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A CP continua em greve: “sempre que haja negociação é possível um entendimento”

O Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) convocou uma greve que se estende por todo o mês de abril por culpa da “atitude autista e de desconsideração” da empresa. Além disso, até 30 de abril os sindicatos cumprem greve na IP e na CP a partir da oitava hora de serviço.

Por norma, as greves não são totais. No entanto, no passado 6 de abril, foi esse o caso. Quando tal acontece, o Tribunal Arbitral decreta serviços mínimos. Significa isto que, normalmente, apenas circulam cerca de 30% dos comboios previstos. 

À TejoMag, a responsável de comunicação da CP, Sónia Rodrigues, garante que a empresa sofre bastante com as greves. “Quando ocorre uma greve total em dia útil, a CP enfrenta perdas significativas. O impacto direto em termos de rendimentos do transporte de passageiros é estimado em cerca de 500 mil euros. Além disso, há perdas adicionais nos dias adjacentes à greve, devido a constrangimentos operacionais que podem afetar o funcionamento normal do serviço”, assume. 

Além disso, ressalva ser importante “considerar o impacto na notoriedade do serviço público e, em particular, na reputação da empresa, que pode estender-se por um período alargado após a greve.” Como tal, não tem dúvidas de que a imagem da CP é afetada pelas greves. “Greves frequentes e prolongadas resultam em interrupções no serviço de transporte, causando transtornos e insatisfação entre os passageiros. Isso leva a uma perceção negativa do serviço público (…) causando um impacto negativo na reputação da CP”.

As reivindicações dos trabalhadores

As principais reivindicações dos trabalhadores da CP e IP prendem-se com aumentos salariais. À TejoMag, o presidente do Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), Luís Bravo, explica que “a situação ocorre de um acumular de vários anos em que os trabalhadores têm vindo a perder muito poder de compra”. Acrescenta que “o maior golpe foi em 2022, ano em que a inflação média andou nos 7,8%, mas no que respeita aos produtos essenciais anda nos 20%”. Destaca que, no ano passado, os aumentos não chegaram a 1%. Para este ano era “expectável que os aumentos salariais fossem na ordem dos 7,8%.” Esta percentagem choca com a proposta apresentada pela administração da CP, que aponta para um aumento de 5,1%. Mas o problema é mais complexo. Isto porque necessita de vários pareceres positivos: do Ministério das Infraestruturas, que tutela as duas empresas, e do Ministério das Finanças, responsável pela parte financeira. No entanto, na CP surge outro problema: é que o aumento proposto já engloba aumentos devidos pela progressão de carreira. 

“O que o governo nos aplicou unilateralmente foi um aumento que não chega a 4%. Mais uma vez abaixo da inflação, que se situa acima dos 8%. A juntar à perda salarial dos tempos da Troika, temos ordenados congelados entre 2010 e 2018″. Com tudo a aumentar, Luís Bravo sublinha que estão “numa situação em que os trabalhadores andam a contar o dinheiro até ao final do mês”. Ainda assim, destaca que o SFRCI “tem pautado a sua ação sindical em situações de luta que não têm passado pela greve, tem participado em manifestações e concentrações em movimentos que procuram reabrir as negociações”. Como tal, lembra que o Sindicato só fez uma greve: em 10 de fevereiro. Lamenta a ausência de interesse do Governo nesta pasta. “Não temos ainda nada agendado, quer do sr. primeiro-ministro, quer das tutelas. Continuamos a aguardar uma reunião”. Ainda assim, mostra-se otimista num acordo. “Acredito que sempre que haja negociação é possível um entendimento. Esta é a nossa forma de estar”.

António Salvado, do Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviários (SINFA), lamenta que na greve de março, a tutela não tenha feito qualquer tentativa de desconvocar a paralisação e de negociar com os trabalhadores. “Nós fizemos uma greve de quatro dias no sentido de que alguém nos oiça”, começa por explicar. Considera ser “inacreditável” não haver qualquer” reação por parte dos ministros das Infraestruturas e das Finanças. Não se percebe como é que não há um pequeno esforço das tutelas para chegar a um acordo”, disse em declarações à agência Lusa. “Não estamos a anos-luz de um acordo. Queremos negociar. Pedimos audiências antes da greve e nada.”

“A principal reivindicação dos sindicatos, um aumento salarial, não depende diretamente da CP, o que pode complicar o processo de negociação”, alerta Sónia Rodrigues. Para o ministro das Infraestruturas, João Galamba, “a questão salarial é um desafio”, mas assegurou que o Governo, em particular as Finanças, está empenhado “em dar maior autonomia às empresas”. 

“A polícia não está a fazer o seu papel”

Mas não são apenas questões monetárias. Também a crescente insegurança é um motivo de grande preocupação. “O ambiente social nas grandes metrópoles, Lisboa e Porto, está a agravar-se”, começa por apontar. Recorda o episódio recente de extrema violência que teve lugar na praia de Carcavelos. “Todos aqueles grupos fazem-se deslocar para aquelas praias de comboio. Nós gostamos de dizer: ‘vem o verão, vem as férias escolares e vêm os problemas’. Aumenta a pequena criminalidade, o revisor vai ajudar e acaba agredido”, lamenta. “O número de trabalhadores agredidos tem aumentado de ano para ano sem que sejam tomadas medidas para minimizar estas situações.”, alerta.

Luís Bravo deixa ainda críticas à (não) atuação das autoridades. “A polícia não está a fazer o seu papel. Lamentamos que se gastem polícias a vigiar obras. Às vezes vemos dois e três. Aquilo que é a sua função nuclear que é a proteção pública não há. Dizem que não têm efetivos.” Uma das reivindicações passa exatamente pelo reforço de policiamento. “A CP, inclusive, paga gratificados em Lisboa, mas não deveria ser necessário porque são espaços onde se movimentam milhões de passageiros, milhões de cidadãos nacionais”.

Também a organização das escalas de serviço é um dos pontos em discussão. “Os operacionais podem trabalhar entre 6 e 9 horas. Dentro dessas horas, por vezes têm repouso fora da sede, em que ficam a dormir fora de casa e têm despesas suplementares com a alimentação. Temos um subsídio de alimentação de 8.32 euros. Não se come em lado nenhum com menos de 10 euros. De facto, é sempre a perder. Tudo isto acumulado, tem-nos levado a uma situação de maior conflitualidade na CP”, explica. Mas o dever com o cliente não é esquecido. “No dia a seguir a uma greve estamos ao lado dos clientes”, sublinha.

Para onde vai o dinheiro?

As injeções de capital na CP superam já os 3,8 mil milhões de euros desde 2016, incluindo os 1.815 milhões de euros previstos no Orçamento de Estado (OE) para 2023 e que aguardam luz verde de Bruxelas. No período entre 2016 e 2019, os reforços de capital ascenderam aos 1.800 milhões de euros. Ainda assim, sublinha o Observador, só metade resultou em entradas de dinheiro. Grande parte deste bolo serviu, essencialmente, para o pagamento de juros, amortizações e “outros custos”, acrescenta o mesmo órgão. Os restantes 900 milhões foram introduzidos através da conversão de créditos em capital social.

“Este valor foi aplicado principalmente em duas áreas. Primeiro, após a integração da CP no perímetro de consolidação do Orçamento de Estado em 2015, a empresa deixou de recorrer ao financiamento junto das instituições de crédito. As suas necessidades de financiamento passaram a ser colmatadas por empréstimos do Estado português, conforme estipulado na legislação em vigor para as Entidades Públicas Reclassificadas (EPR). Em segundo lugar, no período de 2015 a 2019, foram realizados diversos reforços do capital estatutário e atribuídas dotações para cobertura de prejuízos. Estes recursos foram destinados a suprir as necessidades decorrentes do serviço da dívida histórica (amortizações, juros e outros encargos) e dos investimentos necessários para a continuidade e melhoria das operações da empresa”, explica-nos Sónia Rodrigues.

Dívida histórica da CP

Os dados mais recentes do Conselho das Finanças Públicas (CFP) dão conta de que a CP fechou o ano de 2021 com capitais próprios negativos de perto de dois mil milhões de euros, mais concretamente 1.937 milhões. “Está relacionada com a subcompensação pelo Estado do serviço público prestado pela CP. Isso significa que o valor recebido pela CP em forma de indemnizações compensatórias ou reforços de capital não foi suficiente para cobrir os défices de exploração e investimento, assim como os encargos financeiros relacionados à dívida. Esta situação resultou no acumular de uma dívida ao longo do tempo. Importa recordar que, em 2014, este valor era de 4,1 mil milhões de euros, o que demonstra uma redução significativa da dívida ao longo dos anos”, sublinha.

Lançada petição para tornar capacete obrigatório na condução de trotinetas

Está a circular na Internet uma petição que quer levar à Assembleia da República o debate sobre a importância da utilização de capacete na condução de trotinetas elétricas em Portugal. O objetivo será mudar a legislação em vigor para tornar o capacete obrigatório para todos os utilizadores.

A Associação Novamente – a única no país que apoia doentes com traumatismos cranioencefálicos – está preocupada com o número crescente de acidentes durante a utilização destes equipamentos. Segundo dados do INEM, em 2021 foram registados 946 acidentes. No ano passado, o número disparou para 1.691. Representa uma média diária de 141 acidentes.

“Os traumatismos cranioencefálicos graves fazem com que tudo o que fazemos no dia a dia seja suspenso. No limite, a vítima pode ficar em coma. Pode ser preciso reaprender coisas básicas como ler, falar ou comer. O nosso cérebro faz uma espécie de ‘reset’ mas há sequelas que ficam para toda a vida”, esclarece à TejoMag Vera Bonvalot, diretora executiva da Associação Novamente.

Um a cada quatro acidentes com trotinetas pode resultar em traumatismos cranioencefálicos. A responsável da associação sem fins lucrativos criada por pais, médicos e amigos de traumatizados crânio-encefálicos explica que basta circular a velocidade superior a 20 km/hora para aumentar significativamente o risco de acidente que provoque sequelas graves no utilizador. “Só o capacete protege a cabeça. É urgente meter capacetes nas cabeças das pessoas. Estamos a falar de uma proteção essencial”, remata Vera Bonvalot.

micromobilidade2023+(5) Lançada petição para tornar capacete obrigatório na condução de trotinetas

Por enquanto a lei não prevê a obrigatoriedade de utilização de capacete de proteção.

Carlos Moedas reconhece que existem problemas associados às trotinetas: A quantidade de dispositivos em circulação, a velocidade a que andam e a forma como são estacionados na via pública. Em Paris, um referendo à população vai tornar as trotinetas proibidas.

O ponto mais importante da questão está na lei. De acordo com o Código da Estrada, as trotinetas, bem como os dispositivos de circulação com motor elétrico, quando equipados com motor com potência máxima contínua de 0,25 kW – e atingindo a velocidade máxima em patamar de 25 km/h – são equiparados a velocípedes sem motor. A lei não prevê a obrigatoriedade de utilização de capacete de proteção.

Mas há empresas operadoras deste tipo de dispositivos que já obrigam ao uso de capacete. Colocam-no, aliás, nos contratos celebrados com os utilizadores ou nas próprias trotinetas, visíveis para quem usa.

micromobilidade2023(14) Lançada petição para tornar capacete obrigatório na condução de trotinetas

O objetivo da Associação Novamente será atingir ou superar as 7.500 assinaturas para que a petição siga diretamente para discussão em hemiciclo no Parlamento.

Questionada sobre a presença de trotinetas na cidade, Vera Bonvalot responde: “Não somos contra as trotinetas nem as bicicletas. Pelo contrário, consideramos que são muito bem-vindas para substituir os automóveis nas ruas e estacionamentos das grandes cidades. Mas sem regras, não. Não é nossa missão fazer prevenção rodoviária, mas ajudar as pessoas e evitar que haja mais acidentes. Quem está lá fora não sabe, como nós, o quão grave pode ser uma simples queda”.

Foi por isso que a Associação Novamente lançou uma petição pública em site próprio para levar o tema dos capacetes ao Parlamento. Conta atualmente com cerca de 3.100 assinaturas. Há várias formas de submeter uma petição à Assembleia da República. Tem tudo a ver com o número de assinaturas recolhidas. Segundo o site do Parlamento, se uma petição recolher entre 2.500 e 7.500 assinaturas, o tema proposto será apreciado pela comissão parlamentar competente, em debate a ter lugar logo a seguir à apresentação do respetivo relatório final pelo Deputado ao qual foi distribuído. A partir das 7.500 assinaturas, a petição é apreciada diretamente em plenário da Assembleia, podendo depois ser transformada numa iniciativa legislativa.

O objetivo da Associação Novamente é chegar às 7.500 assinaturas. “Acreditamos que o debate sobre a utilização de capacetes vai trazer, por arrasto, outros temas importantes ao debate como a velocidade das trotinetas e as normas de utilização dos equipamentos na via. Em Espanha e na Austrália, por exemplo, as trotinetas já têm capacete incorporado. Itália também incentiva o uso de capacete.
Não é uma questão cultural”, conclui Vera Bonvalot.

Nem tudo o que brilha é ouro

Rajesh Kalra, homem de negócios, nasceu em Mumbai, Índia, há 56 anos. Chegou a Portugal em 1999 para mostrar a sua coleção de moda e aqui ficou. Lembra uma capital “em ruínas, como uma espécie de cidade fantasma”.  Agora Lisboa é “Fénix renascida das cinzas”, um local atraente para investidores e famílias do estrangeiro. Atualmente, para além do seu trabalho de intermediário no setor imobiliário, trabalha no turismo.

Há quanto tempo o Rajesh trabalha no ramo imobiliário aqui em Portugal?

Há cerca de oito anos.

Como agente imobiliário? 

Não. Eu sou um intermediário. Não tenho a licença como mediador imobiliário. Trabalho como freelancer. Trago clientes estrangeiros e coloco-os em contacto com os agentes imobiliários locais. Como intermediário, represento clientes do estrangeiro, enquanto que os agentes imobiliários, em Portugal, representam potenciais vendedores imobiliários.

Pode-nos explicar porque é que é necessário como intermediário e que tipo de clientes representa?

Tenho clientes empresariais que procuram comprar ou alugar apartamentos e escritórios, enquanto tentam mudar a sua empresa ou as suas sucursais para Portugal. Tenho clientes privados que ouviram falar muito do país e que foram atraídos pelo que ouviram nas redes sociais. Por isso, querem mudar-se para cá. Algumas pessoas estão dispostas a investir aqui, apenas por causa do próprio investimento dado que os preços dos imóveis em Portugal são neste momento muito mais baixos do que em França, Holanda, Bélgica, ou Alemanha.

Não é isso que os políticos dizem, eles dizem o oposto, que os preços estão demasiado altos.

Não, se tivermos em consideração que tipo de propriedades estão em causa. Bem, se tiver alguém que queira comprar um imóvel nos Champs-Elysées em Paris e lhes oferecemos um imóvel situado na Avenida da Liberdade, que para muitos portugueses representa o imóvel Top, há ainda uma grande diferença. Embora esse seja o melhor referencial em Lisboa, a diferença de preço é de pelo menos 40 por cento.

Existe mais pressão no mercado imobiliário nos últimos dois ou três anos, desde a pandemia da COVID-19?

Há um aumento da procura e um interesse geral no mercado imobiliário português. Inicialmente, este interesse foi gerado pelos esquemas de residência e nacionalidade de “vistos gold”. 

Tem muito trabalho proveniente de pedidos desses clientes?

Sim. Também trago clientes que estão a investir na autorização de residência [através de] “vistos gold”. 

Mas esses investidores são totalmente diferentes.

É um tema controverso em Portugal e o Governo acaba de anunciar que quer parar o programa. Pode explicar-nos mais sobre as motivações dos seus clientes de imóveis “vistos gold”?

Nos investimentos com “vistos gold” temos três tipos diferentes de investidores. Alguns não estão realmente muito interessados no visto de residência em si, estão interessados em investir na propriedade. Por isso dizem ok, vamos fazer isto, estamos a investir no visto de residência e conseguimos uma boa propriedade. 

Para viverem lá posteriormente? 

Não, mas para as remodelar e revender, ou talvez, arrendar. Atualmente, ao abrigo do esquema de “vistos gold”, não se pode vender o imóvel durante cinco anos. Existem também outro tipo de investidores que investem na obtenção de “vistos gold” porque o seu interesse principal é obter a residência portuguesa e um Passaporte para a União Europeia e terem flexibilidade. 

E estas pessoas estão prontas a pagar qualquer tipo de quantia por uma propriedade?

De certa forma, sim. Se o principal objectivo é obter um passaporte português, não se importam se o imóvel custa 150.000, 200.000 ou 250.000 euros. É um negócio, onde os construtores ganham muito dinheiro com as propriedades. 

Porquê?

Porque o imóvel que vendem pelo valor de 280.000 euros para um candidato ao “visto gold”, sem o programa provavelmente não seria vendido a esse preço.

Se o Governo parar agora com o regime de “vistos gold”, poderá, na sua opinião, levar a uma queda automática dos preços dos apartamentos?

Não. 

Então, pensa que esta não é a solução correta para reduzir os preços de venda?

Os preços podem não descer realmente. Se o Governo português parar os “vistos gold” para fins residenciais e só ficarmos com os vistos D7, o que vai acontecer é que a atividade de construção vai sofrer, que foi alimentada pelo dinheiro que entrava de fora do país através de “vistos gold”. De futuro, as pessoas irão valorizar em detalhe cada compra, dependendo do valor de mercado. Se uma família, por exemplo, solicita um “visto gold” que lhe dá direitos de entrada na Europa, não se importa de pagar 50.000 euros a mais do que o preço real de mercado.

Está previsto que os investidores com “vistos gold” tenham de alugar o imóvel durante cinco anos ou assumi-lo como residência fiscal principal.

Sim. Antes, eles compravam uma propriedade, renovavam-na e alugavam-na como queriam. E como investidores, era suposto viverem em Portugal apenas durante um mínimo de 14 dias por ano de calendário. Se as novas regras os obrigarem a ficar, então o perfil dos investidores mudará drasticamente. 

Para que tipo de perfil?

Difícil de dizer. Se o programa de “vistos gold” for completamente cancelado e as pessoas não conseguirem, após algum tempo, com o seu investimento, a nacionalidade portuguesa, se isso for retirado da equação, então apenas as pessoas que tiverem obtido dinheiro suficiente e quiserem investir em imóveis, irão comprar. Não para obter qualquer lucro, mas sim para cobrir o montante do seu investimento contra a inflação. Porque os bens imobiliários portugueses dar-lhes-ão um retorno de cerca de 5, 6 ou 7%. Essa é atualmente a taxa de inflação. Portanto, o perfil irá mudar drasticamente.

Segundo os dados do Confidencial Imobiliário, em Lisboa foram compradas, em 2022, 1.655 casas por proprietários de 78 nacionalidades – um investimento de 894,3 milhões de euros. Existe uma antecipação de procura por causa devido à ameaça do fim dos “vistos gold”?

Muitas pessoas da Ásia Oriental e dos EUA estão a chegar neste momento. Originalmente, muitos estavam a pensar no programa de “vistos gold”. Se acabar de facto, terão de calcular o seu investimento em termos económicos básicos. Se o investimento faz sentido economicamente para eles ou não. Irá o investimento gerar rendimentos suficientes para, pelo menos, compensar a inflação atual.

Então o fim dos “vistos gold” não traz alívio para a crise habitacional?

Não, continuará a existir. A chamada crise habitacional não é nova em Portugal, de alguma forma. 

Que papel tem a guerra na Ucrânia que começou em fevereiro de 2022?

O problema não é bem esse. Em geral as propriedades em Lisboa estão a tornar-se cada vez mais caras. Embora os salários não estejam a aumentar. Portanto, a crise de habitação e os custos de vida não se devem diretamente ao programa de “vistos gold”. Simplesmente não existem propriedades suficientes no mercado. Falta construção nova. 

Isso era diferente quando se mudou para Portugal em 2001?

Sim. Eu vim para Portugal há 22 anos. De certa forma, esta situação esteve sempre presente. Nessa altura, as famílias ainda podiam facilmente alugar um apartamento juntas. Agora, até mesmo três famílias, com esforços conjuntos, têm dificuldades em arrendar. Mas havia mais construção para habitação. 

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“As políticas da habitação não tem tido o foco no arrendamento acessível” segundo Rajesh Kalra

 

O novo programa diz que as famílias necessitadas, que têm de desembolsar mais de 35% dos seus rendimentos para o aluguer, receberão até 200 euros mensais como apoio. O que pensa sobre esta medida? 

Muito bem, vamos fazer um cálculo real. Hoje em dia. O salário mínimo é de 760 euros após os descontos para a Segurança Social, o trabalhador tem cerca de 600 euros. Qualquer pessoa tem de gastar pelo menos 300 euros em serviços, transporte e outros, 100 euros, pelo menos, para alimentação por mês. Portanto, o valor restante é de 200 euros. Em toda a área metropolitana de Lisboa, não se pode alugar um quarto por 200 euros. Tem de se pagar pelo menos 350 a 400 euros.

Então o novo programa “Mais Habitação” é inútil?

Parece-me ser mais uma cirurgia cosmética. O número de casas disponíveis para arrendamento não aumentou drasticamente, pelo contrário. Mas o número de pessoas à procura de casas para alugar aumentou, como as estatísticas mostram claramente nos últimos anos. Com o programa Erasmus, temos cada vez mais estudantes a entrar. Depois temos a comunidade de trabalhadores à distância – os nómadas digitais. O Governo e todo o ecossistema português, está a promover Portugal como um óptimo lugar para vir trabalhar remotamente. 

O lançamento da Web Summit em Lisboa teve algum efeito sobre isso?

Claro. Muitas empresas de tecnologia e startups estão agora também sediadas em Lisboa. As empresas de tecnologia estão a abrir escritórios e a contratar localmente ou a trazer pessoas do estrangeiro. Precisam também de alojamento. A questão é que estas três classes de pessoas têm muito mais poder financeiro do que um trabalhador português médio. Mesmo alguns dos estudantes Erasmus. Assim, a oferta de renda a preços baixos é procurada igualmente por estrangeiros. Muitos apartamentos foram divididos em vários quartos. Os proprietários obtêm muito mais rendimento alugando quartos – os tais “serviced-rooms” – por 500, 600 euros a, por exemplo, empreendedores da área de tecnologia. 

Então, existe uma espécie de discriminação ao contrário dos habitantes locais no arrendamento?

Claro. Pela minha experiência, os proprietários preferem alugar casas a estrangeiros, e não a portugueses ou migrantes. 

Fale-nos mais do seu trabalho: Como é que em concreto ajuda os requerentes de vistos D7? Quem são os candidatos típicos?

Tipicamente são pessoas que estão a obter um bom rendimento passivo de empresas, como acionistas, por exemplo, reformados ou como trabalhadores à distância. Uma condição do pedido de visto D7 é que, à parte da prova de rendimentos mensais suficientes, os candidatos têm de juntar ao seu pedido, no consulado ou no SEF, um contrato de arrendamento de 12 meses. Esta habitação que seria alugada localmente, digamos, por até 1.000 euros, é então alugada a preços mais elevados. 

Parece ser um bom negócio para os proprietários, mas é também para o Estado português com o imposto de 28% atual sobre rendimentos de aluguer de habitação?

Sim. O SEF tem uma enorme quantidade de processos por examinar e, o processo de candidatura ao visto de residência de longa duração pode demorar de seis até oito meses. Assim, o apartamento está desocupado e bloqueado, por assim dizer, durante esse período, o que tem um impacto negativo sobre as rendas disponíveis para os habitantes locais. 

Qual é a solução? 

Se o Governo quiser aumentar o número de ofertas de arrendamento, tem de melhorar as condições da obtenção do visto. O melhor seria cancelar a obrigatoriedade de um contrato de arrendamento de 12 meses para solicitar um visto de longa duração. Talvez, encurtá-lo para seis meses. 

Será esta uma nova regra para cumprir com os regulamentos da UE de Schengen?

Não, de modo algum. E a burocracia. Não faz sentido apresentar um contrato de aluguer de 12 meses com a candidatura e, a própria candidatura leva quatro meses. Portanto, basicamente o Governo português tem de reduzir a burocracia a um nível básico. Perceber quais são os verdadeiros problemas e depois conceber esquemas dos quais todos possam beneficiar. 

Qual é o papel do SEF neste processo? 

O SEF é lento, tem centenas e centenas de pedidos de vistos D7 de pessoas que não estão em Portugal. Atualmente, só eu, tenho seis clientes à espera de uma marcação no SEF, que estão no Dubai, Qatar, Kuwait e Índia. Frequentemente pagam adiantado durante vários meses as rendas porque não têm um fiador. Quando introduziram este visto D7 em 2017, criaram uma situação muito confortável, em particular para proprietários com uma vasta quantidade de propriedades. Eles têm a certeza de que os inquilinos não entram em incumprimento do aluguer por causa do pedido de visto pendente. 

Acha que a medida anunciada pelo Governo de recorrer a casas devolutas de privados vai ajudar na meta de ter mais arrendamento acessível? 

Nenhum proprietário vai aceitar entregar uma propriedade sem uma compensação justa. A administração pública terá de pagar o preço de mercado. Neste momento o preço de mercado para a reconstrução ronda os 2.000 euros por m2. Vai haver muito litígio nos tribunais.

E a opção de vender ao Estado o imóvel e ficar isento do pagamento das mais-valias?

Mesmo assim. A um preço justo, talvez. Existe sempre um custo de aquisição, que será de pelo menos 2.000 euros por m2. O Estado não pode alugar um T2 por menos de 15 a 20 euros se quiser cobrir os custos por m2. 

Não é essa a ideia. O pacote completo tem um orçamento de 900 milhões de euros  O Governo quer ter mais “Arrendamento Acessível”. Agora o preço médio de aluguer em Lisboa, segundo os últimos dados do INE, é de 14 euros por m2. Não acha 15 a 20 euros por m2 um pouco especulativo? 

Só sei que se um Governo quer implementar esquemas sociais, necessita, para isso, capital. Alguém tem de ganhar dinheiro e, sim, existe uma especulação imobiliária há muito tempo. 

Neste cenário de uma inflação elevada, altos preços de arrendamento e salários sem crescimento, existem vozes vindas de políticos populistas de direita que defendem que todos estes problemas derivam da imigração. Pensa que iremos ter mais confrontos diretos entre as faixas sociais do país?

O confronto acontece apenas durante a estação turística, mais no Verão. Penso que precisamos de mais migrantes aqui. 

Ricos ou pobres?

Ambos. Só neste ano, Portugal vai precisar de pelo menos mais 120.000 trabalhadores adicionais para manter o país a funcionar. Muitos académicos portugueses, assim que se formam, vão para o estrangeiro. O número de reformados está a crescer todos os anos. O número de recém-nascidos está a diminuir todos os anos. Se não houver uma população jovem a pagar impostos, como irá o Governo português pagar as pensões? Amanhã, se todos os imigrantes decidirem, vamos deixar Portugal, o país vai chegar a um impasse e ir à falência.

Há também vozes que ligam a crise habitacional a um aumento da criminalidade. Os seus clientes vêm para Portugal porque sentem-se aqui mais seguros? Portugal está atualmente classificado no 6º lugar do “Índice de Paz Global“?

É o país mais seguro do mundo, porque não há nada para roubar. Só sei que os migrantes que vêm para Portugal não optam pela criminalidade. Para eles é o último recurso. Certamente não querem ser apanhados e enviados para os países de origem. Querem construir uma vida cá.

Estes migrantes não estão a ser explorados, igualmente na habitação?

A exploração está em todo o lado. Quando os portugueses emigraram para França durante Salazar, também foram explorados. Mais tarde, as pessoas irão lutar pela igualdade e pelos seus direitos. 

Considera isso certo?

Quando os europeus, americanos, australianos ou as pessoas do Reino Unido emigram, são titulados de “expats”, ou seja expatriados. Quando pessoas emigram da Ásia do Sul ou de África são chamados de imigrantes. Mesmo as pessoas que vêm da Ásia para investir são consideradas imigrantes económicos. As leis são feitas em conformidade. Existe uma certa xenofobia.

Voltemos ao nosso tema habitação. Acha que a lei vai ser aprovada pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa?

Penso que haverá um conflito e, se as regras forem aprovadas, terá um efeito em cadeia sobre a indústria da construção, com muitas empresas a falirem.

Porquê? As leis não têm impacto nos projectos de novas edificações e no sector da construção ?

Não diretamente. Mas várias dessas empresas de construção têm vindo a construir para vender a investidores com “vistos gold”. Algumas destas empresas terão de amortizar empréstimos dentro de cinco anos. Muitos investidores que investiram hoje 230.000 euros, digamos, esperavam ganhar em cinco anos 280.000 euros. 

A nova lei diz que os investidores têm de alugar por cinco anos. Isto não é uma solução?

Não existe um cash-flow suficiente. Digamos que uma empresa que investiu na construção de um projecto de habitação, 30 milhões de euros, para vender principalmente apartamentos em “vistos gold”, com parte dessas vendas, investiram em outros projectos de construção. Se isto parar agora, de repente, pode causar um efeito de cascata, com vendas mais lentas, e a situação dos financiamentos vencerem antes. Muitas empresas de construção, que estavam a apostar na continuação dos “vistos gold”, irão à falência.

Portanto, um efeito dominó que poderá baixar os preços de venda?

Sim, para cumprir os seus compromissos, alguns construtores poderão ter de vender esses imóveis com desconto. 

Alugar os apartamentos de “vistos gold” não é uma opção?

Não, porque a maioria dos investidores que compram com “visto gold” não querem alugar e, na minha opinião, o Governo não pode forçar os compradores a alugar em geral. Imagine, pagou 500.000 euros por um imóvel: Quão elevado deve ser o aluguer para que eu obtenha um retorno de investimento de pelo menos 4%? 

Também trabalhou durante algum tempo na gestão de alojamento local de vários imóveis em Lisboa? Qual é a situação atual nesse ramo?

Está óptimo, com os preços a subir para as estadias em AL. Eles devem estar satisfeitos. 

Contudo houve um grande protesto contra a nova lei, que prevê rever as licenças em 2030 e o fecho a novas licenças em cidades com pressão demográfica. Compreende porquê?

Não, na verdade não, em 2030, ou seja, daqui a sete anos tenho dúvidas se este Governo ainda está no poder.

Para além do seu negócio imobiliário, o que espera no turismo?

Eu faço principalmente excursões com estrangeiros. Tours entre cidade, turismo vinícola, turismo rural, turismo de surf, turismo urbano, turismo nocturno.

Espera mais turistas este ano?

Sim, porque Portugal é ainda o destino turístico mais barato da Europa Ocidental. 

 

Autora: Cristina Costa

Gentrificação sem mais valia

Dora Correia é administrativa de primeira, mãe de dois filhos e mora na “outra banda”, no concelho de Almada. Veio a Lisboa à manifestação pela habitação “Casa para Viver”.

Existe uma crise de habitação na vossa freguesia do Laranjeiro e Feijó?

Ah sim, existe.

Para todos ou mais para as famílias?

Eu tenho dois filhos na idade escolar. Existe uma crise de habitação também na nossa freguesia.

Mesmo sendo uma grande parte dos imóveis de cariz social público?

Sim, não se espera à primeira vista na nossa zona. Contudo as dificuldades de arrendamento a preços acessíveis são muitas. Uma grande parte são de fato apartamentos com apoios sociais, mas existem igualmente apartamentos de aluguer privado.

Existe um novo fluxo crescente de arrendatários no Laranjeiro?

Sim, existem muitas pessoas que foram para lá morar nos anos passados. Os proprietários viram-se obrigados a aumentar as rendas por terem dificuldades em manter os imóveis.

A Dora foi pressionada a sair do seu apartamento?

Eu morava com os meus filhos num T3 e fui pressionada a sair porque a renda mensal ia ser aumentada para 700 Euros.

doracorreia2023 Gentrificação sem mais valia

Dora Correia e Sandra Ribeiro acudiram juntas à manifestação pelo direito à habitação.

Qual era o valor anterior?

Era de 300 Euros.

Um aumento desses durante a duração de um contrato de aluguer é legal?

O arrendamento passou do pai para o filho e, este, achou que devia aumentar a renda para esse valor de 700 Euros, como tinha já pessoas interessadas em arrendar o T3 por esse valor. Esse valor é comum nas freguesias à volta do Laranjeiro em Almada e, como há falta de casas, fui exposta a esta situação. Quem não pode, que se vá embora…

Como conseguiu resolver a situação?

Tive que procurar ajuda familiar, que me disponibilizou a casa de uma avó. Tinha falecido e estava vazia.

E alugou essa casa?

Sim. Estou a fazer obras e a viver com os meus filhos porque a casa estava em um estado deteriorado. Mas ao menos ainda estou a viver no Laranjeiro.

Então as medidas do pacote “Mais Habitação” do governo fazem sentido para si ?

As medidas para mim vêm bastante atrasadas. Até conseguir resolver a situação tive que me manter um mês a pagar uma renda elevada e pedir ajuda com o meu salário de administrativa na área de construção.

Qual é o valor do seu salário atual ?

É o salário mínimo nacional de 760 Euros.

manifestacaohabitacao2023_66 Gentrificação sem mais valia

Protesto multifacetado por mau investimento público: Em 2022, cidadãos de 78 nacionalidades compraram casa em Lisboa. Custou 895 milhões de Euros. A cidade do Porto e Lisboa juntos, 2016 29 milhões de Euros

Qual é, nesta situação, a sua opinião sobre a medida que visa apoiar as pessoas que tenham uma taxa de esforço com o arrendamento superior a 35% do seu salário até ao valor de 200 Euros por mês ? 

Vai ajudar muito pouco. O governo propôs para famílias monoparentais valores mais baixos. Iria receber 30 Euros mensais.

Sendo assim existe uma certa exclusão dos pais separados

Sim. Tem de se trabalhar na mesma. Os meus filhos já vão e regressam sozinhos da escola. O importante é que almoçam na escola, o que é uma ajuda. Para além do apoio familiar que recebo. Bem, entre todos conseguimos sobreviver, mas passamos por dificuldades.

Qual é a sua opinião sobre o pacote de leis?

A lei para mim não passa de cosmética. Aquilo que nos estão a prometer ajudar não é o suficiente para o que está a fazer falta na realidade às famílias.

Porquê?

Os aumentos. O nosso salário é absorvido pela atual inflação. E o aumento dos combustíveis, o aumento dos produtos alimentares. A baixa do IVA para zero em alimentos essenciais é publicidade enganosa, porque se compararmos os preços da semana anterior, agora, após o anúncio do IVA a zero, alguns estabelecimentos até já aumentaram os preços.

Por que motivo veio à manifestação hoje? Qual é a sua esperança?

A de marcar presença. Eu pessoalmente penso que existe uma tendência para a situação económica ainda piorar. Vai haver muitas pessoas desalojadas, a viver na rua. Quem não tenha apoio familiar pode ter muitas dificuldades. Estamos a voltar ao cenário da crise que vivemos em Portugal em 2003/2004.

Ou seja, uma profunda recessão económica ?

Sim. Ainda mais grave provavelmente. Na altura os salários estavam igualmente demasiado baixos, mas não vivíamos uma situação de inflação como estamos a viver agora. Havia cortes nos subsídios de férias e de natal, mas não existiam aumentos substanciais nos preços.

Os aumentos de salários são poucos ?

Sim, aumentaram-nos o salário 30 Euros, o que não acompanha os aumentos de preços. Em resumo, não temos poder de compra. Eu tenho felizmente uma casa, mas não tenho ordenado para pagar essa inflação que estamos a viver.

Qual é a sua situação de arrendamento de momento?

Nestes seis meses a renda já aumentou 80 Euros, o que é relativo a uma casa comprada a cerca de 20 anos. O que me preocupa é toda essa inflação dos últimos meses.

manifestacaohabitacao2023 Gentrificação sem mais valia

Ao ritmo dos tambores: Preços médios de arrendamento em Lisboa lideram aumentos na Europa com mais 5,4 % face ao último trimestre segundo os da plataforma imobiliaria Casasafari.

O que é que diz aos seus filhos que estão neste momento a tocar tambores na marcha da manifestação?

Temos que economizar onde pudermos. Mesmo no essencial tem de se fazer contas. Já não há espaço para extravagâncias ocasionais, como fazíamos, uma vez por mês. Estou a tentar mentalizar-me de que isto não vai melhorar dentro em breve.  Neste momento o que me ajuda é a alimentação escolar, que não é má e ajuda a poupar nas refeições.

Que idade tem a sua filha?

Tem 14 anos. Ela está a começar a compreender que temos por vezes de recorrer a certas ajudas. Comer em casa fica mais caro do que comer na escola. Temos de aproveitar os benefícios sociais que existem para famílias monoparentais.

Qual foi a origem da pressão no mercado de arrendamento no Laranjeiro?

Não tem a ver com o alojamento local, que existe mas não tem efeito. Vieram morar muitas famílias brasileiras na nossa zona porque ficamos perto das praias. Para eles a situação é mais facilitadora porque conseguem morar em casas sobrelotadas. Existem situações com dez pessoas em um T3. Se dividir 700 Euros por dez pessoas, já dá para pagar a renda.

Conhece situações dessas?

Sim. Chegam a estar pai, mãe e três filhos em um quarto. Eles são mais flexíveis. Para mim, isso não seria situação. Os senhorios aproveitam-se disso e aumentam as rendas.

Ou seja, então a crise da habitação está ligada à migração?

Daqui a quatro ou cinco anos os senhorios vão ter que reparar as casas porque assim sobrelotadas degradam mais. Contudo o ganho vai compensar esses custos.

Os últimos dados do INE apontam para um decréscimo de contratos de arrendamento, qual a razão que pensa estar na origem?

Muitos alugueres são ilegais. Feitos sem contratos. E os migrantes passam também por dificuldades. Em resumo, o projeto de lei é, para mim, publicidade enganosa.

O que diz em relação aos incentivos fiscais do novo programa?

Não me parece que muitos senhorios vão aderir a isso e vender ou arrendar a casa ao estado.

Por exemplo: eu tenho duas casas e vendo uma ao município e não pago então as mais-valias desta venda. Contudo, isso não significa que irei investir esse ganho em outra compra ou construção de um outro imóvel. Existe essa incerteza. Acho que, em geral, muitas das medidas anunciadas [são] pouco esclarecedoras.

Em que sentido?

Para mim parece-me publicidade enganosa de um governo sem grandes soluções de momento. Por isso é que estamos aqui hoje para manifestar o nosso descontentamento. Existe muita burocracia e pouca clarividência como as coisas vão melhorar.

fabiolaxavier2023 Gentrificação sem mais valia

Fabíola com o seu filho Lucas de 9 anos, a sua filha Júlia de 4 e o seu pai Fernando de 67 anos.

Fabíola Xavier tem 43 anos, é enfermeira, está casada e tem dois filhos. Atualmente mora na Amadora.

Teve que sair de Lisboa por causa do aumento dos preços de arrendamento, pode-nos contar o que aconteceu? 

Morávamos em Campo de Ourique. Pagávamos 650,60 Euros  A nossa senhoria era impecável e, continua a ser impecável. Tivemos sempre uma boa relação. Disse-nos na altura que os valores da renda estavam incomportáveis tendo em conta os preços do mercado e, que queria subir a renda. Pelas contas que ela fez, baseadas nos anos que lá estivemos e nas subidas mensais, o valor iria para 1.050 Euros.

Isso foi em que altura?

Foi em 2021.

Morava em que tipo de apartamento e com quem?

Com os meus dois filhos e o meu marido, visto ser casada, num T2.

Foi uma situação complicada, pensou em sair logo? 

Sim. Contudo conseguimos chegar a um acordo com ela. Passámos a pagar 850 Euros e comprometemo-nos a sair da casa no prazo de um ano. Entretanto comprámos uma casa na Amadora. Daí eu ainda me sentir uma privilegiada nesta situação da crise da habitação, visto ter tido uma alternativa de saída e não ter de ir morar para casas de família.

Que tamanho tinha o T2 em Campo de Ourique?

Não chegava a 60 metros quadrados.

Então, antes do aumento para 1.050 Euros, já pagavam o valor médio de 14 Euros por metro quadrado em 2021, que agora foi comunicado como valor médio de novos arrendamentos em Lisboa para o 4º trimestre de 2022 na cidade de Lisboa?

Sim, de certa forma. Contudo, durante sete anos paguei uma renda de 650 Euros mensais.

O aumento para 850 Euros, um aumento a rondar os 30%, ocorreu em 2021?

Sim. Exato. Mas de acordo com o mercado, o aumento estava adequado. Isso passou a ser incomportável para nós.

Sentem-se empurrados para a periferia de Lisboa como família?

Sim. Tivemos que mudar. De certo modo é a nova gentrificação e somos um exemplo disso.

Na vossa opinião o pacote “Mais Habitação” do governo vai resolver essas questões no futuro?

Não vai resolver nada. Mesmo que de alguma forma possa vir a ajudar a uma pequena fatia de famílias com os tais 50 Euros que serão atribuídos.

O valor de apoio a renda pode ir até aos 200 Euros mensais 

Sim. Contudo penso que esse valor irá ser só atribuído a uma fatia mínima de pessoas.  A medida só terá repercussões daqui a dois ou três anos, tendo em conta que a legislação em relação às casas devolutas prevê que têm de estar nesse estado durante dois anos, o governo tem de ir saber quem são os proprietários. Os proprietários terão de ser contactados.

Ou seja, na sua opinião a lei cria burocracia e é lenta em causar um efeito positivo na habitação acessível para famílias?

Sim. Igualmente, a possibilidade de incentivos fiscais ao alojamento local que passe a ser arrendamento de longa duração, vai tardar a ter efeitos. Existem muitas famílias que não têm casa agora.

Quanto tempo é que a sua família morou em Campo de Ourique?

Desde 1996, ou seja, no total, 8 anos.

E teve de ir temporariamente para a casa do seu pai na Amadora?

Não. Eu e o meu marido éramos da Amadora, mas quando nos juntamos, primeiro, fomos morar em Benfica, e depois, fomos para Campo de Ourique.

Que medidas é que ajudariam, na sua opinião, as famílias? Qual é a solução para a habitação?

Honestamente não sei. A situação está complicada para o governo.

Então têm feito sucessivamente o que podem?

Não. Existem, pelo menos em Lisboa, cerca de 6.000 apartamentos usados que são património público. Não sei em que condições estão, mas penso que parte deles podem ir muito bem para o arrendamento.

Os números de construção nova em Lisboa e em Portugal, em geral, têm diminuído na última década – segundo os dados do INE o número de imóveis licenciados em construções novas em Portugal tem diminuído de forma muito acentuada a partir de 2011 e, só começou de novo a recuperar a partir de 2017. De 1995 até 2004 foram licenciados quase um milhão de novos imóveis. Os números dos últimos dez anos apontam para um valor por volta das 150 mil construções novas.  

Sem oferta, os preços sobem automaticamente.  A solução passa por mais construção nova na área metropolitana de Lisboa?

Eu acho que construir mais não é a solução devido a existirem muitos prédios por reconstruir. Acho que, uma política focada na construção nova só ajuda o lóbi das empresas da construção em Portugal.

Então como conseguir rendas acessíveis à situação económica das famílias ?

A solução passa por aumentar a oferta, pondo casas já existentes no mercado do arrendamento.

Isso vai automaticamente baixar o valor das rendas, se todos arrendarem, por exemplo, por um valor de 20 Euros por m2?

Uma solução para combater os aumentos das rendas é por um teto ou um aumento fixo nos valores das rendas. Contudo, não compreendi ainda se isso é possível de acordo com a nossa constituição.

manifestacaohabitacao2023_16 Gentrificação sem mais valia

Sem espaço para manobra: o preço por m2 em Lisboa regista um valor de 23€.

A proposta de Lei prevê um teto ligado aos valores da inflação para aumentos nos novos contratos. A atualização das rendas em 2023, para contratos habitacionais e comerciais indexados à inflação vai ser de 2 %, ou seja, irá ficar abaixo do valor atual da inflação

Sim. Contudo, todo o pacote baseia-se muito numa mudança no alojamento local. Existe muita especulação imobiliária ainda para resolver. Muitos imóveis estão fechados para arrendamento há mais de quatro anos.

Isso não irá mudar?

Não. Muitos fundos imobiliários sabem que as casas irão valorizar na mesma. Em dois anos foram alcançadas valorizações acima dos 30 a 40%. Em algumas zonas de Lisboa a valorização ainda foi mais alta. Isso não irá mudar com a nova lei da habitação.

Você disse no início que era feliz com a solução que encontrou…

Sim. Eu pude comprar um apartamento. O que fazem as pessoas que não podem comprar? Têm de voltar a viver com os filhos na casa dos pais? Ficam desalojadas? Existe muita incerteza.

E os seus filhos? Como foi para eles?

Ficaram um pouco tristes. Tinham amigos com os quais brincavam no parque em Campo de Ourique. Eu era a única que ia de carro para o trabalho. Fazíamos quase tudo a pé no bairro.

Os custos com a mobilidade aumentaram para si?

Sim, claro. Na Amadora é diferente. Para os meus filhos é muito menos apelativo. Tínhamos uma vida boa em Campo de Ourique. O nosso dia-a-dia não é comparável. Não estou falar da situação financeira em si. A qualidade de vida era outra. Dava para fazer quase tudo a pé. Ir ao supermercado, passar pelo parque e encontrar as pessoas que estão a fazer o mesmo, por exemplo. Conviver mais facilmente. Isso mudou para a minha família, mesmo estando agora de novo mais perto dos meus pais com os meus filhos.

Autora: Cristina Costa

O preço de estudar em Lisboa

Segundo o PorData, em 2021, estavam matriculados no ensino superior mais de 335 mil alunos e quase 69 mil jovens estavam hospedados em pousadas de juventude. 

Para perceber a realidade dos jovens que vivenciam esta situação em específico, falámos com cinco estudantes de uma pós-graduação em jornalismo, que vieram, de diferentes partes do país, estudar em Lisboa.

Ana Fernandes tem 21 anos e nasceu em Guimarães, onde viveu toda a sua vida até ter entrado numa licenciatura no Porto. Foi aí que teve o primeiro contacto com a vida fora da casa dos pais. No final de 2022, mudou-se para Lisboa para fazer a pós-graduação.

Como soube relativamente em cima do acontecimento que tinha entrado no curso, o tempo para arranjar casa ou quarto já era escasso. “Soube que entrei no curso quando faltava menos de um mês para as aulas começarem. Nos primeiros três dias de aulas fiquei alojada num hotel, porque não conseguimos mesmo arranjar casa ou quarto.”

Esta procura incessante por alojamento mostrou ser um desafio maior do que Ana esperava: “Foi muito difícil encontrar um sítio para ficar, principalmente pelo facto de a pós-graduação ser só de um ano. A maioria dos locais não me queriam por ficar pouco tempo, isto porque os arrendatários queriam contratos de maior duração.”

“Agora estou numa casa a pagar a renda, a alimentação, os transportes e as propinas. Os meus pais dizem sempre que, no que toca à educação, investem o que for preciso. No que diz respeito ao alojamento, quando chegámos à parte da escolha de casa, em setembro e outubro tive de procurar com alguma pressa, mas na altura do natal muita gente vai de erasmus e os que estão cá vão para casa. Por isso, houve muita opção de escolha nessa altura”, contou Ana.

Raquel Almeida tem 21 anos e é de Viseu. É o quarto ano que está a viver em Lisboa. Veio a primeira vez em 2019 para fazer a licenciatura no ISCSP e, agora, a pós-graduação. Contudo, para Raquel, o processo acabou por ser mais fácil do que o de Ana Fernandes.

estudantesuniversitarios2023_6 O preço de estudar em Lisboa

Bárbara Galego, Raquel Almeida, Ana Fernandes, Ana Leão e Ana Rita Cunha, como muitos outros jovens portugueses, contam com o apoio da família para concluir os estudos no ensino superior.

“Como já tinha alguma certeza de que ia entrar em Lisboa, eu e as minhas colegas de Viseu começámos a procurar casas com antecedência. Acabámos por encontrar a casa onde estamos até agora. Tiramos um dia inteiro para ir a Lisboa com calma ver as casas, comparar os preços e ver as condições. Logo nesse dia decidimos que seria aquela a casa, tivemos a sorte de encontrar uma que nos agradou imenso mas sei que não é toda a gente que tem essa sorte”, comentou Raquel.

Como Raquel está na mesma casa há quatro anos, a inflação não se fez sentir no valor da renda. No entanto, não deixa de sentir uma certa pressão financeira noutras questões: “Cada vez é mais difícil. A prestação das propinas este ano é mais alta do que a dos anos anteriores e a questão da inflação no país em relação a alimentos e deslocações não ajuda. Esta fase foi muito pensada pelos meus pais. Sei que começaram a juntar dinheiro que seria dedicado exclusivamente aos meus estudos, o que acaba por ajudar bastante tendo em conta que não existe nenhuma ajuda exterior.”

Mas o facto de ter um irmão mais novo que está prestes a entrar na faculdade, acaba por apertar mais a nível de gastos. “A despesa não pode ser toda comigo mas, para já, com muito esforço, que eu sei que existe da parte dos meus pais, temo-nos conseguido manter firmes em relação a isso. Este será o último ano de esforço, com a esperança de que, brevemente, eu consiga minimamente dar alguma ajuda com as despesas.”

Bárbara Galego, de 21 anos, estuda em Lisboa há quatro, tal como Raquel. Ao contrário da amiga, Bárbara não esteve no processo de procura de casa até ao terceiro ano da licenciatura. Viveu os dois primeiros anos em casa dos avós, na Ramada. 

Quando teve de sair, por motivos de saúde, a estudante conta que “a inflação já se fazia sentir, mas não tanto como agora”. Bárbara sentiu que precisava de ganhar algum dinheiro para acrescentar à ajuda que os pais davam: “Faço pequenos trabalhos mas nada recorrente e trabalhei no verão passado. Eu tenho uma mesada que inclui deslocações, alimentação e despesas pessoais do dia a dia que possam surgir… O dinheiro fica mesmo contado, sobra muito pouco para as minhas coisas.”

Ana Rita Cunha tem 22 anos e é de Lousada. Fez a licenciatura em Coimbra e este é o primeiro ano a estudar em Lisboa, tal como Ana Fernandes. Ana Rita conta que conseguiu a casa através de uma amiga que já morava nela. “Eu sabia que ela ia sair e entrei no lugar dela. Estive a ver muitas casas na internet a preços absurdos, muito longe e nada daquilo que encontrei se encaixava no meu orçamento. Em julho já tinha casa e as aulas começaram em outubro.” 

estudantesuniversitarios2023_4 O preço de estudar em Lisboa

Ana Rita percebeu que tinha de ajudar os pais com os gastos, por isso, decidiu fazer trabalhos pontuais ao fim de semana para conseguir algum dinheiro extra. “É muito complicado conciliar todas as despesas. Eu tenho a sorte de ter pais que ajudam muito, mas,já mesmo quando estava em Coimbra senti que tinha de começar a trabalhar para não sobrecarregar os meus pais. Eles têm outra filha que vai entrar para a faculdade e que também vai precisar de tudo o que eu preciso. Por isso, decidi fazer alguns trabalhos que dão para conciliar com a Universidade.”

Ana Leão é do Porto, tem 21 anos e tirou a licenciatura em Coimbra, juntamente com Ana Rita Cunha. Vieram as duas para a mesma pós-graduação mas não ficaram na mesma casa. “Comecei a procurar alojamento por volta do mês de agosto/setembro, quando soube que tinha entrado na pós-graduação. O processo foi feito através da internet. Agendei visitas a duas casas e tirei um dia para ir a Lisboa com o meu namorado vê-las. Acabei por ficar com a segunda que vi, que é aquela onde estou agora.”

Durante a licenciatura, Ana Leão foi trabalhadora-estudante. Ia a casa todos os fins de semana e trabalhava num supermercado onde fazia nove horas por dia. Aos domingos apanhava um autocarro para Coimbra e mal conseguia estar com os pais. “Quando vim para Lisboa, optei por sair do trabalho porque não conseguia ir e vir todos os fins de semana. Agora, faço trabalhos pontuais. O tempo e o dinheiro que gasto a ir a casa não compensa, então há meses em que vou de três em três semanas”, comentou Ana. “Os meus pais pagam as propinas, a casa, os transportes em Lisboa e eu pago as viagens de regresso a casa e a volta para Lisboa.”

“Ando sempre a pensar em dinheiro e sempre a fazer contas”

A quantidade de gastos existentes já parecem suficientes para estas jovens. Entre propinas, alojamento, alimentação e transportes dentro da cidade, acrescenta-se ainda as deslocações de regresso a casa e eventuais saídas sociais, como por exemplo, jantares ou almoços de aniversário, idas ao café com amigos e até mesmo compras mais pessoais. O que une as cinco jovens, é o pensamento de que há escolhas que têm de ser feitas.

Raquel Almeida refere que não é uma pessoa que gasta muito, contudo afirma que as viagens para Viseu sempre foram uma prioridade: “Sempre preferi optar por não sair à noite ou não comprar determinadas coisas para poder ir a casa.”

Para Ana Fernandes, o mais difícil é mesmo ceder à vontade de ir para um café com os amigos. “Ainda por cima não sendo de Lisboa dá mais vontade de fazer estas coisas, mas acabo por não me permitir ter esses mimos todos porque tenho de me consciencializar de que tenho outras contas a pagar que são mais importantes. No primeiro semestre trabalhei na residência porque estava incluído e ajudou-me imenso porque era um extra para o que fosse preciso.”

Ao contrário das amigas, Bárbara Galego prefere jantar sopa todos os dias e ir aos aniversários a que for convidada para poder socializar. “Não vou estar a pedir mais dinheiro aos meus pais por coisas supérfluas, então oriento-me assim. Tento gastar tudo o que tenho em casa para evitar ir ao supermercado tantas vezes e faço comidas mais básicas para poder socializar mais.”

Ana Rita Cunha menciona que sente uma certa pressão financeira, mesmo tendo ajuda dos pais e trabalhando aos fins de semana. “Eu sinto que tenho de ficar em casa e não sair tantas vezes para não gastar o dinheiro que me esforço tanto a juntar para a vida em Lisboa. Ando sempre a pensar em dinheiro e sempre a fazer contas.” 

Ana Leão diz sentir que tem de ajudar os pais com os gastos, mas que não é fácil por não ter um ordenado fixo ao fim do mês: “Ganho pouco mas tento ajudar no que posso. Quando vou ao supermercado não compro o que me apetece, compro só o que é mesmo preciso.”

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“Existem muitas burlas. Encontrávamos um alojamento que era perfeito mas acabava por ser falso”

O processo de procura de casa em Lisboa é, para muitos, assustador e desafiante. As palavras de ordem da descrição desta fase são, maioritariamente, “assustador”, “caótico” e “stressante”. Foi assim que as jovens descreveram aqueles meses das suas vidas.

“O receio de não conseguir algo bom, mais a pressão de pensar que tenho de ter uma casa senão não tenho onde ficar, é muito grande. No meu caso não foi bem assim porque agimos com antecedência. Mas acaba por ser muito assustador e coloca muita pressão sobre nós”, afirmou Raquel.

“Dá muita ansiedade. No ano passado foi tão difícil que passávamos dias inteiros a pesquisar e a ligar, mas depois não nos respondiam.” Bárbara Galego passou por uma situação que afeta jovens por todo o país. “Existem muitas burlas, encontrávamos um alojamento que era perfeito mas, depois, acabava por ser falso.” 

Este tema das burlas não é de agora. Todos os anos existem notícias sobre os diversos tipos de burlas. Por isso, ao pesquisar por uma casa ou quarto, os jovens acabam por ter um cuidado extra para ter a certeza de que não vão ser enganados e para que este processo, que já mostrou ser desafiante, não se torne ainda mais difícil.

Ana Rita Cunha conta que não pensava em mais nada até conseguir casa: “Soube que tinha entrado na pós-graduação em maio/junho e, a partir daí, não descansei enquanto não arranjei casa. Foi muito stressante.

“As pessoas de fora não vão ter um lugar em Lisboa.”

A pensar no futuro que querem fazer em Lisboa, o que mais preocupa os jovens é o dinheiro e como vão conseguir sustentar uma casa e pagar as despesas básicas. O ordenado mínimo em Portugal, atualmente, é de 760€. Ao pesquisar o site da agência Idealista, conseguiu observar-se que a grande maioria dos quartos disponíveis na Grande Lisboa rondam os 600 euros por mês. Isto, para um jovem que vive sozinho, num quarto considerado pequeno e onde a casa é partilhada com mais pessoas. Ou seja, dos 760€ do ordenado mínimo, sobram cerca de 160€ para a alimentação, higiene básica, deslocações e vida social.

E para uma vida em casal? Se um quarto numa casa partilhada custa quase o ordenado mínimo, será que dois ordenados mínimos pagam a renda de uma casa na zona de Lisboa? No mesmo site, fomos ver a quanto ficava um apartamento. No Campo Pequeno, um T2 custa 3.300€ por mês. No Alto de Santo Amaro, em Alcântara, um T1 fica a 1.200€. Já na zona da Lapa, um T1 fica a 1.350€. Ou seja, um casal que ganhe 1.520€ no final do mês e que paga uma renda à volta de mil e duzentos euros por mês, fica com 320€ para as restantes despesas. Aqui, entra a questão: e os filhos?

Bárbara Galego prevê não conseguir morar sozinha em Lisboa no futuro: “nunca o vou conseguir, nem mesmo nos primeiros anos de trabalhadora. É isso que me deixa ansiosa. Com 25 anos não quero estar, ainda, num quarto de estudantes, quero ter a minha casa.”

Ana Leão chega mesmo a afirmar que “é impossível viver em Lisboa”. “Todos os dias vemos as notícias onde mostram os créditos à habitação a aumentar e um quarto a custar de 600 a 700 euros. Mesmo que eu queira ficar a viver em Lisboa, que é algo que quero imenso no futuro, pergunto-me como vou conseguir.  Se eu ganhar mil euros por mês e o meu companheiro ganhar outros mil, metade é para uma renda de uma casa! O que vamos fazer com o que sobra? Para a alimentação, para outras despesas ou até mesmo se quisermos ter filhos, acaba por ser uma missão impossível. A menos que tenham familiares ou já tenham casa própria, acho que as pessoas de fora não vão ter um lugar em Lisboa.”

A situação é precária entre os jovens estudantes e os jovens trabalhadores. Bárbara acaba mesmo por contar que “há pessoas que deixam de estudar por não terem possibilidades de pagar alojamento e todas as outras despesas. Não conheço nenhum caso em particular, mas já ouvi pessoas a contar essas histórias sobre conhecidos. E é muito triste que assim seja”.

Mais Habitação: as medidas aos olhos dos especialistas

Simone Tulumello, investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, considera que estes diplomas são um ”tentar fechar a gaiola depois da besta ter fugido.” Acrescenta ainda que a “existência de um travão ao crescimento da renda dos novos contratos é muito importante do ponto de vista simbólico porque, depois de muitas décadas, se volta a pôr na mesa uma medida de controlo dos valores das rendas.” Recorda que há pelo menos uma década que tanto os movimentos sociais como a academia pediam este tipo de medidas. “É também muito importante porque estão a assumir que, afinal, é possível controlar”, começa por lembrar.

Não obstante, salienta que muitas das medidas teriam tido um impacto muito mais relevante há 5 ou 6 anos, altura em que foi criada a Secretaria de Estado da Habitação: “se nessa época tivessem sido aprovadas medidas como estas, poderiam ter tido um impacto significativo”. “O aspeto positivo é que finalmente mexem em muitas coisas ao mesmo tempo. Mas não é suficiente. O problema não é onde vão mexer, mas sim como vão mexer”, salienta.

O polémico arrendamento coercivo

O arrendamento coercivo, uma das medidas que mais controvérsia tem gerado, consiste no Estado, invocando interesse público, arrendar edifícios devolutos em troca do pagamento de uma renda ao proprietário. A classificação de devoluto cabe ao município e a consequência é o agravamento do IMI. Sempre que tal se verifique, o município deve comunicar ao proprietário para a respetiva
utilização. Em caso de recusa ou ausência de resposta do proprietário, o município pode proceder ao arrendamento forçado. Em Lisboa, existem 6.444, no país são 10.998. Casas de férias, casas de emigrantes e de pessoas deslocadas por razões profissionais, de saúde ou formativas não são consideradas devolutas para o efeito.

Em entrevista à SIC, António Costa diz que “não se trata de expropriar, de um esbulho, trata-se de pagar uma renda justa”, acrescentando que a medida “assenta em dois conceitos jurídicos que estão consolidados e são pacíficos: a de prédio devoluto, que está definido para efeitos de agravamento da cobrança do IMI desde 2006 (…) e a do arrendamento forçado”. “Estamos a dar um âmbito mais alargado a dois mecanismos que já existem. Não creio ser uma leitura abusiva”, esclarece o primeiro-ministro.

Opinião discordante tem o advogado Ricardo Maia Magalhães. À TejoMag explica que “comparar estas medidas com o arrendamento forçado atualmente presente na nossa legislação urbanística mais não passa do que um exercício de pura desonestidade intelectual, uma vez que o espírito e objetivo de tal instrumento jurídico, na perspetiva em que se encontra hoje legislado, apenas visa salvaguardar investimentos realizados pelos Municípios em favor dos particulares e que estes, por algum motivo, entendam não reembolsar”, começa por esclarecer.

Além disso, considera que se levantam “severas questões de constitucionalidade, quer de um ponto de vista do respeito pelo direito fundamental à propriedade privada, quer na própria ótica do princípio constitucional da igualdade. Por um lado, a circunstância do Estado passar a dispor do património privado dos cidadãos contra a sua vontade parece colidir com o seu direito fundamental a gozar dessa mesma propriedade, em moldes que certamente ultrapassam a componente social da propriedade privada”, prossegue.

“Por outro lado, o simples facto de determinadas medidas apenas serem aplicáveis aos imóveis situados nos grandes núcleos urbanos desagua numa inevitável discriminação dos respetivos proprietários face aos demais cidadãos que tenham optado por realizar os mesmos investimentos noutras zonas do país – sem que se possa argumentar em favor de qualquer motivo que justifique essa discrepância do ponto de vista do cidadão”, conclui.

ricardomaiamagalhaes Mais Habitação: as medidas aos olhos dos especialistas

Ricardo Maia Magalhães é sócio responsável pelo Departamento de Contratação Pública e Autarquias Locais na PA Advogados. / Direitos reservados.

Benefícios fiscais

Foram anunciadas várias políticas fiscais destinadas a melhorar o mercado de arrendamento e de habitação. A primeira diz respeito ao desagravamento muito significativo para todos os que coloquem casas no arrendamento habitacional. Quanto maior for a duração do contrato, maior é a descida da taxa de IRS. Em contratos de até 5 anos, desce 28% para 25%; entre 5 e 10 anos desce dos 23% para os 15%; dos 14% para 10% entre 10 e 20 anos. Nos contratos superiores a 20 anos a taxa será de 5%, uma descida para metade. 

Além disso, os senhorios com casas com rendas antigas (até 1990), ficam isentos de IRS e IMI e vão ser compensados financeiramente. Para aqueles que destinam ou constroem imóveis para arrendamento acessível, em que havia isenção fiscal, estão agora também isentos de IMI. Aqueles que celebrem contratos de desenvolvimento habitacional diretamente com o Estado ficam ainda isentos de IMT, imposto de selo e IVA

“Medida para estabilizar e não baixar os valores”

Os novos contratos de arrendamento de imóveis que tenham estado no mercado nos últimos 5 anos ficam sujeitos a um teto máximo de aumento de 2% face à renda anterior. O programa prevê ainda a isenção de mais-valias na venda de imóveis com a condição de que o valor se destine ao pagamento do empréstimo da casa de habitação própria e permanente do proprietário ou dos seus descendentes. Está também prevista a isenção de IRS para mais-valias de vendas ao Estado e entre particulares em que o valor da venda seja reinvestido em imóveis destinados a habitação acessível.

Porém, Simone considera que chegam demasiado tarde. “Como as rendas já são demasiado altas, claramente incomportáveis para quem vive e trabalha em Portugal, já não servem. Em certa medida, esta é uma medida paradoxal. Isto porque quem, até agora, manteve as rendas relativamente mais baixas, é mais penalizado. Esta medida não vai ter o impacto que é preciso: baixar os valores das rendas”. É uma medida cujo propósito é “estabilizar o mercado” e não “baixar os valores”, alerta.

Combate à especulação

Uma outra medida que tem em vista o combate à especulação assenta na redução dos benefícios fiscais associados à revenda de imóveis para os pôr no mercado, e da renda justa, uma medida de curto prazo para limitar o aumento das rendas de novos contratos, salvaguardando os contactos que estão até ao limite do programa de apoio ao arrendamento.

Foi também decretado o fim dos vistos gold. Para António Costa, “nada justifica” a existência deste regime especial quando “89% desse investimento foi puramente imobiliário”. De acordo com o primeiro-ministro, das 11.758 autorizações de residências concedidas ao abrigo deste regime ao longo de 11 anos apenas 22 resultaram na criação de emprego. 

“Os vistos Gold, mesmo que não tivessem efeitos sobre a habitação, seriam uma porcaria”

O especialista em Habitação concorda e enaltece a medida. “Não é só uma questão da habitação. Os vistos Gold, mesmo que não tivessem efeitos sobre a habitação seriam uma porcaria. Estamos a falar de um regime privilegiado de obtenção de autorização de residência através da compra. É uma boa medida, mas duvido que tenha um grande impacto”, salienta.

Ainda assim, destaca ser difícil prever o real impacto. “Um dos problemas é que nunca tivemos dados sobre onde eram concedidos os vistos. A perceção é que tiveram um impacto bastante significativo sobre uma certa faixa do mercado. Teve um impacto muito grande especialmente nos primeiros anos, mas agora estava a abrandar”, acrescenta.

simonetulumello2023_4 Mais Habitação: as medidas aos olhos dos especialistas

Simone Tulumello defende que o controlo das rendas é uma das medidas que pode ter impacto efetivo na regulação do mercado da habitação.

Incentivo ao fim do Alojamento Local

Foi anunciada uma taxa extraordinária – Contribuição Especial do Alojamento Local – de 20% para apartamentos em municípios que não sejam de baixa densidade. Os titulares de alojamento local que decidam converter o AL em arrendamento estável até final de 2024, vão ter isenção de IRS até pelo menos 2030, explicou o primeiro-ministro. António Costa anunciou também a suspensão de novas licenças de AL até 31 de dezembro de 2030 para zonas de pressão urbanística. “O alojamento local tem tido um crescimento significativo”, justifica o primeiro-ministro, salientando que, neste momento, existem cerca de 110 mil habitações alocadas ao AL. “Só este ano, entre janeiro e fevereiro, mais 2.017 habitações foram alocadas a esta atividade económica”, conclui.

Para Simone, “o AL como fenómeno é uma das componentes da crise, sobretudo nas áreas centrais. Houve claramente uma substituição de dezenas de milhares de unidades habitacionais por unidades de AL”. Porém, alerta que é fundamental traçar uma diferenciação entre proprietários. 

“Não é uma classe unitária. O que aconteceu nos últimos 6/7 anos é uma progressiva concentração de propriedade. Inicialmente, eram sobretudo pequenas famílias que tinham uma ou duas casas, que conseguiram resistir à crise através do AL. Mas, atualmente, já é muito marginal. Agora, é completamente profissionalizado. Há um estudo recente que mostra como grande parte da habitação que foi reabilitada nos últimos anos são para o AL”. “Nada neste pacote de medidas distingue entre tipos de proprietários. Para uma empresa que compra um prédio para AL não deveria haver qualquer estímulo, deveria haver o fim destas unidades. Para além de casas retiradas do mercado, é uma competição desleal para com os hotéis”, lamenta.

A medida que ficou a faltar 

Para o investigador, há uma medida que deveria constar do pacote e que poderia, efetivamente, ter um impacto maior do que aquelas anunciadas. “Controlo de rendas“, aponta. “Acho que não há alternativa. Para mim a única política que pode ter um impacto a curto prazo. Pôr tectos aos valores das rendas”. Sublinha que esta seria uma medida que teria de ter em conta inúmeros fatores: considerar as diferentes localizações, as condições em que estão os apartamentos, se houve investimento ou não, entre outros. “Para voltar a garantir que o preço da habitação seja compatível com os rendimentos, não me parece que haja alternativa. Tudo o resto são formas de adiar o problema”, alerta.

Por fim, recorda que “Construir mais não resolve as questões de habitação. O mercado de habitação não funciona de acordo com aquele mito oferta e procura”.

Saída em liberdade: “o importante é a sociedade não nos virar as costas”

Um tema tabu?

A prisão continua a ser um assunto tabu. A falta de interesse por parte do público geral acaba por exigir menos informação, sendo que “há muita coisa que não está a ser medida e muita coisa que não está a ser comunicada” diz-nos Inês Tavares, coordenadora do projeto Reshape Ceramics.

Em 2015 nasceu a Associação Reshape com o objetivo de tornar os Estabelecimentos Prisionais (EP) em Casas de Detenção focadas na reintegração dos reclusos. Inês Tavares acrescenta que estes estabelecimentos alternativos procuram ser “de pequena escala, de tratamento diferenciado e junto da comunidade”. A coordenadora do projeto de reintegração de reclusos avança que umas das propostas legislativas apresentadas pela Reshape é, precisamente, “permitir que casas de detenção existam para pessoas que estejam a cumprir o final da pena”.

Saída em liberdade

Por norma, em Portugal, os condenados não cumprem a pena completa, saindo, no caso de bom comportamento, aos dois terços. No entanto, são muitas as coisas que têm de reaprender a fazer, como por exemplo todas as obrigações burocráticas “que estiveram em pausa durante aquele tempo”. Por outro lado, é provável que “a situação familiar e de amigos” tenha mudado, o que implica uma adaptação à nova realidade, afirma Inês Tavares no atelier da Reshape Ceramics em Lisboa.

Na Casa de Saída, a educadora social da associação Confiar, Cátia Correia, aponta para uma falha na gestão dos documentos de identificação: “têm de sair de forma legal, e saem com uma ilegalidade cometida por eles, que é o cartão de cidadão fora de validade. Não é que eles sejam ilegais, porque eles têm o documento, mas está fora de validade, não serve para nada.” Alberto Borges, monitor voluntário também na Associação Confiar, acrescenta outros casos concretos como “o  IRS por fazer durante anos (…), multas acumuladas no site das finanças, não fecham atividade” conclui que existe um “abandono total daquilo que é a realidade.” Por outro lado, para preparar a saída, seria importante ajudar o recluso a “inscrever-se no centro de emprego, se não arranjar emprego no início, pelo menos ir para uma formação profissional.”

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Atelier da Reshape Ceramics em Arroios onde se produzem peças de cerâmica únicas.

O primeiro trabalho

São várias as dificuldades em conseguir o primeiro emprego, como diz Inês Tavares, trata-se de um público que “em geral vem de uma classe social mais baixa, que não tiveram as mesmas oportunidades, que saíram da escola muito cedo, que o tempo de reclusão também as afetou a nível psicológico e físico”, mais ainda, “muitos deles nunca sequer tiveram trabalhos formais antes de entrar numa prisão, nunca foram a uma entrevista de trabalho ou nunca fizeram um CV.” Para além disso, o vazio que fica num curriculum vitae é difícil de explicar numa entrevista de emprego, “mentir não funciona” e, por isso, incentivam sempre a que cada um conte “a sua história” e aquilo que de facto estiveram a fazer, sendo que muitos “aproveitam o tempo que estão lá dentro para terminar o 9º ou o 12º ano”. Por outro lado,“há empresas que percebem que para terem pessoas a trabalhar têm de ignorar este fator que não tem nada a ver com a capacidade das pessoas de trabalhar.”

Com o lema “um trabalho, um trabalho melhor, uma carreira”, a Reshape Ceramics localiza esforços na formação e no emprego de todos aqueles que procuram ajuda adaptando, à priori, as expectativas. O primeiro trabalho não tem de ser para sempre, mas será essencial para uma progressão na carreira.

Com vista a prestar apoio na reinserção efetiva dos reclusos, a Reshape Ceramics foi criada pela associação, em novembro de 2020.  Tirou partido de um atelier de cerâmica inteiramente montado no Estabelecimento Prisional de Caxias para dar formação e criar postos de trabalho. Mais tarde, abriu o atelier em Arroios onde contrata ex-reclusos. Ali encontramos o Jaime, de 44 anos, que aprendeu a arte da cerâmica no EP de Caxias, em 2019. Quando saiu em liberdade condicional, foi convidado para trabalhar no atelier de Lisboa onde está desde setembro de 2022. Neste momento mora com o pai o que lhe permite ir juntando o dinheiro que ganha. Confessa-nos que a Reshape “tem dado imenso apoio psicológico e financeiro.” O Jaime é o terceiro colaborador remunerado do projeto.

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Francisco, um dos utentes da associação Confiar, no seu quarto na Casa de Saída.

A Casa de Saída

Em 2018 é criada a Casa de Saída da associação Confiar com o objetivo, não só, de alojar ex-reclusos, mas principalmente, de garantir “um acompanhamento de proximidade dos utentes no processo de transição para a liberdade”, conforme nos conta Carolina Viana, presidente da associação. Acrescenta ainda que a ideia da Casa é que este público consiga “ integrar o mercado de trabalho e poupar algum dinheiro com vista à sua autonomização” uma vez que não têm qualquer despesa com renda, água, luz, comunicações e alimentação. Os 3 quartos da casa são destinados a pessoas “em cumprimento de pena em liberdade ou que já cumpriram a pena em reclusão e se encontram em situação de maior vulnerabilidade e exclusão social. Têm de estar aptos a ingressar no mercado de trabalho, não podem ter consumos ativos nem sofrer de nenhuma patologia psiquiátrica grave.” Até ao momento, não existe nenhum utente que tenha passado pela Casa que tenha reincidido.

Localizada no bairro de Alcoitão, Cascais, a Casa acolhe neste momento quatro inquilinos que procuram recomeçar as suas vidas. De forma a preservar a identidade de cada um, serão utilizados nomes fictícios – o Raúl, o Mário, o José, e o Francisco.

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A Casa de Saída é partilhada por quatro ex-reclusos.

O Raúl preparou a sua saída com a Confiar. Dentro da Casa vai-se adaptando às novas rotinas, como ir à Reefod buscar comida, as visita regulares de um cozinheiro que lhes ensina a gerir os alimentos e a cozinhar e, durante o fim de semana, limpar a casa. Depois de um ano e seis meses em prisão preventiva quer “arranjar um trabalho e voltar para Mem Martins”.

O Mário esteve preso duas vezes, aproveitou o tempo para tirar o 6º ano e um curso de jardinagem. A pouco tempo de sair, a sua técnica de reinserção falou-lhe da Confiar e foi assim que conseguiu um quarto na Casa de Saída. Agora quando pensa no futuro confidencia-nos que quer “arranjar um trabalho.”

O José é jardineiro na Câmara Municipal de Cascais, é aqui que está a tentar que o Raúl e o Mário comecem também a trabalhar. O espírito de entreajuda impera na casa, conhecem bem as dificuldades de recomeçar do zero.

O Francisco é o membro que está na Casa há mais tempo, fez em dezembro um ano. É açoreano. Passou grande parte da sua vida emigrado nos Estados Unidos. De regresso à ilha, é condenado e enviado para Pinheiro da Cruz. Quando a sua pena estava a chegar ao fim, conta-nos, “não sabia o que fazer (…) não sabia com quem podia falar” até que a Confiar o contactou. Com este apoio conseguiu solicitar o Rendimento Social de Inserção e, mais importante, uma casa onde ficar.

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O Mário procura conforto no livro da Bíblia.

Carlos Barbosa, um caso de sucesso

Carlos Barbosa, tem 45 anos e é natural da Reboleira. Esteve preso duas vezes, a primeira, quando tinha apenas 19 anos. Ao todo foram dezoito anos em privação de liberdade. Atualmente vive com a sua companheira e tem dois filhos, o Lucas, do primeiro casamento, e o Santiago.

Em conversa com a TejoMag, lembra-se do momento em que decidiu que aquele não seria mais o seu caminho: “perdi a minha mãe em 2005, e não me deixaram ir ao velório. Foi um momento difícil (…) mas aí bateu o clic, decidi mudar, ser uma pessoa melhor.” A partir de então Carlos Barbosa agarrou as rédeas da sua vida e, tal como tinha aprendido numa aula de ética ministrada pelo Professor Luís Graça, anterior presidente da associação Confiar, começou a “alimentar o cão bom” que havia dentro dele, depois de ter alimentado “o mau durante muitos anos.”

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Carlos Barbosa à porta da sede da associação Confiar no Linhó.

Aproveitou o tempo no EP para fazer um programa de desintoxicação cujo sucesso se deveu ao apoio das psicólogas. “Não parar” foi fundamental para cumprir os 12 anos de reclusão da segunda condena – “estar sempre a trabalhar, sempre a querer aprender coisas novas, era pedreiro, era faxina, depois fui para barbeiro, depois para ajudante de cozinheiro, nunca parei”.

A Confiar estendeu-lhe a mão neste processo e, quando saiu em liberdade, foi convidado para ser o responsável da Casa de Saída, no bairro de Alcoitão: “Estive lá quatro anos, correu bem, gostei da experiência, mas tive de seguir com a minha vida”. Hoje tem outros objetivos e, após ter aproveitado as oportunidades que lhe deram, conseguindo concluir o 9º ano e o curso de cabeleireiro profissional oferecido pela Escola de Alcabideche, está a iniciar novo projeto: a Barbearia do Bairro.

Carlos Barbosa vai remodelar o interior de uma carrinha e transformá-la numa barbearia ambulante com vista a oferecer este serviço nos bairros mais desfavorecidos: “Vou cortar o cabelo, vou andar de bairro em bairro (…) onde as pessoas não têm condições para cortar cabelo.” A grande recompensa diz ser a gratidão que lhe dá ajudar os outros: “Ajudaram-me bastante porque é que eu não hei-de ajudar as outras pessoas que precisam de mim?”

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Carlos Barbosa vai adaptar a carrinha para colocar em marcha o seu novo projeto, a Barbearia do Bairro. Ao fundo, o Estabelecimento Prisional do Linhó.

Carlos contou sempre com o apoio da família – das quatro irmãs e dos pais – mas a Confiar foi “um porto seguro”. Da sua experiência conta-nos que no momento de saída em liberdade o “importante é a sociedade não nos virar as costas, não nos fechar as portas.”

A história de Carlos Barbosa é um caso de sucesso que pode contribuir para alargar os horizontes dos jovens mais vulneráveis, tal como fez Johnson Semedo, uma referência para Carlos: “ele tirou várias crianças do mundo do crime e eu também gostava de fazer isso, com a minha história de vida  tentar mostrar que aquele não é o caminho certo, o caminho certo é estudar trabalhar, focar nas coisas boas que eles querem, não essa vida de criminalidade, vender droga, roubar. Esse caminho só nos leva ali [aponta para a prisão do Linhó]. Ou ali, ou ao cemitério.

Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

“A emergência da Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de criar efeitos disruptivos nos sistemas de emprego em todo o mundo. A futura implantação de algoritmos de largo espectro […] pode levar a mudanças consideráveis nos atuais padrões de trabalho, originar rapidamente muitos desempregados em todo o mundo e desestabilizar profundamente as relações laborais”, pode ler-se na descrição do projeto.

Começo por lhe perguntar o que é a Inteligência Artificial?

É o recurso a programação e algoritmos que permitem aos seres humanos obter informação mais facilmente sistematizada. Normalmente é aliada à tomada de decisão ou a processos de tomada de decisão. É o recurso a técnicas de computação para ajudar os seres humanos. 

Quais os objetivos desta investigação?

O Projeto InteliArt nasce de uma equipa multidisciplinar que encara os últimos desenvolvimentos na IA como podendo vir a ser problemáticos para o emprego, para o trabalho e para a organização em torno destes que existem nas sociedades, particularmente as mais industrializadas. É uma problemática que já há muitos anos estudamos, mas que agora se revela um bocadinho mais acutilante porque existe a aplicação de vários algoritmos considerados de largo espectro, isto é, que poderão ter efeitos em vários sistemas ao mesmo tempo que podem, de um momento para o outro, causar grandes danos nas estruturas económicas e de emprego. Este grupo tem vindo a trabalhar desde janeiro de 2021 e já ganhou vários prémios, como o Prémio Santander e do Ministério da Economia e do Mar em colaboração com a Google.

O projeto pretende analisar três setores em Portugal: o automóvel – porque tem impactos sobre muitas estruturas produtivas e muitas estruturas de trabalho nas sociedades mais industrializadas; o da banca e da logística. Nós temos trabalhado nestes últimos dois anos mais à volta do setor automóvel. Temos já vários artigos publicados sobre essa matéria que resumem um poucos os resultados que temos vindo a alcançar numa perspetiva de compreender qual é a capacidade que a IA tem de realmente ser aplicada às empresas portuguesas dado o elevado contraste na indústria automóvel entre empresas extremamente desenvolvidas e abertas ao mercado Internacional e empresas que simplesmente vivem para o mercado nacional. De facto, a aplicação da IA requer, do ponto de vista da gestão, que exista um conjunto de capacidades instaladas já na empresa, nomeadamente ao nível dos recursos humanos, para que se possa introduzir mais essa camada de tecnologia dentro das empresas. Nem todas as empresas estão capacitadas para receberem IA a sério. 

profnunoboavida_11 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

“Não é tanto um perigo de despedimento. Não seria por introdução de mais automação e IA que as pessoas perderiam o seu emprego, mas veriam o seu trabalho reafetado”

O primeiro passo foi perceber qual era a taxa de penetração que estes novos algoritmos podem ter na indústria portuguesa e nos serviços associados. Conseguimos perceber que há dois tipos de empresas diferentes: aquelas tecnologicamente mais avançadas que podem de facto receber algoritmos de apoio à produção ou de apoio à gestão. E aí pode haver mudanças nas estruturas do trabalho bastante significativas, embora no setor automóvel as alterações na estrutura do trabalho sejam mais ao nível da organização do trabalho e não tanto ligadas ao despedimento. Ou então à realocação de trabalhadores para outras atividades da mesma empresa. Não é tanto um perigo de despedimento. Não seria por introdução de mais automação e IA que as pessoas perderiam o seu emprego, mas veriam o seu trabalho reafetado. Por exemplo, na produção automóvel a aplicação de IA para a distribuição da cola nos vidros, deixou de ser o operador a pôr a cola e passou a ser um robô a aplicá-la, a analisá-la com IA. O operador passou para trás de um computador e só intervém em caso de défice ou de excesso de cola. Normalmente, são funções mais leves, mais de controlo ou de coordenação.

Está a ser dada formação adequada em Portugal?

Temos visto que as pessoas estão a sair formadas para mecatrónica automóvel, mas não lhes são dados conhecimentos de eletricidade que lhes permitam, por exemplo, agarrar a manutenção dos carros elétricos. Continuam com uma formação antiga para a manutenção de carros a diesel ou a gasolina, mas não saem com qualificações suficientes para poderem lidar com carros elétricos. Meter as mãos num carro elétrico, a pessoa habilita-se a morrer. Torna-se quase um imperativo formar as pessoas com o mínimo para que assegurem a sua segurança. Essa formação mecatrónica automóvel não está a ser dada e estamos preocupados com isso.

profnunoboavida_5 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados” 

“A Volkswagen queria instalar uma fábrica de baterias em Portugal, França ou Espanha e fugiu para Espanha. Passou completamente ao lado das autoridades portuguesas”

Por último, o projeto tem permitido também termos um contato mais aprofundado com as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores da indústria. Temos feito várias reuniões com sindicatos e comissões de trabalhadores das grandes empresas da indústria automóvel em Portugal para percebermos até que ponto é que estes representantes estão preparados para as transformações que vão ocorrer. Não só do carro elétrico, mas também da microeletrónica que é introduzida dentro dos carros, da preparação para o hidrogénio como alternativa aos carros elétricos. No fundo, a nossa preocupação é perceber qual é o nível de formação e qual é a capacidade que eles têm de também pressionarem as entidades portuguesas para captar investimento direto estrangeiro. 

A Volkswagen queria instalar uma fábrica de baterias em Portugal, França ou Espanha e fugiu para Espanha. Representaria em Portugal um brutal investimento, mas também uma capacidade de projetar a indústria e os serviços nacionais em torno de uma fábrica de baterias. Passou completamente ao lado das autoridades portuguesas. Não vamos conseguir dar o salto para a eletrificação do setor em Portugal.

Medidas para mitigar o impacto da IA no trabalho e emprego

Sabemos de estudos anteriores que existe alguma capacidade de introdução da IA no tecido económico português, mas esse será sempre nas empresas que são mais desenvolvidas ou que têm maior capacidade para se inovar e introduzir estes sistemas. Sabemos que os efeitos no emprego também têm muito que ver com a sensibilização de quem toma essas decisões para acautelar a introdução dessa tecnologia de várias formas. Primeiro, em diálogo com quem, de alguma forma, possa ajudar a pensar e mitigar os efeitos negativos que a IA pode causar. Como é o caso das comissões de trabalhadores e dos delegados sindicais. Por um lado, quem prepara a introdução da IA deve falar com quem vai trabalhar ou com quem representa as pessoas que vão trabalhar de forma a interiorizar essa nova organização do trabalho e ser produtivo. Caso contrário esbarram nos medos da tecnologia, na má vontade, na alienação. Na banca, assim como na logística, poderia ter-se ido muito mais além em termos de introdução de IA. Não se foi por razões de paz social. Se, por má vontade, se quisesse introduzir tudo o que se poderia introduzir, isto levaria a despedimentos, em particular, no setor dos serviços.

profnunoboavida_4 Nuno Boavida e os efeitos da Inteligência Artificial no trabalho: “Todos aqueles fatores de discriminação que já existem podem ser amplificados”

Fala-se em despedimentos e promoções com base em algoritmos. Faz sentido?

Já existe, sejamos claros. Poderão não estar disseminados em todos os setores de atividade económica ou em todas as empresas, mas qualquer empresa de média ou grande dimensão já os tem [algoritmos] a funcionar. Outro lado da mesma moeda é que o recrutamento de novos empregados é feito com IA. A questão é, se no final, quem recebe uma lista de pessoas a despedir tem um juízo a fazer sobre elas, uma monitorização da decisão e capacidade de voltar atrás na decisão ou não. 

“Todos aqueles fatores de discriminação que já existem na sociedade podem ser amplificados com a inteligência artificial”

Quais são os principais riscos da inclusão da IA no trabalho e emprego?

Há vários riscos associados. Uma máquina não é um ser humano pensante com capacidade reflexiva e com capacidade crítica. Não há um ser humano, uma entidade com vida por trás da máquina. Os riscos são também gerados pelas pessoas que criam, mantêm e implementam estes sistemas. Por exemplo: a não informação aos trabalhadores que estão a ser avaliados por IA cria suspeitas, mau ambiente que depois são muito difíceis de contornar. Pode levar à exclusão (sistémica). No fundo, todos aqueles fatores de discriminação que já existem na sociedade podem ser amplificados com a IA. Um erro feito por um ser humano pode ser corrigido; um erro feito por IA muitas vezes é uma caixa negra sobre o qual não se consegue refletir porque não se sabe o que é que se passa lá dentro. Só quem a criou é que consegue explicar. 

O ChatGPT tem despertado enorme fascínio, mas também receios sobre a dissolução de certas profissões. Estamos assim tão perto de ser substituídos por ‘máquinas’?

Em tom de brincadeira, a profissão de jornalista é talvez a mais debatida (risos). Primeiro, do ponto de vista de quem analisa isto há alguns anos, do ponto de vista histórico, não há um salto revolucionário. Quando fizemos a nossa investigação do ChatGPT fizemos uma pergunta sobre a qual somos especialistas e o ChatGPT dá uma resposta que não faz sentido para um especialista. Na melhor das hipóteses, diz umas generalidades. Na pior das hipóteses, diz umas enormidades que não fazem sentido algum. Aparecer – hipoteticamente – um algoritmo de IA que nos vai permitir dar um salto na sociedade da informação, não é verdade. Há de facto alguns desenvolvimentos, em particular do ponto de vista da comunicação, mas não há capacidade de agregar e sistematizar informação. O que há é cada vez mais informação não validada na Internet. Não sou dos que alinha que já há uma revolução em marcha. Claro que pode haver algumas áreas onde isso aconteça. Para já, ainda não aconteceu. Tem havido uma transição natural para a nova economia. Há um adaptar das novas tecnologias, onde o saldo entre os postos de trabalho, que desaparecem, e os novos, que são criados, é igual ou perto de zero.

Filipe Leonardo: “Nunca foi tão fácil arranjar um primeiro emprego como agora”

Em entrevista com Filipe Leonardo, é debatida a importância da preparação para uma entrevista de emprego, seja ela psicologicamente ou fisicamente. Filipe dá também alguns conselhos para quem vai iniciar o seu trajeto no mercado de trabalho e para aqueles que pretendem mudar de área profissional. 

Para conhecermos um pouco mais sobre si, pergunto-lhe como foi a sua trajetória até chegar a Associate Partner na Deloitte?

Na realidade, faz este ano 15 anos que ingressei na vida profissional. Tirei o curso de engenharia eletrotécnica do Instituto Superior Técnico, com especialização em telecomunicações e sistemas de decisão em controlo, há quinze anos. Desde aí que tenho trabalhado em tecnologia e em consultoria tecnológica. Quando terminei o Técnico quis ingressar em consultoria porque via como sendo uma extensão da faculdade, ou seja, a perspectiva de poder trabalhar em múltiplos clientes, múltiplas geografias e desafios profissionais. Era algo que me atraía bastante e foi por isso que apontei sempre para poder fazer parte de uma grande consultora tecnológica. Na altura estive em dois processos de recrutamento, um na Deloitte, onde me encontro neste momento, e outro numa empresa boutique de consultoria mais focada em telecomunicações na Maksen, que foi um spinoff da Deloitte em 2003. Consegui a vaga na Deloitte e, curiosamente, em 2015 foi feita uma aquisição dessa mesma empresa pela Deloitte. Tenho evoluído muito profissionalmente nos vários “degraus da pirâmide” de consultoria, até onde me encontro hoje como Associate Partner. 

Algo que os jovens nos dias de hoje afirmam sentir e viver bastante é a dificuldade em arranjar emprego, principalmente o primeiro. Considera que é mais difícil, atualmente, arranjar trabalho?

Eu tenho uma visão muito positiva em relação a esse assunto. Acho que nunca foi tão fácil arranjar um primeiro emprego como agora. Claro que eu tenho as “lentes” da tecnologia pois é essa a minha área de especialização e onde trabalho, mas, na prática, existe uma grande mudança no trabalho e na forma como o executamos. Com o impacto que a Covid-19 trouxe à nossa sociedade, é normal que existam trabalhos remotos, portanto, em Portugal, posso estar no interior a trabalhar para grandes empresas internacionais e estar a trabalhar para fora. Desta maneira, tenho uma base de empresas “alvo” muito mais alargada do que tinha há uns anos. Tenho muitos amigos nessas circunstâncias e que estão em empresas internacionais a trabalhar de Portugal para fora que, por acaso, é algo que acontece no meu departamento, em que 80% dos nossos serviços são prestados a clientes fora de Portugal. Depois temos também a atratividade do país, ou seja, nos últimos anos Portugal está muito “na moda” principalmente nas áreas tecnológicas e tem existido um conjunto de empresas internacionais que têm trazido os seus centros de inovação e centros de excelência para Portugal, o que tem alargado as oportunidades nas áreas tecnológicas.

Ao contratar alguém, quais são os critérios que utiliza?

Na prática, classifico em duas componentes: uma de soft skills e outra de hard skills. Pela área que represento, da engenharia de telecomunicações, é basilar a existência de um conjunto de competências tecnológicas. Portanto, essas são as hard skills que têm de estar lá e que são fundamentais. Por outro lado, temos as soft skills que são fundamentais num negócio de consultoria, ou seja, o facto de eu conseguir comunicar de forma efetiva com os meus clientes, conseguir compreender as suas necessidades, os seus pain points, como construir soluções adequadas aos seus desafios e, para isso, preciso de conseguir aferir se os candidatos têm essas soft skills que são fundamentais para a execução das suas atividades. 

filipeleonardo2023 Filipe Leonardo: “Nunca foi tão fácil arranjar um primeiro emprego como agora”

Nesse processo de entrevista, existe a necessidade de analisar não só o conhecimento, como também a forma como os candidatos se apresentam?

Sem dúvida. Essa é uma componente das soft skills que é um conjunto de princípios que são basilares, como por exemplo o profissionalismo, a postura, a forma como comunicam, a forma extrovertida como se apresentam por vezes… acabam por ser características de que estamos à procura. O foco não passa pela aparência física. Dos cinco mil funcionários que temos, existem muitos que gostam de adotar uma postura mais descontraída, inclusive na indumentária. Mas damos mais valor à postura da pessoa, aos princípios de profissionalismo e de ética que acabam por não ser negociáveis.

Considera que a primeira impressão importa num contexto de entrevista?

Sim. É algo fundamental e nato à natureza humana. Eu diria que qualquer um de nós, quando conhece alguém, nos primeiros dez segundos acaba por criar logo uma imagem mental dessa mesma pessoa e no mundo profissional é igual. Portanto, essa capacidade de conseguir encher a sala e de conseguir mostrar alguns aspetos das características até mesmo pessoais e da sua personalidade é fundamental.

Ainda são algumas as pessoas que optam por mudar de área a determinada altura da sua vida. No seu ponto de vista, é benéfico mudar?

É e enriquece muito aquilo que é a nossa empresa. Dou-lhe dois exemplos de medidas que implementámos na Deloitte: Um dos programas, inclusive uma marca registada da Deloitte, é o programa Brightstart que, na prática, tem o objetivo de desenvolver cursos profissionais e cursos universitários, em parceria com Institutos Politécnicos. Neste momento, temos mais de cinco programas desta matriz a acontecer em Portugal, com o objetivo de não só conseguir capturar o talento certo, mas também promover o desenvolvimento académico e profissional dos alunos. Um segundo programa que temos é o UPskill, que tem como objetivo recrutar algumas pessoas que decidem “dar uma volta de 180 graus” na sua vida profissional. Temos o exemplo de um membro da nossa equipa que ingressou no ano passado e que era da área da biologia marinha e que tirou uma formação em tecnologias cloud. É o exemplo de alguém que já vinha com uma experiência de dez anos, que trazia experiência numa área muito específica e que deu esta volta na sua carreira e está a ser uma mais valia para a nossa equipa.

Que conselhos daria a um adulto que pretende mudar de área?

Primeiro acho que é fundamental ter um bom equilíbrio entre aquilo que é o objetivo “romântico” do trabalho e aquilo que são as saídas profissionais. Eu posso adorar e saber imenso sobre espécies de caracóis, por exemplo, mas sei que isso não tem qualquer saída profissional. Portanto, é sempre muito importante que exista esta noção de quais são as saídas profissionais dos cursos em que se estão a focar. Depois é preciso que se foquem, que se dediquem, que invistam e que se divirtam ao longo do processo. Nós passamos cerca de dois terços da nossa vida muito focados naquilo que é o nosso trabalho profissional, por isso, que isso seja também uma fonte de prazer. Tenham foco, determinação e resiliência.

Para finalizar e regressando ao tema do primeiro emprego, o que diria se se deparasse com uma pessoa que está à procura do seu primeiro trabalho?

Tenham uma mente aberta! É importante que, no início da carreira profissional, sejam flexíveis e tenham uma mente aberta para os desafios e para aprender. É importante para serem lançados numa área de desconforto, porque é isso que representa o crescimento. É dessa forma que conseguem evoluir e especializar-se. Aproveitem o processo em si. Tem de ser uma altura de novos horizontes e de se poderem encontrar do ponto de vista pessoal e profissional. Não tenham medo do desconhecido, abracem esse desconhecido. 

O mercado de trabalho está a mudar. Onde ficam as pessoas?

A inteligência artificial (IA) constitui um dos maiores desafios da ciência e da tecnologia da última década e, dia a dia, vai dando passos de gigante sem que a população em geral se aperceba, principalmente afetando o mundo do trabalho. Recentemente – muito graças a ferramentas como o ‘ChatGPT’, o ‘Google Bard’ ou o ‘Bing Chat’ – descobriu-se a ‘AI’ Generativa (IAG) que, através de múltiplas plataformas, torna já possível a um dispositivo produzir conteúdo novo como músicas, desenhar qualquer coisa por indicação de um ser humano ou produzir textos de forma autónoma. Tudo com recurso a modelos, “matemáticas” muito complexas com base em instruções dadas por pessoas.

É só pedir e ele faz. Faz mesmo. É só testar.

ai1 O mercado de trabalho está a mudar. Onde ficam as pessoas?

Imagem do Papa Francisco criada através de Inteligência Artificial Generativa, de Pablo Xavier.

Vários especialistas têm garantido que as IA e IAG podem efetivamente vir a auxiliar o mercado de trabalho num futuro próximo. Aliás, de certa forma, já o fazem. E apesar de vir a potenciar capacidades e tarefas, existe o risco de comprometer parâmetros como a autenticidade e a humanidade das coisas. Acredita-se que os efeitos a longo prazo no mercado de trabalho estarão ainda longe de ser conhecidos.

“É cedo para saber ao certo o efeito da inteligência artificial generativa no mercado de trabalho. A tecnologia por trás do ChatGPT não é nova, mas a popularidade do programa está relacionada com o facto de ter surgido gratuitamente e de qualquer pessoa com um dispositivo ligado à internet o poder experimentar”, explica à Tejo Mag, Flávio Nunes, jornalista editor do ECO – Economia Online.

Hoje há exemplos de como a inteligência artificial já substitui a mão humana em várias tarefas. Nos armazéns da Amazon, por exemplo, as funções antes atribuídas a pessoas já estão delegadas a robôs que – previamente programados – processam encomendas. E há outros casos de sucesso no mercado.

“Há muitos anos que o ser humano inventa máquinas para tentar facilitar o seu trabalho e, numa sociedade capitalista, é natural que as empresas procurem adotar algumas destas tecnologias para aumentar a produtividade e reduzir custos, tornando-se mais competitivas”, acrescenta. “Este processo, provavelmente, não acontecerá subitamente e não começou agora. É uma adaptação constante que vai acontecendo.”

E quanto aos postos de trabalho, Flávio Nunes considera improvável “que se torne na origem de uma vaga de despedimentos em massa ou coisa parecida”.

Mas pode efetivamente ser mais vantajoso para uma empresa ter uma máquina que trabalhe 24 horas por dia? Sim, porque não faz pausas para refeições, não precisa de tempo para atividades externas ao trabalho e não exige um aumento salarial porque no fundo, não o recebe. Mas onde fica a humanidade?

Luís Carlos Batista, psicólogo ouvido pela Tejo Mag, acredita que a mediação da tecnologia será fundamental para garantir, em primeiro lugar, a segurança no mercado de trabalho e, a posteriori, que cada pessoa possa assegurar que se sente útil para a sociedade. O aumento das taxas de desemprego será um problema a resolver.

“Em termos civilizacionais, nunca tivemos os números que temos atualmente. Somos já 8 mil milhões de pessoas. Mas continuamos a desenvolver tecnologia para substituir o homem. Isto cria um conflito interno nas pessoas e na sociedade: onde ficam as pessoas? Que trabalho vão desempenhar depois?”

Luís Carlos Batista explica que o ser humano é racional e emocional, sendo sempre preciso um equilíbrio entre os dois conceitos.

“Numa empresa, não haver emoção e haver apenas a racionalização do trabalho é claramente mais vantajoso, porque a emoção influencia sempre o racional. Se a retirarmos, o rendimento é maior. É isto que queremos? Esperamos que haja tarefas que continuem a ser desenvolvidas por pessoas.”

O BOM E O MAU MEDIADOR

Uma das capacidades que a Tejo Mag testou com recurso a Inteligência Artificial foi a construção de escalas de trabalho para uma equipa. Porém, o assunto não é tão linear como parece. Não basta escrever: “Faz uma escala horária com X e Y a desempenhar as tarefas A e B”. É necessário fornecer a informação o mais completa possível ao ‘Bot’ para que possa desempenhar de forma mais eficaz o trabalho para que foi convocado.

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Chat GPT 4 – Uma das versões mais recentes da plataforma ‘ChatGPT’, de Inteligência Artificial Generativa.

Com a IA Generativa, o sistema já começa aos poucos a “reconhecer” comandos utilizados para os trabalhos sugeridos e começa a dar respostas mais “humanizadas”. Mas ainda está longe de atingir o nível de raciocínio de um ser humano. Pelo menos por agora.

“Apesar de o ChatGPT, atualmente, precisar sempre de um humano do outro lado do ecrã, estas tecnologias podem ser adaptadas para substituírem os humanos em algumas tarefas. A história leva a crer que, a prazo, algumas tarefas poderão ficar obsoletas e novas funções serão criadas. Por exemplo, há sinais de que vai aumentar bastante a procura por especialistas que conheçam a melhor forma de apresentar um pedido para a máquina entregar os melhores resultados, porque, de certa forma, a qualidade do resultado também depende da qualidade do pedido”, conclui o jornalista Flávio Nunes.

EDUCAÇÃO: ACELERAÇÃO DESMEDIDA?

“O professor não é uma inteligência artificial”, remata Marlène Cavaleira, professora de Português e Francês há quase 30 anos. Foi, no final do milénio, uma das primeiras docentes em Portugal a recorrer a ferramentas digitais para revolucionar a forma de ensino. O objetivo era acrescentar valor à sala de aula. À época era professora numa escola em Sintra. Hoje dirige um centro de estudos em Rio de Mouro.

“Ao nível digital, antes de 2000 não conhecíamos absolutamente nada. Eu sou do tempo em que se faziam testes com corte-costura e fotocópias. Eu e outros professores acabámos por nos interessar pelo digital e tivemos formação em várias plataformas para que pudessemos aprender e ensinar alguma coisa aos alunos. Todos os dias íamos desbravando terreno”.

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Fichas de trabalho desenvolvidas por Marlène Cavaleira em 2001

As fichas de trabalho eram construídas com recurso a sites na internet e plataformas de aprendizagem estrangeiras. O conteúdo em português não existia.

“Todos os sites serviam. Entregávamos, por exemplo, uma ficha com o nome de uma série de peças de roupa e os alunos tinham de ir ao site da ‘La Redoute’ para pesquisar e saber a que secção pertenciam. Tudo isto em francês. Claro que o conteúdo não era destinado à educação, mas era uma forma interessante de eles aprenderem.”

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Em 2001, Marlène Cavaleira já dava aulas de francês com recurso à internet. 80% da aprendizagem já era feita com recurso a ferramentas digitais.

“Só mais tarde, quando passámos para o caderno eletrónico, com uma turma piloto, tirámos a prova dos nove. Todos os alunos tinham um computador portátil. Ou seja, o caderno diário estava lá. Realizaram depois os exames nacionais de forma tradicional – externos à escola – e destacaram-se”, acrescenta.

Na educação, há questões que têm sido levantadas nos últimos anos, sobretudo desde que a pandemia obrigou as escolas a reformular o conceito de sala de aula. Estamos perante uma desumanização do papel do professor com a inserção das ferramentas digitais? E de que forma pode a aceleração digital prejudicar o desempenho dos alunos?

“É preciso fazer uma reflexão e desmontar tudo.”, conta a professora à TejoMag. “Ver o que foi muito bom e menos bom e colocar numa balança. Do outro lado, temos de colocar o interesse e a interação do aluno. Temos de a equilibrar. Estamos demasiado focados no professor e estamos a esquecer a aprendizagem do aluno.”

Há 15 anos, o ‘Copy Paste’ foi um dos grandes inimigos dos professores. Hoje, a inteligência artificial na internet pode configurar um outro desafio, se não for utilizada da forma mais correta. “É um desafio para a educação e para o mundo do trabalho. Corre-se o risco de diminuir a própria inteligência. A ideia é utilizar o que temos e colocar em prática. É importante a humanização dos textos e dos trabalhos. Há competências que se estão a perder.” acrescenta.

Para Marlène Cavaleira, é importante inspirar os alunos para lhes ser permitido aprender através do erro. Mais que um trabalho, o professor tem uma missão.

Conclui: “Os alunos chegam à escola a cores e saem a preto e branco, embora tenhamos uma panóplia de conteúdos disponíveis como nunca houve. O professor tem de ser humano. Ser humano não se vai buscar ao computador. Temos de ensinar mas passar a mensagem. Tudo é gerido com os laços que se criam com os alunos.”