 5 anos, desce 28% para 25%; entre 5 e 10 anos desce dos 23% para os 15%; dos 14% para 10% entre 10 e 20 anos. Nos contratos superiores a 20 anos a taxa será de 5%, uma descida para metade. 

Além disso, os senhorios com casas com rendas antigas (até 1990), ficam isentos de IRS e IMI e vão ser compensados financeiramente. Para aqueles que destinam ou constroem imóveis para arrendamento acessível, em que havia isenção fiscal, estão agora também isentos de IMI. Aqueles que celebrem contratos de desenvolvimento habitacional diretamente com o Estado ficam ainda isentos de IMT, imposto de selo e IVA

“Medida para estabilizar e não baixar os valores”

Os novos contratos de arrendamento de imóveis que tenham estado no mercado nos últimos 5 anos ficam sujeitos a um teto máximo de aumento de 2% face à renda anterior. O programa prevê ainda a isenção de mais-valias na venda de imóveis com a condição de que o valor se destine ao pagamento do empréstimo da casa de habitação própria e permanente do proprietário ou dos seus descendentes. Está também prevista a isenção de IRS para mais-valias de vendas ao Estado e entre particulares em que o valor da venda seja reinvestido em imóveis destinados a habitação acessível.

Porém, Simone considera que chegam demasiado tarde. “Como as rendas já são demasiado altas, claramente incomportáveis para quem vive e trabalha em Portugal, já não servem. Em certa medida, esta é uma medida paradoxal. Isto porque quem, até agora, manteve as rendas relativamente mais baixas, é mais penalizado. Esta medida não vai ter o impacto que é preciso: baixar os valores das rendas”. É uma medida cujo propósito é “estabilizar o mercado” e não “baixar os valores”, alerta.

Combate à especulação

Uma outra medida que tem em vista o combate à especulação assenta na redução dos benefícios fiscais associados à revenda de imóveis para os pôr no mercado, e da renda justa, uma medida de curto prazo para limitar o aumento das rendas de novos contratos, salvaguardando os contactos que estão até ao limite do programa de apoio ao arrendamento.

Foi também decretado o fim dos vistos gold. Para António Costa, “nada justifica” a existência deste regime especial quando “89% desse investimento foi puramente imobiliário”. De acordo com o primeiro-ministro, das 11.758 autorizações de residências concedidas ao abrigo deste regime ao longo de 11 anos apenas 22 resultaram na criação de emprego. 

“Os vistos Gold, mesmo que não tivessem efeitos sobre a habitação, seriam uma porcaria”

O especialista em Habitação concorda e enaltece a medida. “Não é só uma questão da habitação. Os vistos Gold, mesmo que não tivessem efeitos sobre a habitação seriam uma porcaria. Estamos a falar de um regime privilegiado de obtenção de autorização de residência através da compra. É uma boa medida, mas duvido que tenha um grande impacto”, salienta.

Ainda assim, destaca ser difícil prever o real impacto. “Um dos problemas é que nunca tivemos dados sobre onde eram concedidos os vistos. A perceção é que tiveram um impacto bastante significativo sobre uma certa faixa do mercado. Teve um impacto muito grande especialmente nos primeiros anos, mas agora estava a abrandar”, acrescenta.

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Simone Tulumello defende que o controlo das rendas é uma das medidas que pode ter impacto efetivo na regulação do mercado da habitação.

Incentivo ao fim do Alojamento Local

Foi anunciada uma taxa extraordinária – Contribuição Especial do Alojamento Local – de 20% para apartamentos em municípios que não sejam de baixa densidade. Os titulares de alojamento local que decidam converter o AL em arrendamento estável até final de 2024, vão ter isenção de IRS até pelo menos 2030, explicou o primeiro-ministro. António Costa anunciou também a suspensão de novas licenças de AL até 31 de dezembro de 2030 para zonas de pressão urbanística. “O alojamento local tem tido um crescimento significativo”, justifica o primeiro-ministro, salientando que, neste momento, existem cerca de 110 mil habitações alocadas ao AL. “Só este ano, entre janeiro e fevereiro, mais 2.017 habitações foram alocadas a esta atividade económica”, conclui.

Para Simone, “o AL como fenómeno é uma das componentes da crise, sobretudo nas áreas centrais. Houve claramente uma substituição de dezenas de milhares de unidades habitacionais por unidades de AL”. Porém, alerta que é fundamental traçar uma diferenciação entre proprietários. 

“Não é uma classe unitária. O que aconteceu nos últimos 6/7 anos é uma progressiva concentração de propriedade. Inicialmente, eram sobretudo pequenas famílias que tinham uma ou duas casas, que conseguiram resistir à crise através do AL. Mas, atualmente, já é muito marginal. Agora, é completamente profissionalizado. Há um estudo recente que mostra como grande parte da habitação que foi reabilitada nos últimos anos são para o AL”. “Nada neste pacote de medidas distingue entre tipos de proprietários. Para uma empresa que compra um prédio para AL não deveria haver qualquer estímulo, deveria haver o fim destas unidades. Para além de casas retiradas do mercado, é uma competição desleal para com os hotéis”, lamenta.

A medida que ficou a faltar 

Para o investigador, há uma medida que deveria constar do pacote e que poderia, efetivamente, ter um impacto maior do que aquelas anunciadas. “Controlo de rendas“, aponta. “Acho que não há alternativa. Para mim a única política que pode ter um impacto a curto prazo. Pôr tectos aos valores das rendas”. Sublinha que esta seria uma medida que teria de ter em conta inúmeros fatores: considerar as diferentes localizações, as condições em que estão os apartamentos, se houve investimento ou não, entre outros. “Para voltar a garantir que o preço da habitação seja compatível com os rendimentos, não me parece que haja alternativa. Tudo o resto são formas de adiar o problema”, alerta.

Por fim, recorda que “Construir mais não resolve as questões de habitação. O mercado de habitação não funciona de acordo com aquele mito oferta e procura”.

Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

“A emergência da Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de criar efeitos disruptivos nos sistemas de emprego em todo o mundo. A futura implantação de algoritmos de largo espectro […] pode levar a mudanças consideráveis nos atuais padrões de trabalho, originar rapidamente muitos desempregados em todo o mundo e desestabilizar profundamente as relações laborais”, pode ler-se na descrição do projeto.

Começo por lhe perguntar o que é a Inteligência Artificial?

É o recurso a programação e algoritmos que permitem aos seres humanos obter informação mais facilmente sistematizada. Normalmente é aliada à tomada de decisão ou a processos de tomada de decisão. É o recurso a técnicas de computação para ajudar os seres humanos. 

Quais os objetivos desta investigação?

O Projeto InteliArt nasce de uma equipa multidisciplinar que encara os últimos desenvolvimentos na IA como podendo vir a ser problemáticos para o emprego, para o trabalho e para a organização em torno destes que existem nas sociedades, particularmente as mais industrializadas. É uma problemática que já há muitos anos estudamos, mas que agora se revela um bocadinho mais acutilante porque existe a aplicação de vários algoritmos considerados de largo espectro, isto é, que poderão ter efeitos em vários sistemas ao mesmo tempo que podem, de um momento para o outro, causar grandes danos nas estruturas económicas e de emprego. Este grupo tem vindo a trabalhar desde janeiro de 2021 e já ganhou vários prémios, como o Prémio Santander e do Ministério da Economia e do Mar em colaboração com a Google.

O projeto pretende analisar três setores em Portugal: o automóvel – porque tem impactos sobre muitas estruturas produtivas e muitas estruturas de trabalho nas sociedades mais industrializadas; o da banca e da logística. Nós temos trabalhado nestes últimos dois anos mais à volta do setor automóvel. Temos já vários artigos publicados sobre essa matéria que resumem um poucos os resultados que temos vindo a alcançar numa perspetiva de compreender qual é a capacidade que a IA tem de realmente ser aplicada às empresas portuguesas dado o elevado contraste na indústria automóvel entre empresas extremamente desenvolvidas e abertas ao mercado Internacional e empresas que simplesmente vivem para o mercado nacional. De facto, a aplicação da IA requer, do ponto de vista da gestão, que exista um conjunto de capacidades instaladas já na empresa, nomeadamente ao nível dos recursos humanos, para que se possa introduzir mais essa camada de tecnologia dentro das empresas. Nem todas as empresas estão capacitadas para receberem IA a sério. 

profnunoboavida_11 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

“Não é tanto um perigo de despedimento. Não seria por introdução de mais automação e IA que as pessoas perderiam o seu emprego, mas veriam o seu trabalho reafetado”

O primeiro passo foi perceber qual era a taxa de penetração que estes novos algoritmos podem ter na indústria portuguesa e nos serviços associados. Conseguimos perceber que há dois tipos de empresas diferentes: aquelas tecnologicamente mais avançadas que podem de facto receber algoritmos de apoio à produção ou de apoio à gestão. E aí pode haver mudanças nas estruturas do trabalho bastante significativas, embora no setor automóvel as alterações na estrutura do trabalho sejam mais ao nível da organização do trabalho e não tanto ligadas ao despedimento. Ou então à realocação de trabalhadores para outras atividades da mesma empresa. Não é tanto um perigo de despedimento. Não seria por introdução de mais automação e IA que as pessoas perderiam o seu emprego, mas veriam o seu trabalho reafetado. Por exemplo, na produção automóvel a aplicação de IA para a distribuição da cola nos vidros, deixou de ser o operador a pôr a cola e passou a ser um robô a aplicá-la, a analisá-la com IA. O operador passou para trás de um computador e só intervém em caso de défice ou de excesso de cola. Normalmente, são funções mais leves, mais de controlo ou de coordenação.

Está a ser dada formação adequada em Portugal?

Temos visto que as pessoas estão a sair formadas para mecatrónica automóvel, mas não lhes são dados conhecimentos de eletricidade que lhes permitam, por exemplo, agarrar a manutenção dos carros elétricos. Continuam com uma formação antiga para a manutenção de carros a diesel ou a gasolina, mas não saem com qualificações suficientes para poderem lidar com carros elétricos. Meter as mãos num carro elétrico, a pessoa habilita-se a morrer. Torna-se quase um imperativo formar as pessoas com o mínimo para que assegurem a sua segurança. Essa formação mecatrónica automóvel não está a ser dada e estamos preocupados com isso.

profnunoboavida_5 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados” 

“A Volkswagen queria instalar uma fábrica de baterias em Portugal, França ou Espanha e fugiu para Espanha. Passou completamente ao lado das autoridades portuguesas”

Por último, o projeto tem permitido também termos um contato mais aprofundado com as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores da indústria. Temos feito várias reuniões com sindicatos e comissões de trabalhadores das grandes empresas da indústria automóvel em Portugal para percebermos até que ponto é que estes representantes estão preparados para as transformações que vão ocorrer. Não só do carro elétrico, mas também da microeletrónica que é introduzida dentro dos carros, da preparação para o hidrogénio como alternativa aos carros elétricos. No fundo, a nossa preocupação é perceber qual é o nível de formação e qual é a capacidade que eles têm de também pressionarem as entidades portuguesas para captar investimento direto estrangeiro. 

A Volkswagen queria instalar uma fábrica de baterias em Portugal, França ou Espanha e fugiu para Espanha. Representaria em Portugal um brutal investimento, mas também uma capacidade de projetar a indústria e os serviços nacionais em torno de uma fábrica de baterias. Passou completamente ao lado das autoridades portuguesas. Não vamos conseguir dar o salto para a eletrificação do setor em Portugal.

Medidas para mitigar o impacto da IA no trabalho e emprego

Sabemos de estudos anteriores que existe alguma capacidade de introdução da IA no tecido económico português, mas esse será sempre nas empresas que são mais desenvolvidas ou que têm maior capacidade para se inovar e introduzir estes sistemas. Sabemos que os efeitos no emprego também têm muito que ver com a sensibilização de quem toma essas decisões para acautelar a introdução dessa tecnologia de várias formas. Primeiro, em diálogo com quem, de alguma forma, possa ajudar a pensar e mitigar os efeitos negativos que a IA pode causar. Como é o caso das comissões de trabalhadores e dos delegados sindicais. Por um lado, quem prepara a introdução da IA deve falar com quem vai trabalhar ou com quem representa as pessoas que vão trabalhar de forma a interiorizar essa nova organização do trabalho e ser produtivo. Caso contrário esbarram nos medos da tecnologia, na má vontade, na alienação. Na banca, assim como na logística, poderia ter-se ido muito mais além em termos de introdução de IA. Não se foi por razões de paz social. Se, por má vontade, se quisesse introduzir tudo o que se poderia introduzir, isto levaria a despedimentos, em particular, no setor dos serviços.

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Fala-se em despedimentos e promoções com base em algoritmos. Faz sentido?

Já existe, sejamos claros. Poderão não estar disseminados em todos os setores de atividade económica ou em todas as empresas, mas qualquer empresa de média ou grande dimensão já os tem [algoritmos] a funcionar. Outro lado da mesma moeda é que o recrutamento de novos empregados é feito com IA. A questão é, se no final, quem recebe uma lista de pessoas a despedir tem um juízo a fazer sobre elas, uma monitorização da decisão e capacidade de voltar atrás na decisão ou não. 

“Todos aqueles fatores de discriminação que já existem na sociedade podem ser amplificados com a inteligência artificial”

Quais são os principais riscos da inclusão da IA no trabalho e emprego?

Há vários riscos associados. Uma máquina não é um ser humano pensante com capacidade reflexiva e com capacidade crítica. Não há um ser humano, uma entidade com vida por trás da máquina. Os riscos são também gerados pelas pessoas que criam, mantêm e implementam estes sistemas. Por exemplo: a não informação aos trabalhadores que estão a ser avaliados por IA cria suspeitas, mau ambiente que depois são muito difíceis de contornar. Pode levar à exclusão (sistémica). No fundo, todos aqueles fatores de discriminação que já existem na sociedade podem ser amplificados com a IA. Um erro feito por um ser humano pode ser corrigido; um erro feito por IA muitas vezes é uma caixa negra sobre o qual não se consegue refletir porque não se sabe o que é que se passa lá dentro. Só quem a criou é que consegue explicar. 

O ChatGPT tem despertado enorme fascínio, mas também receios sobre a dissolução de certas profissões. Estamos assim tão perto de ser substituídos por ‘máquinas’?

Em tom de brincadeira, a profissão de jornalista é talvez a mais debatida (risos). Primeiro, do ponto de vista de quem analisa isto há alguns anos, do ponto de vista histórico, não há um salto revolucionário. Quando fizemos a nossa investigação do ChatGPT fizemos uma pergunta sobre a qual somos especialistas e o ChatGPT dá uma resposta que não faz sentido para um especialista. Na melhor das hipóteses, diz umas generalidades. Na pior das hipóteses, diz umas enormidades que não fazem sentido algum. Aparecer – hipoteticamente – um algoritmo de IA que nos vai permitir dar um salto na sociedade da informação, não é verdade. Há de facto alguns desenvolvimentos, em particular do ponto de vista da comunicação, mas não há capacidade de agregar e sistematizar informação. O que há é cada vez mais informação não validada na Internet. Não sou dos que alinha que já há uma revolução em marcha. Claro que pode haver algumas áreas onde isso aconteça. Para já, ainda não aconteceu. Tem havido uma transição natural para a nova economia. Há um adaptar das novas tecnologias, onde o saldo entre os postos de trabalho, que desaparecem, e os novos, que são criados, é igual ou perto de zero.

A inflação aos olhos dos pequenos comerciantes: “Não temos hipóteses de sobreviver”

A TejoMag veio até à pacata vila de Moscavide perceber o outro lado da moeda da inflação: o dos pequenos comerciantes. Por entre as ruas e ruelas, fomos falando com vários vendedores. Uns mais tímidos, outros sem qualquer problema em expressar as suas opiniões. Foi então que chegámos à fala com Farouq Suleman, um residente em Moscavide há já 42 anos e dono de uma mercearia na principal avenida da vila. Numa longa conversa, a escassez de clientes não passou despercebida. Nos mais de 45 minutos em que estivemos na loja, entraram três ou quatro pessoas no estabelecimento. Nenhuma gastou mais de 10 euros. 

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Farouq Suleman à porta da sua mercearia.

“Não temos ferramentas para combater isto”

“Os serviços aumentaram. As pessoas não passam sem água, luz, gás, telemóvel. Moral da história: o que fica é para a renda da casa ou para a prestação ao banco. Não há dinheiro que sobre. Ficam os mínimos para fazer compras para a alimentação”, aponta. Mostra-se resignado perante a falta de soluções. “O que é que nós podemos fazer contra isso? Nós, pequenos, não temos ferramentas para combater isto. Quem as tem são os grandes hipermercados, que oferecem isto e aquilo. O pequeno não tem hipóteses de sobreviver neste meio turbulento”. 

Num cenário já tão difícil, a solução passa por baixar as margens de lucro para não perder ainda mais clientes. “Não nos podemos dar ao luxo de perder um cliente. Se tivermos de vender ao preço anterior ou em vez de ganhar 5 ganhar 3, então ganhamos 3. Mas pelo menos ganhamos qualquer coisa”, desabafa. Uma das medidas adotadas para mitigar esta quebra de clientes foi a implementação de um serviço – muito usado nas grandes cadeias de super e hipermercados – de entrega ao domicílio. “Criou-se uma ligação quase familiar” com alguns dos clientes. Nesse sentido, já é prática comum levar as compras a casa das pessoas com mais dificuldades de locomoção.   

A loucura do azeite e óleo 

Nestes últimos meses, destaca a “loucura” que foi a subida do preço do azeite e do óleo, embora já “esteja a baixar”. Além destes, os farináceos também aumentaram consideravelmente. Lembra ainda que as pessoas costumavam comprar pequenos luxos, como um “bolinho para acompanhar o pequeno-almoço ou uns cereais mais caros”. Agora, é só o básico porque “sobeja pouco depois de pagar as contas obrigatórias”. Exemplo disso são os crescentes pedidos para “pagar depois”. “Gente que tinha um poder de compra razoável e que agora já nos pedem ‘ó vizinho venho pagar daqui a um bocado’ ou ‘venho pagar amanhã, não se importa?”, acrescenta Farouq. Explica-nos, sensibilizado, de que estes pedidos surgem na compra de produtos alimentares, como o arroz ou o leite. “Não pedem um detergente, um creme ou um perfume. Nada disso”, explana. “Antes levavam a embalagem de seis pacotes de leite. Agora levam um.”

E a fruta? 

Um pouco mais à frente, ainda na principal artéria da vila, chegámos à fala com Cláudio, dono da frutaria Paraíso da Fruta. Com mais de dez anos de existência, “sempre teve muitos clientes”. Mas nada caiu do céu. “Trabalhámos para isso”, sublinha o proprietário. Porém, também aqui a inflação deixou marcas que ainda são visíveis. “Janeiro e fevereiro foram dos piores meses que tive aqui face à pressão dos mercados e dos consumidores. Não podia aumentar os preços porque se aumentasse deixava de vender”, começa por nos explicar. Por se tratar de venda produtos frescos, a urgência em vender é maior. Se não forem vendidas, “são coisas que se estragam em dois ou três dias”. Destaca a couve-coração boi que passou dos “50 cêntimos para 1.70 ou dois euros”. O preço das hortaliças subiu em flecha e muita gente deixou de ter condições para continuar a comprar. “Quem foi comprando foram aquelas pessoas que vão às compras e nem reparam nos preços”, acredita.

moscavide2023_9 A inflação aos olhos dos pequenos comerciantes: “Não temos hipóteses de sobreviver” moscavide2023_7 A inflação aos olhos dos pequenos comerciantes: “Não temos hipóteses de sobreviver”

As bancas da frutaria “Paraíso da Fruta”.

Ainda que tente minimizar ao máximo os aumentos para os clientes, nem sempre é possível face à subida galopante do preço de vários produtos. “Custa-me ouvir as pessoas dizerem ‘não dá, as coisas estão muitos caras’. Só que lá está… diminuímos as margens mas as nossas despesas aumentaram. Ninguém faz contas a isso”, lamenta.

Bancas vazias espelham momento de contenção

Seguimos viagem até ao Mercado de Moscavide. Num espaço outrora repleto de vendedores e clientes, deparámo-nos com um cenário bem elucidativo do momento de contenção que se vive em Portugal. Inúmeras bancas vazias e o número de pessoas às compras contava-se pelos dedos de uma mão. Logo à entrada, conhecemos Carla Lopes. Na sua banca de fruta, vegetais e legumes, revela as dificuldades sofridas nos últimos meses e destaca que a subida vertiginosa do preço das hortaliças. “Foi um disparate. Uma vez cheguei ao mercado para comprar alfaces para o restaurante porque tinha encomendas. Tive de comprar uma caixa de alface a nove euros. Seis alfaces por nove euros”. Para se ter noção, esta mesma caixa de alfaces custava entre os dois e três euros há poucos meses. Um aumento para o triplo, no mínimo. Porém, salienta que nos últimos dias já viu mudanças significativas nos preços de vários vegetais. “Comprávamos os espinafres a 4 euros, agora estamos a comprar a um euro ou a 1.5 euros”. 

moscavide2023_13 A inflação aos olhos dos pequenos comerciantes: “Não temos hipóteses de sobreviver” moscavide2023_3 A inflação aos olhos dos pequenos comerciantes: “Não temos hipóteses de sobreviver”

Carla Lopes trabalha há vários anos no Mercado de Moscavide.

“Tento sempre fazer um preço mais baixo”

Tal como no caso da mercearia de Faroud, também Carla não subiu os preços proporcionalmente face aos aumentos dos fornecedores. Caso contrário, iria perder ainda mais clientes. “Não ganhávamos muito. Se comprávamos a 3 euros, vendíamos a 3.50 euros. O lucro diminuiu.” Além disso, os clientes leais também são recompensados, o que acaba por diminuir ainda mais esta margem de lucro. “Se tenho um cliente leal, tento sempre fazer um preço mais baixo”. As perdas foram na ordem dos 20% nos últimos meses. Tendo o janeiro sido “horrível”, confidencia-nos.

Um pouco mais à frente, estão situadas as bancas do peixe. Aproximámo-nos daquela que estava sem clientes e falámos com Emília Letra, que para além de uma vida dedicada ao peixe – inicialmente como pescadora, agora como vendedora –, adora cantar (o apelido é indicativo!). Neste caso, a quebra de faturação não se deve à subida do preço do peixe, mas sim ao menor poder de compra dos consumidores.

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João Vicente ajuda a sua mulher, Emília Letra, na peixaria.

“O Mercado não está apelativo”

“Os peixes frescos e de mar são sempre diários. A inflação aqui não funciona muito dessa forma”, começa por explicar. Depende da quantidade de peixe que é pescado. “Quando há mais peixe, o preço baixa”. Neste caso, a quebra de faturação não se deve à subida do preço do peixe. A culpa também é da inflação, mas desta feita indiretamente. Os consumidores têm menos dinheiro no bolso e têm de fazer escolhas de alimentação. O peixe fresco é preterido pelo congelado ou enlatado. Emília lamenta ainda as condições do Mercado. “Não está apelativo”, considera. As bancas desertas explicam-se pelos sacrifícios que poucos estão dispostos a fazer. “É um negócio que nem toda a gente quer. Ninguém quer esta vida. Para ir à lota é à 00h30. Temos de perder aqui uma noite. Fazer diretas sobre diretas. Já ninguém quer isso”, explica.

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Bancas vazias no Mercado de Moscavide.

As origens do Dia da Mulher

O Dia Internacional da Mulher celebra as conquistas sociais, económicas, culturais e políticas das mulheres. É também um apelo à ação para acelerar a igualdade de género. Coloquialmente chamado simplesmente de Dia da Mulher, celebra-se, desde 1917, no dia 8 de março, ainda que a semente tenha sido plantada anos antes, em 1908. Nesta data, 15 mil funcionárias da fábrica de têxteis Triangle Shirtwaist Company, em Nova Iorque, saíram à rua para exigir melhores condições laborais e igualdade de direitos, nomeadamente o direito ao voto. O horário de trabalho ascendia às 14 horas diárias e o pagamento não ultrapassava os 9 euros… por semana.

Clara Zetkin e Alexandra Kollontai

Um ano depois, em fevereiro de 1909, o Partido Socialista da América, inspirado nos eventos do ano anterior, declarou o primeiro Dia Nacional das Mulheres. A ideia de assinalar esta data anualmente e de forma internacional, surgiu em 1910 durante uma Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhaga. Clara Zetkin, ativista comunista e defensora dos direitos das mulheres e Alexandra Kollontai, líder revolucionária e teórica do marxismo, sugeriram seguir o exemplo norte-americano e dar-lhe um caráter universal. Numa plateia composta por 100 mulheres oriundas de 17 países, a proposta foi aprovada por unanimidade. 

Apesar de não ter sido definida nenhuma data, a primeira celebração oficial dá-se em 19 de março de 1911, na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça. Mais de um milhão de pessoas – homens e mulheres – exigiram o fim da discriminação laboral e o direito ao voto. Poucos dias depois, em 25 de março, deflagrou um incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist Company e provocou a morte de 146 operários: 125 mulheres e 21 homens. A maioria – imigrantes judias e menores de idade – morreram queimadas, outras atiraram-se em desespero do nono andar e não sobreviveram à queda. Esta tragédia trouxe à tona as más condições que as mulheres diariamente enfrentavam no próprio local de trabalho.

Reconhecimento oficial da ONU

A origem do célebre dia 8 de março remonta a uma greve ocorrida na Rússia, em 1917. Estávamos em plena Primeira Guerra Mundial. A manifestação – sob o slogan “Pão e Paz” – juntou 80 mil mulheres que protestaram contra a participação na guerra, as más condições de trabalho, a fome e o direito ao voto. Os protestos, embora tenham sido fortemente reprimidos, tiveram ações imediatas. O czar viu-se obrigado a abdicar do trono e o governo de transição acedeu e concedeu às mulheres o direito de votar.

Ainda assim, foi preciso esperar mais de 60 anos até que fosse implementado de forma universal. Foi em 1975 que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu oficialmente o Dia Internacional das Mulheres. Porém, só em 16 de dezembro de 1977 é que viria a ser oficialmente reconhecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com a Resolução 32/142.

Apesar de o roxo ser apontado como a cor representativa deste dia, também o branco e o verde fazem parte da palete de cores. “Roxo significa justiça e dignidade. Verde simboliza esperança. Branco representa pureza, embora seja um conceito controverso. As cores têm origem na União Social e Política das Mulheres (WSPU, na sigla em inglês) no Reino Unido em 1908”, pode ler-se no site oficial.

O tema de 2023

Para este ano, o tema é a equidade. Apesar de ser recorrentemente usada como sinónimo de igualdade, não o é. Igualdade significa que a cada indivíduo ou grupo de pessoas são dados os mesmos recursos e/ou oportunidades. A equidade reconhece que cada pessoa é diferente e que é necessário distribuir recursos e oportunidades – não de forma igual – para alcançar um resultado igual. 

Um exemplo elucidativo da diferença entre equidade e igualdade: três pessoas querem ver por cima de um muro com 170 cm. A primeira, fruto dos seus 180 cm, não precisa de qualquer auxílio. A segunda, com 155 cm, naturalmente vai precisar de uma caixa com pelo menos 20 cm. O terceiro elemento, fica-se pelos 145 cm e irá precisar de uma caixa de maiores dimensões para ficar ao nível dos outros dois. Neste caso, se ficássemos pela igualdade (de recursos), dois dos elementos não iriam conseguir ver por cima do muro. É caso para dizer que a equidade foi conseguida com desigualdade.

Neste mais de um século de luta, é inegável que houve mudanças profundas relativamente à igualdade e emancipação da mulher. Há mais mulheres em posições de topo, as diferenças salariais não são tão acentuadas e há maior igualdade nos direitos legislativos. Mas será que conquistaram, finalmente, uma verdadeira igualdade?

Na semana passada, um estudo da CGTP – a propósito da semana da igualdade –, concluiu que as mulheres portuguesas têm, em média, salários base 13% inferiores aos dos homens. Além disso, continuam a não estar presentes em número igual nos negócios ou na política. Na Assembleia da República, há 84 mulheres num universo de 230 deputados (36%). O número é mais sintomático quando a análise se estende a nível de autarquias. A nível de presidentes de câmara, num total de 308, só 29 (9%) são mulheres.